FAUSTO: o maravilha negra

                 Fausto dos Santos nasceu dia 28 de janeiro de 1905, na cidade de Codó – MA. Quem viu jogar, afirma que foi um extraordinário jogador. Nos dias de hoje jogaria em qualquer time do mundo. Defendeu na carreira; Bangu, Vasco, Barcelona da Espanha, Nacional do Uruguai, Flamengo e Young Fellows, da Suíça. Também fez parte da Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1930, no Uruguai. Por sinal, logo após o mundial, foi apelidado pela imprensa de Montevidéu de ‘Maravilha Negra’, tamanha a qualidade de seu futebol.

                 Fez seis jogos pela nossa seleção, com cinco vitórias e uma derrota. Campeão carioca pelo Vasco em 1929 e 1934, passou por maus bocados no Barcelona. Comentários racistas de seus companheiros de time, inviabilizaram sua permanência no clube. Fez 76 jogos pelo Flamengo entre 1936 e 1938, com 46 vitórias, 14 empates, 16 derrotas e um gol marcado. Foi no rubro-negro, por sinal, que encerrou a carreira poucos meses antes de falecer.

INÍCIO DE CARREIRA

               Fausto teve uma infância difícil, por força da miséria no nordeste brasileiro. Sua mãe, dona Rosa, queria um futuro melhor para o filho, coisa que dificilmente teria no interior maranhense.  Por conta da experiência na indústria de tecelagens, Fausto e família decidiram deixar a vida sofrida em Codó, no Maranhão, para tentar a sorte no Rio de Janeiro, em 1926, mais precisamente no bairro de Bangu. Não foi uma escolha aleatória. Foi ali que funcionou durante décadas a tradicional Companhia Progresso Industrial do Brasil, uma das maiores indústrias têxteis do país, que em seu início foi um modelo de gestão empresarial, especialmente na inclusão de negros operários. Vale lembrar que foi o Bangu, equipe de futebol, que teve o primeiro negro, Francisco Carregal, a jogar entre os brancos, no início do século XX.

               Naqueles áureos tempos em que os campos de futebol se espalhavam por todos os cantos da cidade, Fausto encontrou sua vocação, ao manter uma relação íntima com a bola. Alto e magro, aparecia jogando como titular da equipe do Bangu Atlético Clube, atuando de meia atacante e mostrando sinais evidentes de que se tratava de um verdadeiro craque. Ele a chamava de tu e ela o obedecia em todos os malabarismos que fazia, caindo sempre aos seus pés, como se uma escrava fosse. Era aquilo que hoje chamamos de domínio da bola.

              Era bonito vê-lo tocar na bola, dar a matada no peito, driblar, fazer ginga, no desarme e na preparação do gol. Todas essas qualidades encantaram a Henry Welfare, um inglês radicado no Brasil e técnico do Clube de Regatas Vasco da Gama. Fausto gostava do Bangu e era apegado aos companheiros. Por isso, resistiu para sair do clube vermelho e branco. Mas em 1929, finalmente foi parar no Vasco, agremiação representativa da rica colônia portuguesa e da gente graúda da cidade.

VASCO DA GAMA

              Contratado pelo Vasco, já naquele ano foi campeão carioca, jogando como médio volante na equipe vascaína e se tornando o cérebro do meio-de-campo, posição para a qual fora deslocado por Welfare, que ignorava o esquema WM, criado por seu compatriota Herbert Chapman e praticado na Europa. Pela fórmula vascaína, Fausto tinha que ter um fôlego fora do comum, pois dele dependia o ataque. No primeiro turno do Carioca, o Vasco goleou o Flamengo por 4 X 1, e Fausto marcou 3 gols.

              Nesse ano, além de campeão estadual, o negro de Codó estreou com êxito nas seleções carioca e brasileira. Com o título de campeão carioca em 1929, o Vasco fez dois amistosos contra o Corinthians, campeão paulista também naquele ano. Então os dois clubes resolveram fazer um tira-teima, para se saber quem era na verdade o campeão dos campeões. O primeiro jogo aconteceu dia 16 de fevereiro de 1930 e o Corinthians venceu por 4 a 2. O jogo foi disputado no Parque São Jorge e os gols corintianos foram anotados por: Filó (2), De Maria e Gambinha, enquanto que Russinho e Baianinho marcaram para a equipe carioca.

              O segundo jogo aconteceu no dia 23 de fevereiro, ou seja, uma semana depois. O jogo foi em São Januário, Rio de Janeiro e mais uma vez o Corinthians venceu, desta vez por 3 a 2, gols de De Maria, Peres e Gambinha para o time de Parque São Jorge e De Paschoal e Paes para o Vasco. Uma pequena observação, o Vasco vencia esta partida por 2 a 0 até os 27 minutos do segundo tempo. Devido a estas duas vitórias, hoje temos a expressão “Campeão dos Campeões”, que inclusive faz parte do hino do S. C. Corinthians Paulista.

               No estádio de São Januário, inaugurado um ano antes, Fausto atingiria os “píncaros da glória”, plagiando verso da música “O Ébrio”. E Fausto teve muito a ver com o personagem musical do grande cantor e compositor Vicente Celestino. Quando não estava nos gramados vestindo a camisa preta, com a “Cruz de Malta” branca à esquerda do peito, costumava frequentar os bares e bailes de gafieira do Rio de Janeiro. Boêmio inveterado, Fausto frequentou a noite carioca ao lado de personagens ilustres da sociedade, como Noel Rosa e Orestes Barbosa, todos moradores de um bairro conhecido como Aldeia Campista, atual Vila Isabel.

