JOÃOZINHO: jogador de um talento incomparável

                  João Soares de Almeida Filho, o Joãozinho, ótimo ponta-esquerda do Cruzeiro, de 1973 a 1986, nasceu em Belo Horizonte em 15 de fevereiro de 1954.  Jogador extremamente habilidoso, Joãozinho teve a carreira encurtada por causa da violência dos adversários.  É o oitavo jogador que mais vezes vestiu a camisa celeste com 471 atuações.

                 Costumava atuar bem aberto e sempre deu muito trabalho aos laterais-direitos de sua época. Depois de sofrer várias contusões, ele defendeu o Palmeiras, no início dos anos 80, o Internacional (RS) e encerrou a carreira. Pelo Palmeiras, já em final de carreira, Joãozinho disputou apenas 22 partidas no ano de 1985. Foram sete vitórias, 9 empates e seis derrotas. Joãozinho só marcou três gols com a camisa do alviverde. Também defendeu a Seleção Brasileira, sem muito brilho. Vestiu a camisa amarela em 6 jogos com cinco vitórias, um empate e um gol marcado.

                 Joãozinho tem quatro filhos de dois casamentos. Um deles, também chamado Joãozinho, teve belos lampejos de craque no Cruzeiro, mas “trombou” com Vanderlei Luxemburgo em 2002 e foi mandado embora da Toca da Raposa. O filho de Joãozinho perambulou por várias equipes, entre elas algumas do Japão e o Paysandu, mas não obteve o mesmo sucesso de seu pai que era simplesmente genial.

– Moleque! Irresponsável! Você não tem juízo nessa cabeça?

                 Com estas palavras, os olhos fumegantes e vermelhos de ódio, e o dedo em riste, o técnico Zezé Moreira recebeu o ponta-esquerda Joãozinho no vestiário, minutos após o jogador ter marcado o gol da vitória por 3 a 2 sobre o River Plate-ARG, que valeu ao Cruzeiro o título da Libertadores de 1976, primeiro do clube, isso foi no dia 30 de julho de 1976.

                 É tudo verdade, por mais absurdo que este caso possa parecer. No vestiário do Cruzeiro, em Santiago do Chile, depois da comemoração e da volta olímpica no gramado, foi preciso a intervenção de Carmine Furletti, vice-presidente do clube, para que Zezé não partisse pra cima de Joãozinho e lhe desse uns tapas. A ira do treinador é explicada pelo fato do Cruzeiro contar com Nelinho em seu elenco, um dos maiores cobradores de faltas de todos os tempos. Joãozinho nem se importou com isso. Simplesmente foi lá, bateu a falta e fez o gol.

                 A bronca, é claro, se transformou em um grande abraço alguns minutos depois. O lance mais famoso da carreira de Joãozinho é lembrado e contado repetidas vezes até os dias de hoje, em todos os lugares onde vai.

– O goleiro estava muito preocupado com o Nelinho e me deu na cabeça bater a falta. Os argentinos achavam que eram melhores que nós. Valeu porque o Cruzeiro foi campeão da Libertadores e abriu a porta para vários times porque até então só o Santos de Pelé havia sido campeão.

                Esta e outras várias histórias marcantes fizeram do João Travolta, maior ponta-esquerda da história do Cruzeiro, uma verdadeira lenda. Ele era antes de tudo, o ‘bailarino’ tinha um talento incomparável, além do carisma que o tornou um dos grandes ídolos do clube.

O COMEÇO

                A carreira de João Soares de Almeida Filho no futebol começou meio que por acaso. Nascido em Belo Horizonte, Joãozinho desde criança era destaque nas peladas de bairro, com a velocidade e os dribles que o fariam famoso internacionalmente alguns anos depois. O esporte para ele, porém, era apenas uma diversão, tanto que ele nunca havia pensado em fazer teste em um time profissional, até que o destino agiu a seu favor.

               O Senhor João de Almeida, pai de Joãozinho, além de cruzeirense fanático, era motorista de ônibus na empresa de Carmine Furletti, o mesmo dirigente que salvaria Joãozinho de levar uns sopapos de Zezé Moreira, em 1976, depois do jogo com o River Plate. Numa conversa informal após um dia comum de trabalho, o Sr. João pediu ao patrão uma chance para o filho no time de juvenis do Cruzeiro.

              Ser aprovado na peneira não foi problema para o Bailarino. Difícil foi, aos 16 anos, abandonar o cigarro, vício incompatível para um atleta e intolerável por Furletti, como lembra Joãozinho:

– Eu fiquei muito amigo dele, tive este prazer e esta honra. Eu fumava, com 16 anos, e ele me disse: “Joãozinho, não fume, você não pode fumar, você é um atleta”. Aí ele me pegou umas duas vezes com o cigarro na boca e falou assim: “Você não vai entrar aqui mais se eu pegar você fumando”. Eu queria ser um atleta, então parei de fumar depois disso.

