MAURO PINHEIRO: um dos melhores comentaristas esportivos do rádio brasileiro

                  Mauro Bezerra Pinheiro, nasceu em Berna, Suíça. O pai era médico, membro importante da famosa família dos Bezerra Cavalcanti de Pernambuco e fazia um curso naquele país quando Mauro nasceu. Foi registrado no Consulado Brasileiro e depois, quando completasse a maioridade, seguindo a lei, teria que confirmar se queria mesmo a nacionalidade brasileira ou viveria como suíço. É claro que Mauro jamais se lembrou de tomar a decisão no tempo certo e só foi pensar no assunto quando resolveu se casar. Foi um comentarista dos tempos dourados do futebol e que sempre se vestia impecavelmente.

                  Terno e gravata, barba bem feita e chapéu de palhinha. Além disso, um profundo conhecedor dos vinhos e fumante dos bons charutos. Com classe e elegância, Mauro Pinheiro, o Senador, tornou-se um dos mais conhecidos nomes do rádio paulista. Nos anos 60 e 70, Mauro Pinheiro era um dos principais nomes da equipe esportiva Escrete do Rádio da Cadeia Verde a Amarela da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

GRANDES COMENTARISTAS

                  Já escrevi sobre narradores e narrações esportivas. Hoje o assunto são os comentaristas. Randal Juliano, Orlando Duarte, Cláudio Carsughi, Leônidas da Silva, Mauro Pinheiro, Barbosa Filho, Loureiro Junior, Vital Bataglia, Juarez Soares, Dalmo Pessoa e Luiz Augusto Maltoni. A esses profissionais rendo as minhas homenagens. Profissionais respeitados e que respeitavam os ouvintes. Para quem cresceu ouvindo os comentários dessas feras da crônica esportiva, ter que aturar esses semianalfabetos, de hoje, é como ouvir Michel Teló num ouvido acostumado com Altemar Dutra, Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves! Ocorre que: Maltoni, Loureiro, Randal, Leônidas e Mauro Pinheiro já há algum tempo estão comentando futebol no andar de cima.

                Mauro Pinheiro era o comentarista titular da Rádio Bandeirantes, atuando nas transmissões ao lado do narrador Fiori Gigliotti. Estudioso do futebol, Mauro iniciou sua carreira no Rio Janeiro, escrevendo durante muito tempo na revista Sport Ilustrado. Mas marcou época por seu trabalho no rádio. Ele nunca imitou ninguém. Esse é um ponto a ser destacado, ele foi um profissional genuíno no seu ramo e era um profundo conhecedor de todos os esportes. Além disso, era um homem humilde e honesto que sempre buscou ajudar a todos.

                O Mauro era um profissional muito correto e durante as transmissões ele ia anotando num caderno todos os detalhes da partida. Fora dos microfones, Mauro era um homem reservado e sério. Ele nunca chegou a ser amigo pessoal de Fiori Gigliotti, com quem trabalhou durante anos, conversavam somente durante as transmissões esportivas. Mas os dois se respeitavam muito. Apesar do jeito retraído, Mauro era uma das lideranças do jornalismo esportivo paulista. Tanto que foi presidente da ACEESP (Associação dos Cronistas Esportivos do Est. de São Paulo) entre 1972/73.

                 Ênio Rodrigues recorda que Mauro Pinheiro era um homem dedicado a pesquisa do futebol. “Fui algumas vezes no apartamento dele que ficava na Av. Prestes Maia. Ele tinha muitos livros, jornais antigos e diversos cadernos com anotações sobre futebol. Sem dúvida, ele foi um estudioso sobre o assunto”.

