MARINHO CHAGAS: brilhou no Botafogo / RJ nos anos 70

                 Francisco das Chagas Marinho, nasceu dia 8 de fevereiro de 1952 na cidade de Natal – RN. Foi um dos melhores laterais-esquerdos da história do futebol brasileiro. Sua vida daria um roteiro inacreditável. Caçula de nove irmãos. Família pobre, miserável. Jogava futebol com bola de pano. Mas a bola mudou o seu futuro, sua vida. Jogador com muita habilidade, Marinho Chagas começou a carreira na modesta equipe do Riachuelo, do Rio Grande Norte, em 1969.

COMO TUDO COMEÇOU

                Jogava como centroavante. Foi descoberto por um sargento da Marinha jogando bola na praia. Quando a maré estava alta, os meninos nadavam. Quando baixava jogavam futebol. Todos descalços, com uma bola de pano. O sargento gostou do seu jogo e o levou para o Riachuelo, uma equipe da Marinha. Chegando lá, todos queriam ser centroavante. E Marinho também. Queria fazer gols. Mas percebeu que seria reserva do reserva. Como não tinha lateral esquerdo, se ofereceu para jogar por lá. Deu certo. Só que ele nunca perdeu essa cabeça de atacante. Buscava sempre o ataque. Todo time de futebol na época só tinha um volante e eles ficavam desesperados pela sua maneira de jogar. Era muito diferente. No ano seguinte, em 1970, ele teve seu passe comprado pelo ABC e em 1971 já estava jogando no Náutico.

                Mas antes disso houve uma história engraçada. Tinha ido para o ABC e jogamos contra o Palmeiras. Fui bem demais. O time deles era a Academia com Leão, Eurico, Ademir da Guia, Leivinha, Luís Pereira. O então treinador Oswaldo Brandão foi falar com a minha família. O meu pai ficou irritado e disse: “Meu filho não vai passar fome em São Paulo, não.” E não me deixou ir. Acabei depois indo para o Náutico, jogar em Pernambuco, que era mais perto. Estava muito bem, até que houve essa partida contra o Santos. O Pelé veio com tudo em cima de mim e, não tive dúvida, lhe dei um chapéu. Fui aplaudido de pé. O homem ficou uma fera. Passou o jogo todo falando no meu ouvido: “Me respeita, moleque. Me respeita.” Ainda dei uns bons dribles nele. O Palmeiras veio de novo tentando me contratar, o Santos, mas o presidente da Federação Pernambucana mandava no Náutico. E era botafoguense fanático. Me mandou para o Botafogo e acabou.

BOTAFOGO

                 A partir de 1972 a carreira do lateral-esquerdo decolou de verdade. Com a camisa do Botafogo, Marinho Chagas se transformou em um dos melhores jogadores da posição na época e acabou tendo a chance de disputar a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. No Rio, foi ídolo do Botafogo onde jogou por quatro anos entre 1972 e 1976 e foi considerado o sucessor de Nilton Santos, um dos maiores nomes da história do clube alvinegro. Mas não conquistou títulos pelo clube carioca. Ele se orgulhava de que em sua estreia pelo Botafogo, contra o Santos, deu um lençol e uma caneta, tocando a bola entre as pernas de Pelé.

                 Marinho ficou no Botafogo até 1977 e se transferiu para o Fluminense em 1978. Apesar de ter sido um grande destaque no futebol carioca, ele jamais conquistou um título importante por equipes do Rio de Janeiro. No Fluminense jogou um ano e também não conquistou títulos. Na sequência, jogou ao lado de Pelé e Carlos Alberto Torres no New York Cosmos. Depois de atuar dois anos no futebol norte-americano (Cosmos, em 79, e Strikers, em 80), Marinho Chagas retornou ao futebol brasileiro para jogar no São Paulo Futebol Clube.

                  Ele foi o lateral-esquerdo na conquista do título paulista de 1981, sobre a Ponte Preta. Foram 85 jogos com a camisa do Tricolor do Morumbi (46 vitórias, 16 empates e 23 derrotas), quatro gols marcados e o título paulista de 1981. Em 1985, Marinho retornou ao futebol carioca para atuar no Bangu, mas não teve sucesso. Antes de encerrar a carreira no Harlekin, da Alemanha, em 1987, o lateral ainda atuou pelo Fortaleza, em 1986, e América (RN), também em 1986.

SELEÇÃO BRASILEIRA

                 A ofensividade era um dos pontos fortes de Marinho, mas também chegava a provocar a ira de outros. Conhecido pelo ímpeto ofensivo, o que o fez ser apelidado de Bruxa, Marinho foi titular da seleção brasileira na Copa de 1974. No Mundial da Alemanha, foi considerado o melhor jogador de sua posição. Conhecido pelo comportamento irreverente e não raro polêmico dentro e fora do campo, Marinho também ficou marcado pela briga que teve com o então goleiro Leão no último jogo do Brasil naquela Copa, contra a Polônia. A seleção perdeu por 1 a 0 na disputa do terceiro lugar na Copa de 1974, disputada na Alemanha.

