AFONSINHO: bicampeão carioca pelo Botafogo em 1967 / 68

                Afonso Celso Garcia Reis nasceu dia 3 de setembro de 1947, na cidade de Jaú – SP. Em 1970, por ter-se rebelado contra a Lei do Passe, foi o primeiro jogador de futebol a conquistar o passe na Justiça. Foi parar no Olaria, que na época formou um grande time graças ao mecenas Álvaro da Costa Melo, disposto a ameaçar os seis grandes do Rio: Botafogo, Fluminense, Flamengo, Vasco, América e Bangu. Sua principal marca foi sua eterna briga com a “cartolagem” e técnicos. Numa época que “estudante era para estudar” e “jogador de futebol para jogar futebol”, Afonsinho rebelou-se contra a estrutura arcaica e autoritária do nosso futebol e lutou pelo direito de trabalhar onde quisesse, ganhando o “Passe Livre” na Justiça.

              Afonsinho era chamado de jogador-hippie, jogador-problema, jogador-maldito ou, ainda, jogador-iê-iê-iê (como se dizia naqueles anos 60/70). Em pleno regime militar (que expandia seu modelo de disciplina e controle, inclusive ao futebol), Afonsinho enfrentou e venceu a estrutura de mando no Botafogo, numa época que bem poucos tinham essa coragem.

BOTAFOGO

               Em 1962, Afonsinho ia de calção e descalço  assistir aos treinos do XV de Jaú, time do interior paulista, no improvisado estádio de madeira que, pouco tempo depois, literalmente, o vento levou. E foi alí que ele iniciava sua trajetória no futebol. Começou sua carreira no XV de Jaú e ficou por lá até 1964, quando foi contratado pelo Botafogo carioca. Estreou no time de General Severiano em 1965, com apenas 17 anos de idade substituindo o volante Elton para formar o célebre meio de campo com Gerson. Em 1966, devido ao grande número de jogadores que o Fogão cedeu à Seleção Brasileira, a equipe ficou enfraquecida e não conquistou o título estadual, mas deu para garantir o título do Torneio Rio-São Paulo, juntamente com Vasco, Santos e Corinthians, pois não havia datas para um quadrangular devido aos preparativos da Seleção Brasileira para o mundial da Inglaterra, mas em 1967 e 1968, não deu outra, bicampeão carioca.

              Na época o Botafogo tinha um grande time; Cao, Joel, Zé Carlos, Leônidas e Dimas; Nei, Afonsinho e Gerson; Rogério, Humberto e Airton. O técnico era Zagallo. Esse foi o time que enfrentou o Corinthians no dia 29 de abril de 1967.  O jogo terminou com a vitória corintiana por 2 a 0, gols de Silvio e Tales.  Em 1970 Afonsinho foi jogar no Olaria e no ano seguinte no Vasco da Gama.

              No Brasil, barba comprida, em meados da década de 70, era considerado um sujeito irreverente. Usuários eram confundidos como subversivos ou fora da lei, e, por isso, discriminados. O ex-meia Afonsinho, foi um dos barbudos perseguidos quando jogava no Botafogo (RJ). Em 1971, foi impedido de treinar e deu o troco na medida. Recorreu ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desporto) contra a proibição do exercício profissional e entrou para a história como o primeiro jogador do País a conseguir passe livre.

             Por caprichos de cartolas identificados com a rigidez do regime militar da época, o Botafogo perdia muito da inteligência de seu meio-de-campo. Afonsinho antevia a jogada. Mal recebia o passe já acionava rapidamente um companheiro de ataque. Diferente de vários meias que tocavam a bola de ”ladinho”, jogava em profundidade e tinha uma belo arremate de meia distância. Embora identificado na época como jogador rebelde, nem de longe se assemelhava aos briguentos atacantes Almir Pernambuquinho e Serginho Chulapa. Na prática, era diferenciado porque tinha um substancial conhecimento dos direitos dos atletas e não hesitava em exigi-los. Diferentemente da maioria dos jogadores monossilábicos, era líder, inteligente, combativo e suas entrevistas eram marcadas por posições firmes.

SANTOS F.C.

               Depois de uma curta passagem por Olaria e Vasco da Gama, em 1972 foi jogar no Santos ao lado de Pelé. Na época o Santos tinha um grande time, pois Pelé ainda estava atuando pela equipe de Vila Belmiro e o time era assim formado; Cláudio, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Oberdan e Zé Carlos; Clodoaldo e Afonsinho; Antenor, Alcindo, Pelé e Edu. Este foi o time que Jair da Rosa Pinto mandou a campo no dia 18 de maio de 1972 para enfrentar o Corinthians pelo primeiro turno do Campeonato Paulista. O jogo foi no Pacaembu e terminou empatado em 1 a 1. O gol do Peixe foi anotado por Oberdan, enquanto que Vaguinho marcou para o Corinthians. Neste ano Afonsinho ajudou o Santos a conquistar a Fita Azul do Futebol Brasileiro. No ano seguinte, foi jogar no Flamengo.