SEMPRE ELEGANTE

                  O narrador Ênio Rodrigues trabalhou com Mauro Pinheiro na Rádio Bandeirantes durante 18 anos. Durante todo esse tempo, Ênio nunca viu o comentarista vestido sem o tradicional terno e gravata. Pelo menos no trabalho ele nunca usou roupa esporte. Mauro Pinheiro era baixinho e gordinho, só se vestia de terno completo, calça, colete e paletó e nunca, mas nunca mesmo, sem gravata, a comum ou a borboleta. Relógio de bolso com a reluzente corrente de ouro balançando. Botão de comendador no caseado da lapela e na boca o eterno charuto fumegante. No Rio de Janeiro todo ano era homenageado na Churrascaria Recreio como o cliente com melhor frequência durante todo o percurso.  Houve um ano em que não faltou uma noite sequer.

                 Com um charuto imenso, mesmo apagado, entre os dedos. Falando alto e argumentando em defesa de suas teses já que sempre tinha uma, discutindo sempre acompanhado de retumbantes gestos manuais. Flávio Araujo comenta que sempre teve muito contato pessoal com o Mauro. Viajavam muito em companhia um do outro, Mauro como comentarista e Flávio como narrador. Correram quase toda a Europa, as Américas, esse Brasil de norte ao sul e Flávio deu para conhecer bem seus hábitos de solteirão (só casou depois dos quarenta e muitos) e de grande apreciador de bons vinhos e o que é pior: inveterado fumante de imensos charutos. Quantas brigas tiveram pelos charutos que Mauro acendia, um atrás do outro. Flávio Araújo lembra que o amigo Mauro Pinheiro tinha mania de acender seus charutos em locais inapropriados, até mesmo dentro das cabines de transmissão.

                 Existem inúmeros fatos curiosos a respeito dos comentaristas esportivos. Haviam comentaristas que tiravam uma soneca durante o jogo e só acordavam quando eram chamados. Comentaristas que escreviam o comentário durante o desenrolar do jogo para interpretá-lo no intervalo e no final. Comentaristas que saiam da cabine para fumar do lado de fora; comentaristas que retiravam os fones; ficavam sem saber o que rolava nas informações dos repórteres e plantões esportivos. Comentaristas que não viam à hora de ser servido o lanche e os refrigerantes nas cabines. Enfim, uma profissão que tem muita história para contar. Sendo assim, vamos citar alguns dos casos pitorescos que ocorreram na carreira do grande comentarista esportivo Mauro Pinheiro.

CASOS  PITORESCOS

                Essa quem nos conta é Flávio Araujo. “Uma madrugada, em Londres, voltando de um restaurante no coração da grande cidade, frio lá fora de cortar e mais o vento que zunia, Mauro acende o charuto em pleno táxi totalmente fechado. O motorista bronqueou firme e forte como sabem bronquear os ingleses, que de pacíficos só tem a fama. Mauro não quis saber. Entre o charuto e o frio abriu a porta e saltou fora. Eu segui no táxi, e ele demorou 2 horas para cruzar o gelado Kensington Park e chegar ao nosso hotel. Mas não apagou o charuto. Ora, pois, se iria dobrar-se aos berros de um motorista de taxi de Sua Majestade Britânica”.

                E ainda contrariando os ensinamentos de Getúlio Vargas, que sempre dizia que charuto só se acende uma vez. Apagou, joga fora. Com Mauro, não. O monstrengo podia apagar-se por estar excessivamente melado que ele o acendia novamente e ai o cheiro ficava ainda mais insuportável. Vale ressaltar aqui que sou um grande defensor dos direitos alheios, desde que não fumem ao meu lado. A fumaça, sopre o vento para que lado soprar, vem sempre em direção ao meu nariz.

                Flávio Araujo nos conta outra. “No aniversário da cidade de Guairá que fica na divisa São Paulo-Minas Gerais, Corinthians e São Paulo fizeram a festa. No almoço, Mauro Pinheiro pediu filé com fritas e aspargos na manteiga. O garçom olhou para os lados, para o cardápio e viu que o tal prato não existia. Pior, ele nem sabia o que era aspargo. Mauro preferiu não pedir outra coisa. Esperou que terminássemos de almoçar para procurar outro restaurante. Ficou sem almoçar, pois não havia outro para as exigências do Mauro”.

