A EXCURSÃO DA MORTE

                            O nosso futebol tem inúmeras histórias, algumas engraçadas, outras tristes, mas todas elas nos prende a atenção ao conhece-las. Com certeza esta é mais uma das histórias que o amigo leitor irá se emocionar e chegará a conclusão que os jovens craques de hoje vivem na mordomia e não se dão conta disso. Sendo assim, vamos a esta história fantástica e verídica.

                            É a historia de uma excursão que o time do Santa Cruz de Recife, fez aos confins da Amazônia em 1943. A épica excursão do Santa já se iniciou com um detalhe impressionante, ou seja, a viagem teve que começar na escuridão da noite, já que a Segunda Guerra Mundial pegava fogo e submarinos nazistas rondavam a costa brasileira afundando navios. A embarcação que levava a equipe tinha que navegar às escuras e com escolta da Marinha de Guerra.

                           Depois de alguns jogos em Belém, com vitória sobre a Tuna Luso, empate com o Paysandu e derrota para o Remo, o elenco prosseguiu viagem em direção a Manaus de carona em um navio-gaiola que subia o Rio Amazonas rebocando um barco de madeira que levava alimentos ao Acre. O trajeto até Manaus durou simplesmente quinze dias, com direito a três dias em que a embarcação não pode seguir por um motivo muito simples: um grupo de índios armados de arco, flecha e tacapes, sequestrou o grupo para pegar os alimentos.

                          Resolvido o entrevero com os índios, a equipe finalmente chegou à capital do Amazonas. Depois de uma derrota para o Olímpico 3×2 e uma vitória sobre o Nacional 6×1, o chefe da delegação, Aristófanes de Andrade, e seis jogadores foram atacados por uma infecção intestinal acompanhada de um piriri digno da pororoca. Ainda assim, e com a presença de alguns heróis que literalmente se borravam em campo, o Santa se despediu de Manaus metendo 3 a 1 no Rio Negro.

                          Durante a descida do Rio Amazonas, o goleiro King (não confundir com o outro goleiro King que jogou no São Paulo neste mesmo ano) e o centroavante Papeira pioraram da disenteria e receberam o diagnóstico: febre tifóide. De volta a Belém, e mesmo com a doença passando o rodo no grupo, o time derrotou o Remo 4×2. O goleiro King morreu quarenta e oito horas depois do jogo e foi enterrado por lá mesmo. Três dias depois da morte de King,  foi Papeira que também acabou falecendo.

                          Sem ter como voltar a Pernambuco, a delegação ainda ficou vinte e tantos dias perdida no Pará. O saldo era brabo: dois defuntos e outros tantos com a febre tifoide. Quando finalmente conseguiram transporte em uma embarcação para o Recife, com parada de quatro dias em São Luís, os jogadores tiveram que se contentar, sem um tostão furado, em embarcar na terceira classe, ao lado de trinta e cinco perigosos homicidas que a polícia paraense resolvera deportar para o Maranhão. Durante os quatro dias de parada no Maranhão, para conseguir levantar algum dinheiro, o time realizou três amistosos. Com metade dos jogadores se recuperando do tifo e o goleiro titular e o centroavante mortos, até o cozinheiro e o massagista tiveram que entrar em campo para compor o elenco.

                          Pensam que acabou? Claro que não. Perto do Ceará o comandante do navio recebeu a notícia de que havia submarinos alemães na área. E para piorar a situação, caiu um forte temporal e se ouvia apenas os silvos dos outros navios do comboio e com isto o comandante do navio resolveu voltar a São Luiz. O navio retornou ao Maranhão e os jogadores resolveram voltar a Pernambuco por terra. Pegaram carona em um trem de carga até Teresina onde o time jogou mais amistosos em troca de comida e um jogador foi esfaqueado após uma confusão na zona do meretrício local e de lá conseguiram embarcar em um ônibus até Fortaleza. Do Ceará, finalmente, deram um jeito de voltar a Pernambuco.

                          O furdunço todo durou exatos três meses, com vinte e oito partidas disputadas e a constatação de que, entre mortos e feridos, não se salvaram todos. Que me desculpem Gengis Khan, Napoleão, Cristóvão Colombo e outros mais. Perto da epopeia do Santa Cruz na Amazônia, seus grandes feitos guardam a mesma dramaticidade de um piquenique na Ilha de Paquetá, com direito a passeio de pedalinho nas águas da Guanabara. Talvez por isso o torcedor do Santa Cruz é um dos mais apaixonados pelo seu clube, ao lembrar de tudo que aconteceu em 1943, onde seus jogadores foram verdadeiros heróis e esta garra certamente passou para seus torcedores.

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