OUTROS CLUBES

               Com exceção do Botafogo em que ele jogou por quatro anos, nos demais clubes não passou de dois anos. E assim foi também no Flamengo, onde jogou em 1973/74. Nesse período atuou em 25 partidas (11 vitórias, 5 empates, 9 derrotas) e marcou apenas um gol. No ano seguinte já estava no América Mineiro, depois foi para o XV de Jaú, Madureira e Fluminense.  Como todos sabem, Afonsinho sempre foi um jogador polêmico e que não tinha medo dos cartolas, enfrentando-os até na justiça.

              Quando jogava no Botafogo teve um desentendimento com Zagallo, o futebol estava deixando de ser uma coisa prazerosa e, nessa época ele entrou na Justiça reivindicando o direito de exercer sua profissão em outra equipe, uma vez que os cartolas do Botafogo não se dispunham a liberar seu passe. Não aceitava interferência em sua vida, os cartolas alegavam que ele tinha que cortar a barba e o cabelo, pois aquilo era sinônimo de indisciplina e coisa e tal. Mas o que estava por detrás daquilo era que eles queriam o aprisionar ao clube. Afonsinho morava a meia quadra do estádio do Botafogo e ir para lá era um martírio.

              Quando foi emprestado ao Olaria, ele renasceu. Tinha que atravessar a cidade inteira, acabava o treino ao meio-dia, e todo suado encarava a Avenida Brasil na maior felicidade. Por conta disso, começou a mudar de clube e pode disputar Campeonatos Cariocas também com as camisas do Flamengo, do Fluminense, do Vasco e do Olaria. Só não vestiu a do América e do Bangu, mas teve uma passagem pelo Madureira, levado pelo goleiro Félix para disputar um tal de Torneio da Morte.

              Afonsinho dentro de campo era um gênio, no toque de bola e no drible, fora dela o gênio foi cassado, por suas escolhas não serem do agrado dos generais e dos cartolas de então. Infelizmente o meio campista nunca foi convocado para a seleção Brasileira, o que se justifica pelo fato de suas posturas serem de confronto ao regime militar e a estrutura do futebol nas décadas de 70 e 80 do século XX. Afonsinho, tornou-se um caso célebre por ser o primeiro futebolista a desafiar o sistema. Estudante de medicina da classe média e excelente jogador do Botafogo, Afonsinho iniciou um processo legal em 1974 no Ministério do trabalho pelo direito de negociar seu próprio contrato e de jogar para clubes de sua própria escolha.

             Vitorioso na justiça, passou de time para time, alugando seus préstimos por seis meses de cada vez e propagando abertamente os direitos dos atletas profissionais a se tornarem agentes livres. Fanfarrão, ele organizou uma equipe de protesto chamado “Trem da Alegria”, um conjunto de profissionais ultrapassados, inconformados como ele, e aspirando a uma liga de jovens promissores em busca de publicidade. Como um articulador branco, foi tolerado, ainda que fosse declarado pessoa não grata em seu time de origem e afastado da Copa do Mundo de 1974. Em certa ocasião jogou com Pelé no Santos, uma estranha combinação de dois símbolos do mundo do futebol.

             A luta de Afonsinho nos anos 70, se não ratificou seu esforço com uma homenagem que atribuísse seu nome a alguma lei, uma “Lei Afonsinho”, como ocorreu com a Lei Pelé, ou a Lei Zico (evidentemente o nome de Afonsinho, nos meios futebolísticos passa longe dos holofotes que estes conseguiram, sobretudo pela “obediência a ordem”), mas deu o “ponta-pé inicial” para a organização do trabalho do atleta de futebol que, desde a metade da década de trinta, era considerado profissional. No entanto somente na metade da década de 70, mais de quarenta anos depois, efetivou-se um dispositivo de lei que o reconhecia o jogador profissional de futebol, mesmo em uma situação confusa e discrepante dos termos salariais e contratuais.

             Quarenta anos depois de ter se tornado símbolo da luta pela liberdade dos jogadores, Afonsinho continua a denunciar o autoritarismo no futebol, como não receou fazer no Brasil de Médici, quando o jogador rebelde, barbudo e cabeludo, se recusou a assinar chamado contrato de gaveta, aquele que o jogador assinava (muitas vezes em branco), o qual era registrado quando convinha ao clube. Este é um resumo da vida de Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho, jogador, médico, musicista e boêmio, que teve até uma música em sua homenagem, cujo título é “Meio de Campo”, composição de Gilberto Gil e gravada por Elis Regina.

            Afonsinho encerrou a carreira aos 35 anos de idade, em 1982. Quando parou de jogar foi exercer a profissão de médico, fruto da diplomação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Hoje ele é médico do INSS e exerce a profissão no Rio de Janeiro, onde mora. Ele também faz parte de um projeto social esportivo desenvolvido pela ONG Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social, que visa auxiliar crianças de rua.

Em pé: Cejas, Orlando, Oberdã, Paulo, Clodoaldo e Zé Carlos     –    Agachados: Edu, Afonsinho, Alcindo, Pelé e Ferreira
Em pé: Moreira, Cao, Leônidas, Moisés, Valtencir e Carlos Roberto    –    Agachados: Rogério, Afonsinho, Ferreti, Jairzinho e Paulo César Cajú

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