CORINTHIANS 1×0 SÃO PAULO – Dia 16 de Dezembro de 1990

                      O torcedor corintiano tinha pouquíssimas boas lembranças do Campeonato Brasileiro até 1990. Houve momentos marcantes, claro, como a invasão ao Maracanã em 1976 e a vitória nos pênaltis sobre a Máquina Tricolor do Fluminense na semifinal, mas aí vinha a lembrança da derrota na decisão para o Internacional de Falcão. Nos anos 80, veio a Democracia Corintiana e grandes exibições de Sócrates e companhia, mas também novas derrotas em momentos decisivos e nada de títulos. Multi campeão em São Paulo, o Corinthians não tinha um só título de âmbito nacional. Isso doía demais no coração do torcedor, ainda mais pelo fato de os rivais já terem não só uma, mas várias taças nacionais.

                     No entanto, naquele ano de 1990, o sofrimento acabou. E de maneira inesquecível. Com uma equipe aguerrida, raçuda, vibrante e com a cara, aura e identidade típicas da história do clube, o Corinthians faturou seu primeiro título brasileiro em cima do favorito São Paulo de Telê Santana em dois jogos marcantes e que até hoje vivem na memória da Fiel. Olhando os jogadores, um a um, não era possível identificar uma equipe técnica e plástica como outros times que o Corinthians teve ou que teria nos anos posteriores.

                     Mas aquele esquadrão de Ronaldo, Marcelo Djian, Márcio, Wilson Mano, Neto e Tupãzinho tinha o mais puro coração alvinegro no bico da chuteira, amor pela vitória e a ânsia em acabar com aquele jejum agonizante. O Corinthians conquistou uma enxurrada de títulos depois de 1990, mas nenhum time foi como aquele. É hora de relembrar.

                    Depois de anos marcantes com a equipe liderada por Sócrates que ficou conhecida como a Democracia Corintiana, o Corinthians se enfraqueceu depois de 1985 e começou a investir nas categorias de base para tentar frear o sucesso do rival São Paulo, que conquistaria em 1986 o título do Campeonato Brasileiro. Em 1988, o clube conseguiu montar um time de jovens promissores que ajudaram o Corinthians a conquistar o campeonato paulista daquele ano. O goleiro Ronaldo e o zagueiro Marcelo Djian eram alguns dos garotos que começavam a demonstrar muita personalidade e segurança com a camisa alvinegra, além dos meio-campistas Wilson Mano e Márcio e o atacante Viola.

                    Naquela decisão estadual, o Corinthians quase perdeu o caneco por culpa de um jogador que não tinha pinta nenhuma de atleta, mas que decidia jogos com muito talento e capacidade exuberante de marcar golaços em cobranças de falta e de bicicleta: Neto, autor do gol do Guarani no empate em 1 a 1 na primeira partida da final (de bicicleta…). Na volta, Viola fez o dele e deu a taça para o Timão.

                   Em 1989, o Corinthians decidiu buscar no rival Palmeiras aquele mesmo Neto que brilhara em 1988 com a camisa do Guarani e contratou o meia, que seria um divisor de águas no Parque São Jorge. Já sem Viola (emprestado ao pequeno São José-SP e depois ao Olímpia – SP), o time conseguiu repor a peça de ataque com a chegada de Tupãzinho e trouxe do Novorizontino (vice-campeão paulista de 1990) o técnico Nelsinho Baptista, que teria como desafio dar à equipe um padrão de jogo consistente e que pudesse ter sucesso no Brasileirão que estava para começar.

                  Nelsinho Baptista formou uma equipe de jogadores aguerridos e que tinha na força de vontade e na raça os pontos fortes para encarar qualquer adversário. No sistema defensivo, Ronaldo garantia a segurança no gol com muita elasticidade, defesas maravilhosas e muita personalidade, gritando, cobrando e posicionando seus zagueiros, o eficiente Marcelo Djian e o esforçado Guinei. Nas laterais, Giba e Jacenir sabiam apoiar o ataque, mas tinham na marcação seus pontos fortes.

                 Do meio para frente, Márcio e Wilson Mano eram carrapatos que tocavam bem e davam a proteção para o craque do time, Neto, resolver a parada do jeito que fosse: de falta, de longe, de bicicleta, com dribles e até de cabeça. Quando ele não resolvia, o pequenino Tupãzinho aparecia para guardar, além dos pontas Fabinho e Mauro. O atacante Paulo Sérgio era outro que podia agregar ao ataque presença de área e grande visão de jogo. Pronto. Com o time formado, era hora de tentar um bom papel no Campeonato Brasileiro, que tinha o São Paulo de Telê e Raí como franco favorito.