                Durante o programa “Golaço”, da Rede Mulher de Televisão, no ano de 2007, o ex-zagueiro Alfredo Mostarda falou sobre o atrito entre o goleiro Emerson Leão e o lateral-esquerdo Marinho Chagas, no dia daquele Polônia 1×0 Brasil, jogo que valia o terceiro lugar. “O Leão já tinha falado para o Marinho Chagas não subir tanto, porque a Polônia tinha o Lato, que era um jogador que atuava muito bem pela ponta direita. O Marinho subiu. E o Leão, bastante irritado, não se segurou. Partiu pra cima do Marinho no vestiário”, revelou Alfredo.  Pela seleção brasileira, Marinho Chagas atuou em 36 partidas (24 vitórias, 9 empates, 3 derrotas) e marcou quatro gols.

HISTÓRIAS

                Com a bola nos pés, Marinho Chagas era um lateral esquerdo destro, um defensor que sabia atacar muito melhor do que defender, uma contradição ambulante, que também ajudava a construir um personagem dos mais ricos do futebol brasileiro. Era mulherengo, bonito e muito preocupado com a própria aparência. Como Garrincha, foi ídolo do Botafogo, entre 1972 e 1976, era irreverente e sucumbiu ao álcool, principalmente depois de parar de jogar.

                Marinho Chagas não tinha muito cuidado com a parte defensiva do jogo de futebol. Foi um dos primeiros laterais brasileiros a ter aquele ímpeto ofensivo que consagrou Cafu e Roberto Carlos. Ganhou o apelido de “Avenida Marinho Chagas” do comentarista João Saldanha pelo tanto de espaço que concedia ao adversário quando avançava ao ataque. O ex-técnico do Botafogo também chegou a dizer, em entrevista à revista Fatos & Fotos, que só o convocaria se ele “raspasse a cabeleira” ou “aparasse a franja e usasse rabo-de-cavalo”.

                Em um amistoso pelo Náutico, em Kingston o cantor Bob Marley ficou encantado com o futebol de Marinho Chagas e quis conhecê-lo. Ofereceu três de seus discos em troca de uma camisa do clube pernambucano, e o lateral esquerdo aceitou.

                Marinho Chagas cuidava bastante da aparência e encontrou nas areias de Copacabana o seu habitat natural para conhecer mulheres novas. Estacionava o Karman Guia no calçadão, colocava Bob Marley nas caixas de som e não economizava no charme, com roupas coloridas e colares. Só que nada disso era suficiente para namorar uma princesa. Em uma viagem pelo Fluminense, frequentou uma festa em um castelo francês, em Nice, e se engraçou para cima de Grace Kelly, então princesa de Mônaco.

                Essa aconteceu na sua estreia pelo Botafogo, em 1972. Marinho Chagas havia acabado de chegar do Náutico e ninguém o conhecia muito bem. Pelé até chegou a alertar que se tratava de um “galego craque e meio doido”, mas o Rei não prestou atenção ao próprio aviso. Na primeira vez que cruzou com o maior jogador da história, Marinho deu-lhe um chapéu que fez o Maracanã tremer. Depois da partida, Pelé pediu “mais respeito”, brincando. Marinho Chagas, também brincando, xingou: “Mandei tomar no cu e saí rindo”.

                Neste mesmo jogo, Jairzinho, ídolo do Botafogo, estava pronto para bater uma falta, chegou a avançar em direção à bola, mas Marinho Chagas cobrou sem avisar o companheiro, que ficou ligeiramente irritado, mesmo Marinho tendo marcado o gol. A resposta de Marinho veio com o mesmo linguajar: “Bicho, vai tomar no cu, o gol tá feito”. E estava mesmo: a bola entrou no ângulo.

AS DIFICULDADES

                  Certa vez Marinho Chagas disse “Jogador de futebol o que quiser tem. Nas festinhas era só escolher. Eu nunca quis maconha, cocaína. Eu gostava era de mulher. Adorava misturar bebida: caipirinha, chope, vinho. O que viesse. Acabava loucão. Quem via logo saía falando: o Marinho está doidão, drogado. Mas era só álcool. Comecei a beber pesado depois que me separei. Foi duro demais. Me afastei da minha mulher, dos meus filhos. Meu patrimônio ruiu. O pouco que havia sobrado foi dividido. Aí fiquei mal e passei a beber.