             Joãozinho não demorou a chamar a atenção no Cruzeiro. Mesmo sendo destro, jogava na ponta-esquerda. Para muitos, a posição invertida no campo ajudava a confundir os marcadores, acostumados a marcar canhotos.

– É uma coisa bastante curiosa. Muita gente não acredita que eu era ponta-esquerda batendo com a perna direita. Nos treinamentos, eu evoluí bastante a canhota. Não conseguia bater de canhota com a bola parada, mas quando ela chegava era tranquilo.

             A estreia no time profissional foi no dia 3 de maio de 1973, num empate sem gols contra o Uberlândia, pelo Campeonato Mineiro. O primeiro gol veio dez dias depois, na vitória por 3 a 0 sobre o Valério, em Itabira. Segundo os jornais da época, foi um golaço. Joãozinho recebeu a bola perto da linha de fundo, sem ângulo e deu um toque de efeito sobre toda a defesa para marcar.

O maior jogo da história do Mineirão

             Como vice-campeão brasileiro de 1975, o Cruzeiro ganhou o direito de disputar a Taça Libertadores do ano seguinte. Já contando com uma das melhores equipes do país, a Raposa se reforçou com o tricampeão mundial Jairzinho e fez um time inesquecível. A estreia na competição foi contra o fortíssimo Internacional, num jogo memorável, que muitos consideram, até hoje, o mais incrível da história do Mineirão. O Cruzeiro venceu por 5 a 4, com dois gols de Joãozinho, considerado o melhor jogador em campo.

– O jogo contra o Internacional realmente foi o melhor jogo da minha vida. O time deles tinha Manga, Figueroa, Falcão, Lula, Caçapava, era um timaço, tanto que foi três vezes campeão nacional. O nosso time também era muito bom. Nós tínhamos perdido pra eles a final do Brasileiro, lá dentro do Beira-Rio, e logo depois teve o confronto da Libertadores e nós tivemos a sorte de ganhar por 5 a 4. Eu realmente fiz a diferença. 

              Joãozinho sem lembra de detalhes daquela partida e de todas as dificuldades que o Cruzeiro teve que superar para vencer Falcão e companhia.

– O Palhinha foi expulso, nós jogamos boa parte do jogo com 10 homens, e mesmo assim conseguimos ganhar deles, que tinham um time muito poderoso. Fiz dois gols e dei passes para outros dois. Faltando dois minutos para acabar, o Cláudio me calçou dentro da área e foi pênalti, que o Nelinho bateu e marcou. Até hoje muita gente me diz que foi o melhor jogo do Mineirão em todos os tempos.

A conquista da América

              A vitória sobre o Internacional impulsionou o Cruzeiro para uma campanha incrível na Taça Libertadores. O time chegou invicto à final contra o River Plate. Venceu o primeiro jogo, no Mineirão, por 4 a 1 e perdeu o segundo, por 2 a 1, em Buenos Aires. Pelo regulamento de hoje, seria campeão, mas, na época, havia a necessidade de disputar a terceira partida e ela foi marcada para um campo neutro, o Estádio Nacional, em Santiago.

              O Cruzeiro começou bem e abriu 2 a 0, gols de Nelinho e Eduardo. O River diminuiu com Más e empatou num lance polêmico. O time argentino teve uma falta na entrada da área e enquanto os jogadores do Cruzeiro discutiam com o árbitro e montavam a barreira, Sabella cruzou para Crespo, sem marcação alguma, marcar o gol. As reclamações dos brasileiros de nada adiantaram, até que chegou a hora de Joãozinho dar o troco. O que pouca gente sabe até hoje é que o ponta-esquerda jogou aquela partida no sacrifício.

– Eu lembro que cheguei com o joelho doendo na final. Tinha disputado toda a Libertadores e não ia deixar de jogar justo na final. Coloquei uma joelheira e fui. O jogo foi muito difícil. Estava bastante frio e a gente não estava acostumado.

              Uma falta para o Cruzeiro na entrada da área do River Plate, aos 42 minutos, gerou a mesma discussão do lance anterior, favorável aos argentinos. Nelinho, o melhor cobrador de faltas do mundo naquela época, ajeitava a bola, enquanto os jogadores do River falavam com o árbitro e montavam a barreira. O resto quem conta é Joãozinho:

– Ninguém esperava que eu batesse a falta. Todos esperavam o Nelinho, que era o maior cobrador de faltas do mundo. O juiz também não esperava, tanto que nem tinha apitado. Eu vim de direita e tive a felicidade de fazer a bola entrar e a gente ser campeão.

