OBERDAN: viu morrer o Palestra Itáliaa e nascer o Palmeiras

                  Oberdan Catani nasceu dia 12 de junho de 1919, na cidade de Sorocaba (SP).  Alguns adversários costumavam dizer que, quando Oberdan se instalava debaixo das traves do Palestra Itália, ele se agigantava, deixando a tarefa de desloca-lo no lance para marcar um golzinho sequer, uma tarefa dada somente aos especialistas. O jeito sério e as mãos enormes davam, em contrapartida, à torcida alviverde a confortável sensação de que, com ele em campo, a segurança da pátria estava salvaguardada. Alguns episódios na vida do ex-goleiro são provas irrefutáveis de que, quando a tarefa era defender a meta de sua equipe. 

A concentração de Oberdan em sua missão de defender o gol alviverde era tamanha, que fazia com que o arqueiro passasse as horas de descanso treinando.  Ficou famoso por desarmar no ar, utilizando uma mão, atacantes do calibre de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, grande craque da época. Quando deixou a sua cidade de Sorocaba no lombo de um caminhão  naquela tarde de 1941,  Oberdan  não  chegou  a  imaginar  que  cumpriria, pouco mais tarde, o sonho de uma italianíssima família de imigrantes que via nas cores do velho Palestra Itália as honrarias presentes à bandeira da velha bota. Em Sorocaba, Oberdan trabalhava com um caminhão vendendo frutas nas ruas.

PALESTRA ITÁLIA

                  Com a cara e coragem de seus 22 anos de idade, o menino alinhado, de cabelos sempre penteados, jogados para o lado, no mais cuidados estilo Clark Gable, chegou ao Palestra para um teste, indicado por seu irmão Athos e pelo ex-jogador Miguel.  Haviam 13 goleiros naquele teste. Oberdan tomou quatro gols e mesmo assim foi escolhido para defender o segundo quadro.  Ficou apenas seis jogos no segundo quadro e logo foi escalado para defender o time profissional, onde vestiu a camisa de titular e não mais a largou. Jogou no Palestra de 1941 até 1956. Nesse período foi campeão paulista em 1942, 44, 47 e 50. Taça Cidade de São Paulo em 1946, 50 e 51. Taça Rio-São Paulo em 1951 e naquele mesmo ano a Taça Rio que para muitos palmeirenses, é o Mundial Interclubes.

PALMEIRAS 

                  Oberdan é um homem que ficará eternamente na história do Palmeiras, pois ele viveu aquela mudança do nome do clube que ocorreu em 1942 devido a Segunda Guerra Mundial. Dia 22 de agosto de 1942, o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália, entrando no conflito. A partir daí, tudo tinha qualquer ligação com esses dois países, inclusive o Palestra Itália. Sendo assim, foi marcada para o dia 13 de setembro de 1942, uma reunião no clube para a escolha do novo nome. E foi do sócio Mário Minervino, a sugestão de “Sociedade Esportiva Palmeiras”, que foi aprovada por todos os demais. Esta difícil decisão foi tomada dias antes do jogo mais importante do clube naquele ano, ou seja, da decisão do campeonato paulista de 42.  O jogo seria contra o São Paulo F.C. no dia 20 de setembro.  O time do Palmeiras entrou no gramado do Pacaembu, carregando uma bandeira brasileira e, um dos jogadores que carregava esta bandeira era Oberdan Catani. 

                   O jogo foi tenso e violento, mas o Palmeiras sagrou-se campeão vencendo  o tricolor por 3 a 1 com gols de Cláudio (que depois seria ídolo no S.C. Corinthians Paulista), Del Nero e Echevarrieta. Para o tricolor marcou Waldemar de Brito, aquele que anos mais tarde iria descobrir o maior jogador de futebol de todos os tempos, Pelé.  E já no seu primeiro ano de Palmeiras, o alviverde conquistou seu primeiro título. A equipe que entrou para a história do clube foi a seguinte; Oberdan, Junqueira e Begliomini; Zezé Procópio, Og Moreira e Del Nero; Cláudio, Waldemar Fiume, Villadoniga, Lima e Echevarrieta. O técnico foi Del Débbio.  Por 15 anos Oberdan defendeu a meta palmeirense. Realizou 351 partidas, sendo 207 vitórias, 76 empates e 68 derrotas. Sofreu 409 gols.

                  Apesar de ter se dedicado ao Palmeiras por quinze anos, acabou encerrando a carreira no Juventus, por imposição do então presidente do Palmeiras, Pascoal Giuliano, fato que impede que tenha um busto em sua homenagem no Parque Antarctica. A legislação do clube não permite conceder tal honraria a atletas que tenham atuado contra o Palmeiras, independente de sua importância histórica.  No início da década de 40, Oberdan Catani estava invicto há varias partidas. Ninguém conseguia marcar gol nele. Na ocasião, várias emissoras ofereceram prêmios para aquele que conseguisse marcar um gol contra Oberdan.  Numa partida São Paulo x Palmeiras, o centro médio Túlio do Palmeiras marcou um gol contra, ganhando assim todos os prêmios. No segundo tempo, o mesmo jogador redimiu-se marcando o gol que deu o empate ao time alviverde, partida essa que terminou em 1 a 1.

