LOCUÇÃO ESPORTIVA: os vendedores de ilusão

              Como parte das comemorações do Dia Mundial da Voz – 16 de abril – nossa homenagem aos profissionais que fizeram das transmissões de futebol “uma paixão nacional”. Osmar Santos, Flávio Araújo, Raul Tabajara, Peirão de Castro, Pedro Luiz,  Edson Leite, Walter Abrahão, Waldir Amaral, Ary Barroso, Fiori Gigliotti, Geraldo José de Almeida, Joseval Peixoto, Haroldo Fernandes, Enio Rodrigues, Borghi Junior, Fernando Solera, Aurélio Campos, Darcy Reis, José Italiano, Oduvaldo Cozzi, Edmundo Silva e tantos outros que nos faziam sentir dentro do estádio, mesmo ouvindo o jogo pelo rádio em nossas casas.

              Só mesmo no país do futebol é que o gol no rádio poderia ter outro som. A narração de uma partida pelos locutores brasileiros é singular. Jogando com o imaginário do fanático torcedor, o locutor cria um lance mais bonito do que a realidade. É uma descrição sempre emocionante, precisa e rica em detalhes. O narrador brasileiro, advogado criminalista e jornalista de São Paulo, Joseval Peixoto, conta sua experiência em partidas no exterior: “A gente grita sem se preocupar com quem está em volta”. É um espetáculo à parte para a plateia do primeiro mundo, habituada a uma narração mais informativa e menos empolgante.

               A missão de narrar o esporte mais amado do país não é fácil. O narrador tem que ser os “olhos do ouvinte” e através da fala mexer com a imaginação do torcedor, levando até ele a descrição exata do jogo com emoção, informação e alegria. O narrador ainda sofre com a mística no futebol, quando o time vence o narrador é “acusado” de ter transmitido com muita alegria, empolgação e que estava torcendo para aquele clube. Em caso de derrota o profissional é criticado, pois estava “desanimado, sem ritmo e não motivou o ouvinte”. Da mais simples pessoa até o mais culto, o futebol tira a razão e vira puro coração e mesmo o narrador tendo se esforçado ao máximo pela melhor transmissão nunca vai agradar a todos. A expectativa de narrar um jogo é sempre emocionante, esperar por fazer o melhor, estudar, criar, corrigir sempre e vibrar na hora da abertura de uma jornada e transmitir emoção durante 90 minutos é sempre gratificante.

A PRIMEIRA TRANSMISSÃO

               Acredito que no dia 22 de janeiro de 1927 em uma tarde de inverno em Londres no Highbury Stadium, o primeiro narrador da história, Teddy Wakelan não imaginava que estava dando início a uma das mais emocionantes profissões. Ele transmitiu o jogo Arsenal 1×1 Sheffield United pela rádio estatal inglesa BBC. Curiosamente, como os ouvintes não tinham ainda noção de espaço do campo quando estavam ouvindo, já que aquela transmissão era pioneira, Wakelan e seu comentarista C. A. Lewis tiveram a ideia de formular em um papel um campo de futebol dividido em 8 setores numerados. A equipe de esportes da BBC imprimiu vários folhetos com o esquema e os distribuíram à população. Ela foi usada para facilitar a localização dos jogadores e da bola em campo quando fossem passar a informação aos ouvintes. Ex: “Buchan está com a bola dominada pelo setor 5 do campo de jogo…”.

               No Brasil a primeira transmissão de futebol aconteceu no dia 19 de julho de 1931 por Nicolau Tuma. Foi a primeira narração integral de um jogo de futebol. Antes eram feitos boletins que informavam os lances principais. Antes do jogo começar, Tuma foi aos vestiários do Campo da Floresta para fixar as características físicas dos atletas das seleções de São Paulo e do Paraná, pois à época os uniformes não tinham números às costas. Como o futebol ainda não era muito conhecido, Tuma se preocupou em explicar as regras durante a transmissão. Foi um sucesso no Vale do Anhangabaú pela Confeitaria Mimi, que pôs auto-falantes para reproduzir a transmissão. Tuma narrava tão rápido que ganhou o apelido de “speaker metralhadora”.

               Na primeira transmissão, narrou 10 gols e o jogo foi vencido pelos paulistas por 6 a 4. As transmissões de Nicolau Tuma ganharam tantos ouvintes que, em 1937, ele foi proibido de entrar no estádio para narrar um jogo entre Palestra e DCB porque temia-se perder público. Transmitiu o jogo de cima de uma escada de 14 metros, fora do estádio. O rádio desde as primeiras transmissões sempre levou muito mais emoção para o torcedor e continua sendo assim.

               A emoção na hora do gol sempre respondeu ao grito que vinha das arquibancadas. O futebol é a grande paixão nacional do Brasil, tanto que, em 1938, o compositor Ari Barroso, autor de Aquarela do Brasil, naquela época também locutor esportivo, inventou uma forma de destacar o gol na sua narração, para não ser abafado pelos torcedores. O jornalista Sérgio Cabral conta no livro No Tempo de Ari Barroso que sua descoberta saiu de uma loja de brinquedos, onde Ari buscava algo que tivesse um som infantil. Seu encanto foi uma gaitinha, que soprava na hora do gol, com mais intensidade se fosse do Flamengo, seu time do coração.