               No Brasileiro de 1990, 20 clubes disputariam o título em um formato de disputa até que mais simples pelos “padrões” da época: turno único e um mata-mata com jogos de ida e volta na fase decisiva. O Corinthians não era nem de longe favorito. Equipes como São Paulo, Grêmio, Bahia e Atlético-MG eram muito mais cotadas que os alvinegros. A condição de figurante foi ainda mais rechaçada no começo do torneio, quando o Corinthians perdeu para Grêmio (3 a 0, fora), Cruzeiro (1 a 0, em casa) e empatou sem gols com o Vitória (fora) nas três primeiras partidas. A equipe só se reencontrou no clássico contra o Palmeiras, quando Neto e Wilson Mano marcaram os gols da vitória por 2 a 1.

               Na quinta rodada, vitórias por 2 a 1 sobre o São José fora de casa (gols de Neto e Tupãzinho) e 1 a 0 sobre o Fluminense, empate em 1 a 1 contra o São Paulo (gol de Neto) e vitórias sobre a Inter de Limeira (1 a 0, gol de Paulo Sérgio), Flamengo (2 a 1, gols de Paulo Sérgio e Tupãzinho) e Náutico (1 a 0, gol de Neto). Ao término do primeiro turno, o Timão conseguiu ficar na segunda colocação do grupo A, atrás apenas do Atlético.

              No segundo turno, a equipe começou mal ao empatar três jogos seguidos contra Bragantino (2 a 2), Bahia (0 a 0) e Portuguesa (0 a 0), além de perder para o Botafogo (1 a 0) e empatar novamente contra o Vasco (0 a 0). Só na sexta rodada o time reencontrou o caminho das vitórias em outro clássico, contra o Santos, quando Dinei fez o gol da vitória por 1 a 0. Na rodada seguinte, derrota para o Goiás por 3 a 1, vitória maiúscula sobre o Atlético em Minas por 3 a 1 (gols de Mauro, Neto e Giba) e derrota para o Internacional por 3 a 0.

             Com oito vitórias, seis empates e cinco derrotas em 19 jogos, a equipe conseguiu a classificação para as quartas de final graças ao desempenho no primeiro turno. O time alvinegro ficou na quarta posição geral, atrás apenas de Grêmio, Atlético e São Paulo. A equipe de Nelsinho Baptista era duramente criticada por não jogar bonito nem ter o futebol vistoso dos rivais, o que deixava os jogadores irritados e loucos para provar o quanto os críticos estavam errados. E nada melhor que um bom desempenho na reta final para enterrar de vez os bajuladores.

             Nas quartas de final, o Corinthians teve pela frente o Atlético-MG dos já veteranos Carlos e Éder. No primeiro jogo, o Pacaembu estava lotado para empurrar o Timão em busca de uma vitória para dar mais tranquilidade para a volta, em Minas. O Galo começou melhor e aproveitou uma bobeada da zaga para abrir o placar com Gérson, de cabeça, aos 15´. O gol não desanimou o Corinthians, que teve em Neto a estrela para a virada. O camisa 10 comandou as ações de ataque, driblou, chutou de tudo quanto era jeito e chamou a responsabilidade num jogo tão importante. Depois de tanto arriscar, eis que Neto empatou o jogo de um jeito pouco comum: de cabeça, após um cruzamento preciso de Paulo Sérgio: 1 a 1.

             Foi o bastante para a Fiel se encher de alegria e dar ainda mais combustível para o time ir pra cima. Apenas dez minutos depois, Paulo Sérgio fez outra boa jogada, dessa vez pelo lado esquerdo, e cruzou para Tupãzinho. O atacante não conseguiu dominar, mas a bola sobrou para Neto encher o pé e virar: 2 a 1. Festa no Pacaembu! A vitória por 2 a 1 dava ao Timão a vantagem do empate para seguir rumo às semifinais. E foi isso que aconteceu. Em BH, Nelsinho Baptista armou um time ultra defensivo e manteve o 0 a 0, placar que colocou o alvinegro entre os quatro melhores do torneio.

            Na semifinal, o Corinthians encarou o Bahia de Charles e Gil Sergipano. Os tricolores não tinham mais a força de 1988, quando faturaram o Brasileiro, mas ainda contavam com muita velocidade e força ofensiva, qualidades que foram apresentadas ao Corinthians logo aos dois minutos de jogo no Pacaembu, palco do primeiro jogo, quando Wagner Basílio abriu o placar. De novo, o Corinthians saía atrás jogando em casa. Mas quem disse que a torcida ligava? O alvinegro seguiu firme e conseguiu o empate no começo do segundo tempo num gol contra de Paulo Rodrigues.