Gol de placa

               Se a partida contra o Internacional foi a maior da carreira de Joãozinho, um gol marcado contra o Fluminense, pelo Campeonato Brasileiro de 1980 foi o mais bonito do João Travolta. Joãozinho arrancou com a bola do meio-campo e só parou de correr após detonar a defesa do Flu e empurrar a bola para as redes do goleiro Paulo Goulart. O lance fica melhor narrado pelo próprio João:

– Nesse jogo contra o Fluminense, a gente estava ganhando por 2 a 1, mas estava levando sufoco. A gente não via a hora do Fluminense empatar o jogo. O Cristóvão, hoje técnico do Bahia, era o melhor jogador do time deles, muito bom. O Ilton Chaves era nosso técnico e ele me disse pra vir para o meio quando nosso time estivesse sendo atacado porque eu tinha uma boa arrancada. Ele pediu pra que lançassem as bolas pra mim e foi exatamente o que aconteceu. A gente tinha um lateral, o Zé Carlos, que lançou pra mim, eu avancei desde o meio-campo, driblei os zagueiros, o goleiro e fiz o gol.

Fratura, seleção e final da carreira

               O Cruzeiro começou a disputa do Campeonato Brasileiro de 1981 com um time apenas regular, mas Joãozinho ainda estava jogando muito, tanto que era cotado para disputar a Copa do Mundo da Espanha, no ano seguinte. No terceiro jogo do Brasileirão, contra o Sampaio Corrêa, no Mineirão, uma dividida com o zagueiro Darci Munique provocou uma fratura exposta na perna direita do craque, que ficou quase um ano sem jogar. Joãozinho não guarda nenhum rancor do lance nem do defensor maranhense e diz que o lance foi normal, apesar do que aconteceu.

– Não, eu não tenho mágoa dele. Na hora que o fato que aconteceu, eu calculei mal, não imaginei que ele poderia dar o carrinho de tão longe. Eu esperei ele chegar, era uma arrancada minha, para tocar a bola e sair mais na frente. Ele era o último homem, eu podia até fazer o gol, mas não lembrei que ele podia dar o carrinho. Foi assim, ele foi na bola, eu que errei, deixei o meu pé também, se ele me pega com o pé no alto não tinha nenhum problema. Mas não tem mágoa, nada disso. 

               A única mágoa de Joãozinho é não ter disputado a Copa do Mundo. Ele já tinha atuado com a camisa da seleção seis vezes, tendo inclusive marcado um gol. Depois da fratura nunca mais foi convocado.

– Foi triste porque eu já tinha feito algumas partidas pela seleção, o Telê já tinha falado comigo que eu era o ponta dele na ocasião, naquele momento. Aquilo me atrasou, me atrapalhou porque eu fiquei fora um ano, um ano e pouco. Eu voltei depois, mas não muito bem. Na época a recuperação do jogador não era tão boa quanto hoje, então eu demorei muito para voltar.

              Joãozinho voltou a jogar no final do ano, mas nunca conseguiu repetir as jogadas que tantas alegrias deram aos cruzeirenses. Teve o passe vendido para o Internacional em 1982, voltou para o Cruzeiro em 1984 e ainda passou por Palmeiras, Atlético-PR e Coritiba, antes de pendurar as chuteiras, em 1987.

             Hoje, o Bailarino vive em Boston, nos Estados Unidos, onde disputa jogos em ligas amadoras e leva uma vida tranquila, num bairro com muitos brasileiros. Vem ao Brasil duas vezes por ano, mas, por enquanto, não tem planos de voltar a morar na terra natal. Joãozinho conta que acompanha com atenção as notícias do Cruzeiro e que assiste a todos os jogos da Raposa transmitidos para a América do Norte. Imortalizado na história do clube, Joãozinho mantém contato com vários jogadores da campanha de 1976 e de outras gerações em um grupo de WhatsApp.     

Em pé: Darci Menezes, Mariano, Moraes, Raul, Piazza e Vanderlei     –    Agachados: Eduardo, Zé Carlos, Ronaldo, Dirceu Lopes e Joãozinho
Em pé: Zézinho Figueiroa, Nelinho, Bianque, Eugênio, Mariano e Luiz Antônio    –    Agachados: Eduardo, Mauro, Roberto César, Alexandre e Joãozinho
Em pé: Lauro, Moraes, Toninho Almeida, Raul, Darci Menezes e Ananias     –    Agachados: Guido, Eduardo, Zé Carlos, Palhinha, Roberto Batata e Joãozinho
Em pé: Nelinho, Piazza, Darci Menezes, Raul, Perfumo e Vanderlei    –    Agachados: Eduardo, Zé Carlos, Palhinha, Dirceu Lopes e Joãozinho
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