PAULISTÃO de 1971

                No início da década de 1970, não seria nenhum exagero afirmar que os maiores jogadores do mundo se encontravam no estado de São Paulo. Só para citar exemplos pontuais, tínhamos Pelé (Santos), Rivelino (Corinthians), Gérson (São Paulo) e Ademir da Guia (Palmeiras).  Não só o futebol paulista, mas o brasileiro em geral, estava vivendo sua época de ouro. Grandes craques internacionais como os zagueiros Ancheta, uruguaio, e Figueroa, chileno, dois dos melhores em suas posições, optaram por vir jogar no Brasil, respectivamente no Grêmio e Internacional, tamanho alto nível do nosso futebol. Se aproveitando desta época gloriosa, onde em nossos gramados se jogava o melhor futebol do mundo, o São Paulo foi em busca de uma contratação que abalaria o futebol brasileiro.

               O São Paulo foi buscar o uruguaio Pedro Rocha para fortalecer a equipe na busca pelo Bi-Campeonato Paulista, em 1971. Reza a lenda, que Pedro Rocha demorou a se adaptar ao futebol brasileiro por ser boicotado pelos seus companheiros de time. O São Paulo contava com muitos cobras, o que poderia ter gerado um certo ciúme do uruguaio, e um outro ponto de insatisfação teria sido a mudança na organização da equipe, já que Pedro Rocha jogava na mesma posição de Gérson. O “Canhotinha de Ouro” já era um jogador consagrado no Brasil e, logo após sua chegada ao São Paulo, ele ajudou a equipe a sair de um jejum de 13 anos sem o título paulista, com o título estadual de 1970, se tornando um grande ídolo tricolor.

               Um outro fator que também desestabilizou a cabeça dos atletas são-paulinos, foi um problema cardíaco que atingiu o líder da equipe Roberto Dias. Maior jogador tricolor na sofrida década de 60, onde todos os esforços da diretoria eram investidos na construção do estádio do Morumbi, o zagueiro Roberto Dias era um verdadeiro símbolo do São Paulo, que agora não poderia mais estar nos campos. Porém, com o tempo e a competência do lendário treinador Osvaldo Brandão, para a felicidade dos torcedores tricolores, Pedro Rocha conseguiu se encaixar com seus companheiros e com o sistema da equipe. A primeira mostra da genialidade do uruguaio veio na 4ª rodada do Paulistão de 1971. O São Paulo iria enfrentar o Palmeiras, que havia vencido os seus três primeiros jogos da competição, mas caiu diante do Tricolor por 2 a 1.

               Esta vitória se tornou ainda mais importante com o desenrolar do torneio, que a cada rodada que passava mostrava que a briga pelo título seria mesmo entre Palmeiras e São Paulo. Impressionante que estes dois times tenham mantido um rendimento tão alto, retirando o Santos de Pelé e o Corinthians de Rivelino da disputa pelo caneco. Assim como o São Paulo, o Palmeiras era uma equipe sensacional. Do goleiro ao ponta-esquerda, o Verdão possuía uma penca de craques: o grande e seguro goleiro Leão, o técnico e raçudo zagueiro Luís Pereira, o guerreiro e clássico Dudu e o rápido e mortal Leivinha. Todas as estrelas girando ao redor do sol alviverde, chamado Ademir da Guia.

              Como havia citado anteriormente, com o caminhar do 1º turno, a briga pelo título foi se polarizando entre São Paulo e Palmeiras. A última rodada deste 1º turno foi simplesmente espetacular. Palmeiras e São Paulo encontravam-se empatados na tabela de classificação. Os jogos seriam Palmeiras x Corinthians e Guarani x São Paulo. Enquanto o Palmeiras abria 2 a 0 no Timão, com 8 minutos de jogo, o Canhotinha Gérson era expulso no jogo em Campinas. O torcedor tricolor não teve como não se desesperar. Porém, o incrível aconteceu. Em uma das maiores viradas do futebol brasileiro, o Corinthians bateu o Palmeiras por 4 a 3 e o Tricolor venceu heroicamente o Bugre por 1 a 0. Mantendo o ritmo do 1º turno, São Paulo e Palmeiras não deram chances aos seus rivais e chegaram a última rodada do torneio com apenas 1 ponto os separando.

              Este ponto a mais pertencia ao São Paulo que teria a vantagem de empatar a partida derradeira contra o Palmeiras. Isso mesmo. O título de Campeão Paulista de 1971 seria decidido em um único jogo. Leão, Luís Pereira, Dudu, Gérson, Pedro Rocha, Ademir da Guia, Leivinha, Toninho Guerreiro e outros craques. Em nenhum lugar do mundo se jogava um futebol como o que iria se jogar no Morumbi naquela tarde que entrou para a história do futebol paulista. O campeonato era no sistema de pontos corridos, turno e returno. E chegou na última rodada com o Tricolor um ponto à frente do Palmeiras. E justamente na última rodada aconteceu o clássico.

               Não é necessário falar que a cidade de São Paulo parou no dia 27 de junho de 1971. O público presente no Morumbi ultrapassava 110 mil torcedores e, tenho certeza, nenhum deles saiu do estádio com as unhas inteiras. O jogo foi de uma intensidade comum as grandes decisões e tudo podia se esperar desde o primeiro ao último minuto. O técnico Mário Travaglini do Palmeiras, escalou a seguinte equipe; Leão, Eurico, Luís Pereira, Minuca e Dé; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, César e Pio (Fedato). Do outro lado, o técnico Osvaldo Brandão mandou a campo os seguintes jogadores; Sérgio, Forlan, Jurandir, Arlindo e Gilberto Sorriso; Édson, Gérson e Pedro Rocha (Carlos Alberto); Terto, Toninho Guerreiro e Paraná. O árbitro da partida foi Armando Marques e um dos bandeirinhas foi Dulcidio Vanderlei Boschila. O público pagante foi de 103.307 e menores, 11.541, o que fez com que a arrecadação fosse de Cr$ 913.196,00.