SELEÇÃO BRASILEIRA

                     Apesar de ser aclamado como um dos maiores goleiros de sua posição, as passagens de Oberdan Catani pela seleção brasileira foram quase sempre povoadas por polêmicas que acabaram prejudicando a carreira do goleiro com a camisa canarinho.  A maior delas aconteceu em 1945, quando ele criticou abertamente a escalação do lesionado meia Jaime, numa partida contra a Argentina pelo Campeonato Sul-Americano daquele ano e que acabou se tornando o principal motivo da derrota brasileira para os vizinhos por 3 a 1, em três lances em que as jogadas foram forçadas nas costas do atleta do Flamengo. 

                    Depois disso, Oberdan ficou numa situação difícil perante os dirigentes da então CBD e toda a comissão técnica, por isso, poucas vezes o convocaram para vestir a camisa número 1 do nosso selecionado canarinho, algo que culminou anos mais tarde, na sua ausência da lista de convocados para a Copa de 50 que seria disputada aqui no Brasil. Na ocasião foram chamados Barbosa e Castilho. Em 1946 quando seria o titular absoluto da nossa seleção, a Copa do Mundo foi cancelada devido a Segunda Guerra Mundial.  Alem da seleção brasileira, Oberdan acumularia ainda experiência com a camisa da seleção paulista, que vestiu de 1941 até 1952. Mas, diferentemente de outros grandes goleiros como Gilmar, Félix, Taffarel e Marcos, que se acostumaram a colecionar glórias tanto no clube, quanto na seleção, Oberdan não conseguiu jamais com a amarelinha chegar sequer perto dos feitos conquistados no Palestra Itália.

AMOR PELO PALMEIRAS

                   Oberdan ficou nove jogos sem tomar um gol sequer. Inspirou gerações e, sobretudo, ajudou a solidificar o nome Sociedade Esportiva Palmeiras com a mesma gana dos tempos de Palestra. Por essas e outras, ele sempre sonhou obter o reconhecimento em vida para poder testemunhar um busto seu na área social do Palestra Itália, onde hoje estão lado a lado a imagem de três dos grandes heróis que já passaram pelo alviverde: Ademir da Guia, Waldemar Fiume e Junqueira.  Possuidor de enormes mãos, recebeu o apelido de “Muralha”.

                  Certa vez, num choque com um jogador gaúcho de nome Geada, ficou com duas unhas penduradas. Uma ele tirou na hora, a outra o médico tirou no intervalo. E o grande Oberdan heroicamente voltou a campo. Ele vestia a pele do Palmeiras.  Seu amor pelo Palmeiras sempre foi muito grande. Tanto é que casou-se nas dependências do clube e lá também comemorou as bodas de prata.  A cada partida ele perdia em média três quilos. Era um especialista em defender pênaltis. Na época havia uma piada que dizia: Zezé Procópio tonteava o adversário, Carneiro o derrubava, Junqueira o matava e Oberdan só tinha o trabalho de coloca-lo para fora de campo.

                  Foi conselheiro vitalício do alviverde. Oberdan Catani viu morrer em 1942 o velho Palestra Itália e, no dia seguinte, nascer a Sociedade Esportiva Palmeiras. Dono de mãos enormes reinou durante uma década como titular absoluto. Para todo torcedor palmeirense que o viu jogar, Oberdan mereceria chances na seleção brasileira.  Numa eleição realizada dentro das dependências do Palmeiras para saber qual o goleiro que entraria na seleção do alviverde de todos os tempos, Oberdan foi eleito, vencendo nada mais, nada menos, que Valdir de Moraes, Leão, Zetti, Velloso e Marcos.

                  Mesmo já tendo parado de jogar há mais de sessenta anos, Oberdan venceu aquela eleição. Outra prova de que não foi esquecido pela torcida e pelo clube, em julho de 1999, foi homenageado pelo Palmeiras com uma festa pelo 80º aniversário. Quando chegou ao Palmeiras para um simples teste, em 1940, Oberdan jamais poderia imaginar que chegaria tão longe e que seria lembrado por tanto tempo. Isso prova que seu amor pelo Verdão realmente foi muito grande e, que realmente sempre honrou a camisa do glorioso Palestra Itália, atual Sociedade Esportiva Palmeiras.

                  Em 15 de abril de 2014 foi internado no Hospital Bandeirantes, em São Paulo, com uma grave lesão coronariana. Inicialmente ele passou por um cateterismo e no dia seguinte foi submetido a uma angioplastia. Em 23 de abril de 2014 deixou a unidade coronariana do Hospital Bandeirantes, seguindo em observação em um quarto normal. Recebeu alta em 25 de abril de 2014, após boa evolução clínica. Oberdan residiu no bairro Pompéia, em São Paulo, onde pode ser encontrada uma casa verde que só poderia mesmo pertencer a um palmeirense. Mais que isso, ali morava o senhor de mãos enormes e conservados cabelos e bigodes pretos que o personificaram durante o sucesso nas décadas de 40 e 50. Oberdan faleceu dia 20 de junho de 2014.

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