                   Fui várias vezes internado. Principalmente em São Paulo. Como é cidade grande, ninguém nem percebia. Mas bastou me internar em Natal que o Brasil falou que eu estava morrendo. Fui ingênuo, empresários e advogados me roubaram. Perdi muito dinheiro. E aí veio a separação e arrebentei de vez. Veio a bebida, a depressão, a hepatite C. Tive de vender camisas da Seleção, troféus e medalhas para pagar o tratamento médico”.

TRISTEZA

                   Marinho sofria com problemas de alcoolismo, o que deixou a sua saúde muito debilitada. Em 2013 chegou a passar 10 dias internado na UTI de um hospital de Natal-RN por causa de uma hemorragia digestiva. Na ocasião, ele prometera parar de beber para estar vivo na Copa do Mundo do Brasil em 2014.

                   O ex-jogador passou mal enquanto participava de um evento para colecionadores do álbum de figurinhas da Copa do Mundo, em João Pessoa, na Paraíba. Enquanto conversava com algumas pessoas, Marinho começou a vomitar sangue. Levado para a Unidade de Pronto-Atendimento Oceania da capital paraibana, Marinho foi diagnosticado com hemorragia digestiva alta.

                   Como os médicos tiveram dificuldade em conter a hemorragia, o ex-lateral foi transferido para o Hospital de Emergência e Trauma. Foi colocado um balão no estômago de Marinho Chagas para tentar estancar a hemorragia, mas o seu quadro clínico permaneceu muito grave. Por volta de 3:00hs, o ex-lateral acabou não resistindo e morreu. Era o dia 1 de junho de 2014 e ele estava com 62 anos de idade. A prefeitura de Natal fez uma homenagem ao ex-jogador antes dele ser enterrado na capital potiguar.

                   Marinho era pai de três filhos (uma moça e dois moços) e avô de três netos. Ele sempre afirmava “Tenho 3 filhos e mais uns 13 filhos que lendas e mitos dizem por aí… Aliás, devo mesmo ter uns 90 ou 150 filhos… Eles só não aparecem porque não sou mais rico. Se juntasse todas as mulheres com quem transei daria para encher a Via Dutra, a estrada que liga o Rio de Janeiro a São Paulo. Tive de tudo: cantora, atriz famosa da Globo, atriz de Hollywood. Mas nome eu não falo. Sou um cavalheiro.”

1975   –   Em pé: Zé Carlos, Miranda, Chiquinho, Artur, Marinho Chagas e Ademir Vicente   –    Agachados: Cremílson, Carlos Roberto, Pururuca, Nílson Dias e Dirceu
Em pé: Miranda, Brito, Osmar, Marinho Chagas, Cao e Carbone   –    Agachados: Zequinha, Carlos Roberto, Ferreti, Jairzinho e Dirceu
Bola de Prata de 1972   –    Em pé: Aranha (Remo), Marinho Chagas (Botafogo), Figueroa (Internacional), Beto Bacamarte (Grêmio), Leão (Palmeiras) e Piazza (Cruzeiro)    –    Agachados: Osni (Vitória), Alberi (ABC), Zé Roberto (Coritiba), Ademir da Guia (Palmeiras) e Paulo César Caju (Flamengo)
1976    –   Em pé: Waldir Peres, Chicão, Nelinho, Miguel, Amaral e Marinho Chagas   –    Agachados: Flecha, Geraldo, Palhinha, Rivelino e Lula
1974   –   Em pé: Zé Maria, Marinho Chagas, Wendell, Luís Pereira, Piazza e Carbone   –    Agachados: Mário Américo, Jairzinho, Paulo César Carpegiani, Mirandinha, Ademir da Guia, Edú e Nocaute Jack
Em pé: Miranda, Wendell, Osmar, Brito, Marinho Chagas e Carlos Roberto   –    Agachados: Zequinha, Marco Aurélio, Fischer, Jairzinho e Dirceu
Em pé: Waldir Peres, Getúlio, Almir, Darío Pereira, Gassem e Marinho Chagas   –    Agachados: Hélio Santos (massagista), Paulo César, Renato, Serginho, Heriberto e Mário Sérgio
Copa de 1974    –   Em pé: Zé Maria, Leão, Marinho Peres, Alfredo, Paulo Cesar Carpegiani, Marinho Chagas e Admildo Chirol (preparador físico)   –    Agachados: o massagista Mário Américo, Valdomiro, Ademir da Guia, Jairzinho, Rivelino, Dirceu e Nocaute Jack
1981   –  Em pé: Waldir Peres, Getúlio, Oscar, Dario Pereira, Almir e Marinho Chagas    –   Agachados: Paulo Cesar, Renato, Serginho, Mário Sérgio e Zé Sérgio
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