                Após 18 anos na Bandeirantes, Mauro Pinheiro foi atuar na Jovem Pan. Pouco tempo depois teve diabetes e acabou falecendo em 1982. Fã declarado do comentarista, o jornalista Milton Neves sempre se referiu ao Senador como um ícone do rádio. Em entrevista a revista Placar em 1987, Milton falou sobre sua relação com Pinheiro. “No dia de sua morte, chorei como se tivesse perdido meu pai. Até hoje, quando passo em frente ao cemitério do Araçá no caminho de casa para a Jovem Pan, boto a cabeça para fora do carro e dou um tchau pro Maurão. Tenho certeza que ele fica satisfeito”.

               Os comentaristas esportivos dos anos 50, 60, 70 não podem ser comparados aos de hoje. Não é só pela qualidade. Ocorre que hoje os comentaristas ficam à frente da tevê para analisar os jogos. O que vê o comentarista na tevê? Um retângulo sem ter a visão exata do campo de jogo. Há uma vantagem. Comentam em cima do replay. Os comentaristas de arbitragem também tem sua tarefa facilitada. Opinam após a repetição do lance. O conteúdo dos comentários mudou bastante; os comentaristas de ontem eram respeitados pelos ouvintes pela forma como se expressavam com opiniões e prognósticos. Nem sempre acertavam é verdade. Mas tinham a coragem para falar a verdade. Existem as exceções nos dias de hoje, mas, a grande maioria opta por ficar na defensiva (em cima do muro), no comentário preliminar. E acrescento. Comentar ao vivo do estádio é uma coisa e comentar do estúdio pela imagem da tevê é outra.

              Mauro Bezerra Pinheiro, o “Senador”, inesquecível comentarista do “Escrete do Rádio” da “Cadeia Verde Amarela” da Rádio Bandeirantes de São Paulo, faleceu no dia 25 de janeiro de 1982 e está sepultado no cemitério do Araçá, em São Paulo. O querido Mauro Pinheiro trabalhou por quase 20 anos na Bandeirantes e morreu quando era comentarista da Rádio Jovem Pan. Pai de uma filha, Alessandra, a moça morou no interior até 2011, quando retornou a São Paulo, casada e mãe de um filho adotivo.

                Mauro Pinheiro era mais torcedor do Fluminense do que Nélson Rodrigues, sabiam? E o saudoso Mauro Pinheiro ganhou uma justa homenagem, ligada ao esporte, um ginásio com seu nome, no complexo esportivo do Ibirapuera, em São Paulo. Hoje o céu está bem servido na crônica esportiva, pois, lá temos Fiori Gigliotti narrando, Roberto Silva reportando e Mauro Pinheiro comentando. A todos eles nossas homenagens e o nosso muito obrigado, pelas alegrias que nos proporcionaram dentro do futebol.

Os que estão de chapéu da esquerda para a direita – Loureiro Junior, Ênio Rodrigues, Mauro Pinheiro e João Nassif
Mauro Pinheiro recebendo troféu do Congresso Brasileiro de Cronistas Esportivos em 1974
Loureiro Junior, Mauro Pinheiro e Flávio Araujo (todos da Rádio Bandeirantes)
Em pé: Jaime Madeira, Ênio Rodrigues, Flávio Araújo, Mauro Pinheiro, Fiori Giglioti, Luiz Augusto Maltoni, Domingos Leoni, Fernando Solera e Jorge Mello     –     Agachados: Borghi Júnior, Luiz Carlos Moreira, José Paulo de Andrade, Osvaldo dos Santos, Alexandre Santos, Carlos Alberto de Castro e Dinamérico Aguiar
Uma dupla que marcou época no Rádio Brasileiro – Mauro Pinheiro e Fiori Giglioti

 

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