            Seis minutos depois, falta para o Corinthians. Neto foi para a bola e marcou mais um de seus golaços precisos em bola parada: 2 a 1. Na volta, a estratégia do jogo contra o Atlético foi repetida e o Corinthians segurou o 0 a 0 na Fonte Nova, resultado que colocou a equipe paulista na final do Campeonato Brasileiro depois de 14 anos. Mas o adversário na decisão não seria nada fácil: o São Paulo de Telê Santana, Zetti, Cafu e Raí.

            Mesmo sendo um confronto todo tradicional, Corinthians e São Paulo faziam a final do Brasileiro de 1990 com apenas um favorito: o tricolor, uma equipe fortíssima que seria a base do time bicampeão mundial e da Copa Libertadores nos anos de 1992 e 1993. Comandados por Telê Santana, os são-paulinos tinha força defensiva (Zetti, Cafu, Leonardo e Antônio Carlos), talento no meio de campo (Bernardo, Elivélton e Raí) e velocidade no ataque (Mário Tilico e Eliel).

            Já o Corinthians depositava suas fichas no entrosamento, na garra e em Neto, o craque responsável por colocar o Timão na final. No primeiro jogo, debaixo de muita chuva, o Corinthians jogou com garra e determinação e não deu bola para a suposta vantagem do rival. Logo no começo do jogo, Neto cobrou uma falta para a área e Wilson Mano marcou o primeiro e único gol do jogo: 1 a 0. O Corinthians conseguia mais uma vitória importante pelo placar mínimo e crucial para o título. Um empate no duelo seguinte dava à equipe o primeiro caneco brasileiro.

            O jogo final do Brasileiro de 1990 foi presenciado por mais de 100 mil pessoas no Morumbi, sendo 80% delas corintianas. A expectativa por um título inédito era enorme do lado alvinegro. Já os tricolores não queriam de jeito nenhum “celebrar” um bi-vice-campeonato do torneio, afinal, em 1989 a equipe já havia perdido a taça para o Vasco. O jogo começou com muita pressão do São Paulo, mas Ronaldo e sua zaga estavam inspirados e garantiam o placar zerado ao Corinthians. Foi então que aos nove minutos do segundo tempo, Tupãzinho fez uma jogada mágica que seria decisiva para a conquista. O baixinho arrancou do meio de campo, tocou na direita para Fabinho, que devolveu para Tupãzinho.

            O atacante deixou o defensor do São Paulo tonto com um drible sensacional e tocou para Fabinho, que chutou. A bola foi prensada e não entrou, mas Tupãzinho, de carrinho, conseguiu pôr a redonda dentro do gol, na raça, do jeito que o corintiano gosta: 1 a 0. O Morumbi era puro delírio! Se a partida já era difícil para o São Paulo, com aquele 1 a 0 ficava praticamente impossível. No embalo da massa, o Corinthians só administrou a vantagem no decorrer do segundo tempo e esperou o apito final do árbitro Edmundo Lima Filho para soltar o grito de campeão brasileiro!

            Enfim, acabava naquela tarde de 16 de dezembro de 1990 o estigma regional do Corinthians. O clube alvinegro era campeão nacional pela primeira vez e garantia seu lugar no olimpo do futebol brasileiro. Era a consagração de um time sem estrelas, mas que esbanjava vontade e raça para vencer, além de contar com um inspiradíssimo Neto, nome maior daquele elenco e principal responsável pela conquista.

            A conquista do Timão no Brasileiro de 1990 abriu as portas para várias outras taças ao clube nos anos posteriores. O Corinthians montou equipes muito mais técnicas, fortes e que enchiam os olhos do torcedor – que até estranhava ver seu time jogar tão bem e tão dominador como os esquadrões de 1998, 1999, 2000, 2005, 2009, 2011, 2012, 2015 e 2017.

            Porém, nenhum time do Corinthians foi tão “cara de Corinthians” como o esquadrão de 1990. Jamais houve um Timão como aquele, capaz de vencer jogos nos minutos finais com gols chorados, derrubar favoritos jogando com raça e fibra, quebrando prognósticos na base do talento de um craque vestindo a camisa 10 e de quebrar um jejum terrível que perdurava por décadas. O Corinthians de 1990 é um xodó eterno da Fiel. Um esquadrão imortal.

Time base do Corinthians no ano de 1990: Ronaldo; Giba, Marcelo Djian, Guinei e Jacenir; Márcio, Wilson Mano, Neto (Ezequiel) e Tupãzinho; Fabinho e Mauro (Paulo Sérgio). Técnico: Nelsinho Baptista.

Corinthians de 1990   –  Em pé: Giba, Jacenir, Marcelo, Guinei, Márcio e Ronaldo    –   Agachados: Fabinho, Wilson Mano, Tupãzinho, Neto e Mauro

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