A PRIMEIRA COPA

              Em 1934 foi criada a Rádio Difusora, apelidada de “Som de Cristal”. De lá, surgiu o termo “radialista”, inventado por Nicolau Tuma. Em 1938, o rádio brasileiro transmitiu pela primeira vez um campeonato mundial de futebol: a Copa do Mundo da França. Serviços de alto-falantes foram instalados nas praças de centenas de municípios brasileiros, para que a população pudesse acompanhar as partidas através da narração de Leonardo Gagliano Neto. Bares, restaurantes, casas, ou qualquer lugar que tivesse um rádio transformava-se num ponto de encontro para que as pessoas se reunissem. Os fenômenos da popularização do futebol e do rádio caminhavam juntos e alimentavam um ao outro, criando uma forte identidade cultural brasileira. De lá para cá, o rádio revelou seguidas gerações de locutores, na sua maioria formados no interior do país. Nomes que  desfilaram pela ondas do rádio brasileiro ao longo das últimas cinco décadas, despertando paixões nos ouvintes como se fossem os próprios ídolos do futebol.              

               Para se manter bem informado sobre futebol no Brasil, o torcedor sabe que o veículo que melhor cobre, difunde e promove este esporte é o rádio. No Rio de Janeiro, as Rádios Nacional, Globo e Tupi. Em São Paulo, a Bandeirantes, a Jovem Pan – antiga Panamericana – e a Record. Em Belo Horizonte, a Rádio Itatiaia. Em Porto Alegre, as Rádios Farroupilha, Gaúcha e Guaíba. Em Recife, a Rádio Jornal do Commercio, em Curitiba, a Clube Paranaense e aqui em Limeira a Rádio Educadora, que sempre possuiu uma das melhores equipes esportivas do rádio brasileiro. Estas emissoras registraram sua marca na história do rádio esportivo brasileiro.

               O grito de gol prolongado, que se ouve hoje em todas as rádios do Brasil, teve sua origem em meados da década de 40, criado por Rebello Júnior. Seu “Goooooool!!!” foi primeiro uma marca registrada do locutor, que depois se difundiu para a transmissão de jogos de futebol entre todos os narradores. Mas Rebello Júnior ficou conhecido como “o homem do gol inconfundível”. A disputa por audiência era grande e os locutores precisavam se esforçar para se destacarem uns dos outros. O uso de expressões como “pimba” para definir o chute a gol e “balançou o réu da noiva”, para o momento do gol marcaram a carreira de Raul Longras, que se tornou famoso pelo uso delas. Mas o pioneirismo do uso de expressões desse tipo talvez seja de Ailton Flores, o “Canarinho”, da Rádio Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro.

PEGADINHA

                No dia 1º de abril de 1949, o locutor esportivo Geraldo José de Almeida, da Rádio Record, irradia um jogo inteirinho do São Paulo, que contava com Leônidas e Bauer e estava excursionando pela Europa. Final da partida e um resultado que chocou os torcedores: o São Paulo havia perdido por 7 X 0. Só no dia seguinte a Rádio Record anuncia que tudo não passou de uma farsa. Era uma pegadinha do dia da mentira. Chegava então os anos 50 e no mundo das comunicações, a década de 50 é marcada pelo aparecimento da televisão, que se torna a principal concorrência do rádio, obrigando-o a se transformar para se adaptar ás novas condições. Nesse período ocorre uma migração do rádio para a televisão, não só de profissionais como do estilo de programação. Assim, programas de auditório e novelas começam a ocupar a programação televisiva. Com o espaço deixado e o crescente interesse do público, a programação esportiva vai ganhando terreno dentro da rádio. Foi na década de 60, que surgiu o comentarista esportivo e o primeiro que teve esta função foi Washington Rodrigues, o Apolinho, pela Rádio Guanabara do Rio de Janeiro.

GRANDES VOZES

                 Uma das coisas mais criativas do nosso Rádio, é a narração esportiva. Grandes vozes, estilos imbatíveis. Quem ouve, e muita gente não abre mão de ouvir um jogo pelo Rádio, sabe da emoção de se acompanhar uma jogada de seu time na voz de seu narrador predileto. O narrador esportivo é um “vendedor de ilusões”. Cabe ao narrador esportivo descrever o que ocorre num jogo de futebol, com precisão, e, detalhes. Ao contrário dos locutores esportivos que estão mais preocupados com vinhetas, abraços, piadas, reverberações exageradas, pornografia e poesias. O rádio brasileiro teve e ainda tem grandes locutores esportivos, cada um com a sua maneira impar de contagiar a torcida, mexer com o imaginário, fazer um lance ser mais bonito do que realmente é, despertar paixões, estilos inconfundíveis. Por tudo isso, fica aqui o nosso agradecimento a todos os narradores esportivos pelas emoções que passaram e ainda passam à nós através de suas transmissões, são momentos que jamais sairão de nossa memória, pois mesmo não estando lá no estádio, nos sentíamos presente, tal é a perfeição da narrativa. Nossos sinceros agradecimentos a todos que ainda estão entre nós e àqueles que já partiram.

Silvo Luiz
Fiori Giglioti
Pedro Luiz
José Silvério
Osmar Santos
Edson Leite
Edmundo Silva
Flávio Araujo
Joseval Peixoto
Ênio Rodrigues
José Italiano
Ary Barroso
Postado em L

Deixe uma resposta