               No ano de 1931 quando o Vasco se tornou o primeiro clube carioca a excursionar pelo exterior, Fausto encantou as plateias europeias com sua elegância e habilidade. Em Madri, Barcelona e Vigo, o compararam a um escravo levando o time nas costas. Contratado pelo Barcelona, fez jus ao nome e maravilhou a todos, inclusive conquistando o torneio da região em 1932. Pelo clube espanhol, o negro brasileiro foi a Paris e recebeu do jornal “France Football” este elogio: “Ele faz com espantosa facilidade o que outros fariam com um esforço sobre-humano. Fausto, com seu futebol maravilhoso, veio ensinar à Europa como deve jogar um center-half”. No Barcelona, Fausto ganhou muito dinheiro, mas gastou tudo na boemia.

               Em 1933, foi jogar no Young Fellows, da Suíça, onde ficou somente dois meses. Jornais da época já falavam sobre seu estado de saúde e achavam que o jogador tinha consciência da tuberculose e de sua gravidade, embora nada comentasse. Retornou ao Brasil e foi campeão em 1934 pelo Vasco. No ano seguinte foi jogar no Nacional do Uruguai, onde não teve o mesmo brilho, pois foi expulso em quase todos os jogos que disputou. Em 1936, foi jogar no Flamengo, onde jogou ao lado de Leônidas e Domingos da Guia.

SELEÇÃO BRASILEIRA

               Em 1930 participou da 1ª Copa do Mundo, disputada em gramados do Uruguai. O Brasil não conseguiu fazer uma boa preparação e isso foi preponderante para que a campanha fosse muito abaixo das expectativas. Na estréia, perdemos para a Iugoslávia (2×1). Depois, derrotamos a Bolívia (4×0). Neste dia o Brasil jogou com; Velloso, Zé Luiz, Itália, Hermógenes, Fausto, Fernando, Benedito, Russinho, Carvalho Leite, Preguinho e Moderato.  Fausto foi considerado o melhor médio volante da Copa e ganhou da imprensa uruguaia o apelido de “Maravilha Negra.”

               A partir daí, o jogador passou a ser ajudado financeiramente pelos portugueses ricos do Vasco da Gama. Mas, despreparado para a glória e a fama, continuou com as farras. A madrugada e o álcool estavam colocando sua carreira em risco. A sua saúde estava em declínio, e sofria com sucessivas e intermináveis gripes. À época, disseram-lhe que os negros eram predispostos à tuberculose e Fausto tomou isso como exagero racista, seguindo fiel à boemia. Mesmo assim continuava a jogar um grande futebol.

TRISTEZA

               Uma tarde, após jogar entre os aspirantes do Flamengo, sentiu-se mal e teve hemoptise. Quando quis retornar aos treinos, em 1939, os médicos o enviaram ao Sanatório Mineiro, escondido nos cafundós do Estado de Minas Gerais, sem muita esperança de curá-lo da tuberculose. Sob os cuidados da irmã Catarina, abnegada freira que lhe incutiu a fé cristã através de doutrinação oral e de um livro emprestado, o negro que viera do Rio de Janeiro viveu seus últimos momentos. Ao início da noite, depois de arder em uma febre de graus elevados, com má respiração e os pulmões corroídos, Fausto, aos 34 anos de idade deu seu último suspiro.

               E por lá mesmo Fausto dos Santos foi enterrado sem grandes pompas em cova rasa, cravada por uma tosca cruz de madeira, sem nome nem data. Morreu na miséria. Um fim triste para um jogador que, menos de uma década antes, encantara o mundo. Nem mesmo um mausoléu que a fanática torcida do Flamengo queria que fosse construído, no Rio de Janeiro, o clube carioca construiu, alegando falta de recursos. Fausto faleceu prematuramente em 28 de março de 1939 vitimado por uma tuberculose.

               Quando alguém lembra dos grandes jogadores do passado é quase sempre chamado de saudosista, mas eu não me importo com isso e gosto de contar neste meu site as trajetórias vitoriosas de grandes nomes do nosso futebol. Jogadores que esbanjaram classe e categoria e encantaram os torcedores de suas épocas, quando o futebol brasileiro misturava técnica e encantamento. Um dos primeiros craques da era moderna do futebol brasileiro foi sem dúvida o maranhense Fausto dos Santos, ou simplesmente Fausto. Ele foi um dos melhores, senão o melhor meio campista de seu tempo. Era daqueles jogadores clássicos, que quando recebia a bola pelo alto, sabia dominá-la como poucos. A visão de jogo era uma de suas maiores virtudes, dava passes e lançamentos primorosos e também fazia gols. Por isso, fica aqui nossa humilde homenagem à Fausto do Santos, o Maravilha Negra.

Seleção Brasileira na Copa de 1930    –   Em pé: o técnico Píndaro de Carvalho, Brilhante, Fausto, Hermógenes, Itália, Joel e Fernando     –     Ajoelhados: Poly, Nilo, Araken, Preguinho e Teóphilo
1929   –    Em Pé: Tinoco, Brilhante, Itália, Jaguaré, Fausto e Moia    –   Agachados: Paschoal, Oitenta-e-Quatro, Russinho, Mário Matos e Santana
1934   –   Da esquerda p/ direita: Rei, Lino, Fausto, Itália, Gringo, Carreirinha, Almir, Moia, Juca, Carnieri e Orlando
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