DA GLÓRIA PARA O HOSPÍCIO

                                 Esta é a história de um jogador extraordinário, que viveu a glória dentro do futebol, onde se tornou ídolo do Botafogo carioca . Mas além de craque, era também muito polêmico, dentro e fora de campo. Estamos falando de Heleno de Freitas, que nasceu no dia 12 de dezembro de 1920 em São João Nepomuceno, Minas Gerais. Foi levado por Neném Prancha a General Severiano com 15 anos. No ano seguinte, com o fim do departamento de menores do Botafogo, foi treinar no Fluminense, mas desentendimentos com treinadores o impediram de continuar nas Laranjeiras.

Em 1939, convencido pelo ex-companheiro João Saldanha, retornou ao alvinegro. Não tardou a se tornar o centro das atenções, ainda mais depois de comprar um Chrysler último tipo. Mesmo se o treino fosse às 7h, chegava com cabelos penteados e ternos impecáveis. Tudo isso numa época em que a maioria dos jogadores vivia na penúria e o futebol engatinhava no profissionalismo.
                                  Logo na estreia do Carioca de 1940, marcou os gols da vitória por 2 a 0 sobre o São Cristóvão. Na temporada seguinte fez 30 gols em 37 jogos e no Carioca de 1942 foi artilheiro com 28. No auge da forma, em 1944, ao chegar à Seleção na vaga deixada por Leônidas, recebeu o apelido de Diamante Branco. Era um artista jogando: driblava com esmero, corria em gestos perfeitos. Enriquecia o futebol com melodias corporais de raro efeito. Poucos craques na história do futebol conseguiram ou conseguirão jogar tão bem de cabeça quanto ele.

                            Por sete anos, Heleno foi a estrela do Botafogo, em carreira marcada por excessos.
Heleno foi vendido ao Boca Juniors no início de 1948, até então na maior transação do futebol sul-americano: 600 mil cruzeiros. Desembarcou em Buenos Aires como esperança de um time em crise. Mas se no Brasil os deslizes eram perdoados, os argentinos reagiram duramente. Em pouco tempo o craque já estava brigado com o grupo.

                            Com isto voltou ao Brasil e foi jogar no Vasco da Gama. Expulso logo na estreia, não deixou saudades no Cruz de Malta. Indignado com a reserva, invadiu um treino armado para tirar satisfação com Flávio Costa, técnico também da Seleção. Pagou caro: ficou fora da Copa de 1950. Então foi jogar no Atlético de Barranquilla, na Colômbia. Por lá ele torrou tudo o que recebeu, voltou ao Rio decadente, com os nervos minados, e acertou com o América-RJ. Em 4 de novembro de 1951, atuou pela única vez no Maracanã. Ao receber passe errado, irritou-se e não se esforçou para alcançar a bola, ficou parado no meio-campo, olhando para a arquibancada, completamente fora de si.

                           Nessa mesma época, a Sífilis, doença que mais tarde liquidaria não somente o jogador de futebol, como o cidadão Heleno, começava a minar seu sistema nervoso. Passava então a ser visto, pela torcida brasileira, como um jogador indisciplinado e mal comportado. O que nunca alguém chegou a compreender, a não ser muito mais tarde, em seus últimos dias de vida, que seu caso não era normal. Em frente ao espelho, o cabelo liso e preto era cuidadosamente penteado da esquerda para a direita e fixado com gomalina. O terno de casimira inglesa, bem alinhado no corpo. Relógio Cartier no pulso, perfume francês e uma última olhada no espelho antes de pegar a chave do Cadillac.

                           Com apenas 39 anos foi do céu ao inferno, da glória ao hospício em Barbacena, onde se tornara-se agressivo, xingava as pessoas à toa. Um dos enfermeiros contaria que, num acesso de demência, chegou a botar quatro cigarros acesos na boca e dois nas narinas. Passou a rasgar as próprias roupas e volta e meia andava nu pela casa. No fim de 1957 sua saúde e a sanidade pioravam rapidamente. Ele havia perdido muito peso, os dentes estavam enfraquecidos e o cabelo caía.  Passou a ouvir vozes, agir de forma violenta e infantil, comer papel e rasgar roupas com os dentes. Pele enrugada, cabelos ralos e brancos, aos 39 anos, o homem de 1,80m pesava pouco mais de 40kg.

                            Em seus últimos dias, Heleno esteve mudo. Tudo era melancolia, silêncio e tristeza. Agonizava. Suas unhas tornavam-se roxas, em sinal preventivo de que a morte se aproximava. Até que na manhã de 8 de novembro de 1959, um domingo como tantos em que Heleno encantou plateias, ao abrir a porta do quarto com o café da manhã, um enfermeiro encontrou Heleno morto. A ida do corpo para São João Nepomuceno foi tão conturbada quando a vida do mito. Caía um verdadeiro dilúvio. Às 15h, perto de Juiz de Fora, o caixão teve de ser trocado de carro, que meia hora depois atolou. Só chegou à cidade às 9h da manhã seguinte. O comércio fechou e uma fila seguiu o caixão da casa da família até o cemitério São João Batista, onde Heleno foi enterrado às 15h. Essa é a história de Heleno de Freitas, um dos maiores centroavantes do futebol brasileiro. Pelo Botafogo fez 235 jogos e marcou 206 gols e pela Seleção Brasileira fez 18 jogos e marcou 14 gols.

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