PRIMEIRO TEMPO

               Morumbi super lotado, torcidas dividas ao meio e logo no início da partida, 5 minutos após o apito do árbitro Armando Marques, o zagueiro alviverde Minuca escorou mal um cruzamento do ponta tricolor Paraná e a bola sobrou nos pés de Toninho Guerreiro. Não tinha outra alternativa para a pelota a não ser parar no fundo da rede. São Paulo 1×0 Palmeiras. Delírio da torcida tricolor nas arquibancadas do Morumbi. Após o gol sofrido, o Palmeiras acusou o golpe. Mesmo precisando somente do empate para levantar a taça, o São Paulo, percebendo que o Verdão estava abalado, partiu para cima e levou muito perigo à meta defendida por Leão. Os meias tricolores, e até Toninho Guerreiro, exploravam a velocidade dos pontas Paraná ,“um trator pela ponta-esquerda”, e Terto que “era um foguete”. Até o fim da 1ª etapa, o jogo permaneceu desta maneira. O São Paulo pressionando e o Palmeiras pouco conseguindo produzir.

SEGUNDO TEMPO

               Talvez por relaxamento, talvez por cansaço, o São Paulo decidiu recuar e, claro, o Palmeiras foi pra cima. Aos 22 minutos, o lance que entraria para a história. Em um dos lances em que a equipe alviverde abafava o São Paulo, a bola sobra na direita para o lateral Eurico que cruza na cabeça de Leivinha. Exímio cabeceador, Leivinha escora a bola para o fundo das redes. Os jogadores do Palmeiras correm para abraçar Leivinha, o bandeirinha Dulcidio Vanderlei Boschila corre para o centro do campo, dizendo que o gol foi legal, no entanto, o árbitro Armando Marques anulou o gol por acreditar ter sido marcado com a mão.

               Era o gol da esperança palmeirense. Com mais de 20 minutos de jogo pela frente, seria difícil o Tricolor segurar o forte ataque alviverde. Até hoje, os jogadores do Verdão que estavam em campo reclamam deste lance. Os torcedores então, afirmam que se o gol tivesse sido validado, a taça seria do Palmeiras. O fato é que após o gol anulado, o Verdão perdeu o controle do jogo e dos nervos, como ilustram as expulsões de Eurico e Fedato, e não teve força para buscar a virada. O apito final colocou na história um dos maiores times que o São Paulo já possuiu, consagrando um trio de meias, Édson, Gérson e Pedro Rocha, quem viu nunca vai esquecer. Quem também entrou para a história com esta conquista, foi Toninho Guerreiro. Após o Tri Paulista de 67/68/69, com o Santos, Toninho agora era bi com o São Paulo, conseguindo a façanha de vencer 5 Campeonatos Paulistas seguidos.

O GOL ANULADO

               Ao se ver as imagens hoje, percebe-se que o atacante usa a cabeça, mas o fato de ter esticado os dois braços no lance é o que deve ter provocado a dúvida no juiz. Irritados, os palmeirenses chegaram ao limite quando, já no fim do jogo, um sujeito que estava na pista de atletismo segurou a bola, retardando o jogo. Pra quê? Os jogadores do Palmeiras começaram a correr atrás dele. Foi uma cena engraçada, o sujeito correndo, e três ou quatro de camisa verde correndo atrás. Ninguém o pegou e, ainda por cima, Eurico e Fedato foram expulsos. Foi, enfim, um jogo fantástico, emocionante, eletrizante, que deu ao São Paulo o terceiro bicampeonato de sua história, uma vez que já havia conquistado em 1945/46 e também em 1948/49.

               Para quem pensa que este gol de cabeça marcado por Leivinha na decisão do Campeonato Paulista de 1971 foi o único erro que o árbitro Armando Marques cometeu em seus 16 anos como árbitro de futebol, está muito enganado, pois foram inúmeros os erros durante sua longa carreira. Quem não se lembra da lambança que ele fez na decisão do Paulistão de 1973, quando cometeu um erro de aritmética na contagem das cobranças das penalidades que estavam sendo cobradas para se saber quem seria o campeão paulista daquele ano, e que no final, Santos e Portuguesa tiveram que dividir o título. Outro erro grave ele cometeu na final do brasileirão de 1974, anulando um gol legítimo do jogador Zé Carlos, do Cruzeiro, e com isto o título ficou com o Vasco da Gama. Em 1966 num jogo entre Corinthians e São Paulo, Rivelino chutou e a bola entrou pelo lado de fora da rede, mas Armando Marques validou o gol. Não se importava com o indecoroso coro da torcida “Bicha… bicha”. Era vaidoso e impecável na maioria das atuações, como impecável também era sua aparência em campo. O uniforme era sempre bem passado e os cabelos cuidadosamente penteados. Este era Armando Marques, um arbitro que acabou estragando a grande final do Campeonato Paulista de 1971, mas não a beleza de espetáculo que as duas equipes proporcionaram ao torcedor que compareceu ao Morumbi naquele dia.

SÃO PAULO F.C. CAMPEÃO PAULISTA DE 1971      –      Em pé: Jurandir, Sérgio, Gilberto, Arlindo, Edson e Forlan     –     Agachados: Terto, Pedro Rocha, Toninho Guerreiro, Gerson e Paraná

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