VASCONCELOS: bicampeão paulista pelo Santos F.C. em 1955 / 56

                 Valter Vasconcelos Fernandes nasceu dia 25 de maio de 1930, na cidade de Belo Horizonte – MG. Meia-atacante de toques refinados e chutes certeiros, Vasconcelos foi contratado pelo Santos em 1953, junto à Portuguesa Santista, por 350 mil cruzeiros. Mostrando todo o seu poder ofensivo, foi artilheiro do Torneio Rio-São Paulo do mesmo ano com 8 gols e artilheiro da equipe santista em 1953 e 1954. Sagrou-se bicampeão paulista (1955 e 1956) pelo Santos, que começava a surgir como um dos grandes clubes do futebol paulista.

                 Vasconcelos foi na realidade, da glória ao xilindró. Um exemplo de craque que se deixou levar pelo vício. Talento indiscutível. Exemplo de craque, lamentavelmente, jogado na lata de lixo. Foi um dos principais jogadores do Peixe de todos os tempos. Até aquele fatídico dia 09 de dezembro de 1956, quando quebrou a perna em uma disputa de bola com Mauro Ramos de Oliveira, então zagueiro do São Paulo. Mas até então, ninguém teria a ousadia de pensar em substituí-lo.

VASCO DA GAMA

                  Seus primeiros passos no mundo da bola foram nas categorias amadoras do C. R. Vasco da Gama em meados de 1948. O Vasco, campeão carioca de 1947, 1949, 1950 e campeão Sul Americano de 1948, famoso “Expresso da Vitória”, era o time mais badalado do Rio de Janeiro e dessa forma a disputa era acirrada por um lugar no time de aspirantes. Vasconcelos chegou a ter oportunidades no time principal, mas a disputa pela posição era difícil demais para um jovem recém promovido dos aspirantes. No início da década de 50, a Portuguesa Santista manifestou interesse pelo seu futebol.

                  Sem muitas perspectivas de efetivar seu lugar na forte linha ofensiva que contava com Alfredo, Ipojucan, Ademir, Maneca e Djair, Vasconcelos aceitou a transferência para a cidade de Santos. Assim, fez as malas e desembarcou no Estádio Ulrico Mursa em 1951. Permaneceu na Lusinha até o final da temporada de 1952, quando o Santos F.C. adquiriu seus passe em 1953, mesmo com as suspeitas de que ele era possuidor de uma moléstia cardíaca.

SANTOS F.C.

                  Segundo alguns registros, sua estreia aconteceu contra a própria Portuguesa Santista, quando anotou três gols e saiu do gramado ovacionado pela torcida santista. As pernas finas e valentes, carregando seu corpo arqueado, brigavam o tempo inteiro na busca pelas vitórias e ajudando o Santos a encontrar seu espaço entre o trio de ferro paulista. Com um domínio de bola admirável, encontrou seu lugar jogando pela meia esquerda. Articulador de jogadas, ele sabia finalizar como poucos e logo encontrou a fama e o reconhecimento na equipe que levantou o caneco paulista de 1955.

                 Boêmio, nunca convidou um colega a acompanhá-lo nas farras que fazia, mesmo em vésperas de grandes jogos. Pulava janelas, ia sozinho, bebia, dançava, voltava de madrugada, jogava, fazia gols. O Santos ganhava! Num dia de jogo na Vila Belmiro pelo Campeonato Paulista de 1956, Waldemar de Brito e Dondinho chegaram com Pelé, que aos 15 anos vestia calças compridas pela primeira vez e nunca tinha visto uma cidade e um estádio tão grande. O garoto, que estava ansioso para conhecer Zito, foi ao vestiário ao fim do jogo e conheceu todos os cobras do Santos.

                 O técnico Lula, que havia sido alertado por Waldemar de Brito para as habilidades do garoto, perguntou, sorridente: “Então você é o tal Pelé? Já estávamos esperando por você. Fique à vontade”. Dondinho pediu para os jogadores tomarem conta do filho, e Vasconcelos, titular da  camisa  10 que  um dia seria  consagrado pelo garoto pequeno e tímido que chegava, agarrou Pelé pelo pescoço e respondeu “pode deixar” e a partir daquele momento nasceu uma grande amizade entre Vasconcelos e aquele que seria seu sucessor, Pelé.

                E Vasconcelos cuidava daquele garoto como se fosse seu filho e um bom exemplo disso foi no dia 24 de maio de 1956, no aniversário do goleiro Manga, quando Vasconcelos chamou a atenção do elenco do Peixe ao dar à expressão “faça o que eu digo e não o que eu faço” o teor de uma grande lição ao então desconhecido Pelé. Tudo porque lá pelas tantas foram contar a Vasconcelos que Pelé estava com um copo de bebida na mão. Vasconcelos largou o seu copo, foi até onde estava Pelé, ficou olhando sério e acabou dando um tapa na mão do garoto, jogando o copo longe. Ele se considerava um dos responsáveis por aquele menino que apenas começava como o seu reserva.

               Os dois se tornaram grandes companheiros de clube. Um na plenitude de sua carreira, o outro a esperança de que ainda conquistaria o mesmo respeito adquirido por Vasconcelos. Talvez, diante de tudo o que Pelé fez no futebol, hoje, até seja mais fácil acreditar que o então jovem de 16 anos estava preparado para tomar a camisa 10 de seu antecessor. Mas naquela altura do jogo, somente uma fatalidade poderia colocar o então 10 do Peixe na reserva. Exatamente, como ocorreu. 

              Foi em um desses dias, uma tarde de domingo, 9 de dezembro de 1956, que Pelé viu o amigo e protetor Vasconcelos quebrar a perna em uma jogada com o zagueiro Mauro Ramos de Oliveira, do São Paulo, jogo que o Santos perdeu por 3 a 1, pelo segundo turno do Campeonato Paulista daquele ano. Vasconcelos tinha tocado para Pepe e recebido na frente. No momento do chute foi calçado por Mauro, que, depois, casualmente, caiu sobre a sua perna.

              O lance originou a história de Pelé com a camisa do Santos e praticamente colocou um ponto final na carreira de Vasconcelos. Foi uma jogada absolutamente normal, corriqueira, que o time do Santos fazia muito. Eram jogados 10 minutos do primeiro tempo, Pepe e Vasconcelos trocavam muito de posição. Então, Pepe desceu pela meia esquerda e o Vasconcelos, imediatamente, abriu para a ponta. Então Pepe fez o passe para o Vasconcelos assim próximo da linha lateral, no gol de fundo da Vila Belmiro. O campo estava molhado e o Mauro procurou se antecipar. Todos pensaram que era uma lesão normal, mas na verdade, Vasconcelos havia fraturado a perna. Foi realmente muito triste.

               Mais do que um acidente de trabalho, a séria lesão representou o declínio físico e emocional do craque. Vasconcelos ficou muito tempo parado e quando voltou alguns meses depois não era mais o mesmo jogador. Não existiam os recursos que existem hoje. O Vasconcelos voltou com um futebol com a expectativa de ser o mesmo Vasconcelos, mas não foi. Ficou pouco tempo no Santos e se transferiu para o Jabaquara. Transferência prematura que, em uma ironia do destino, acarretou no término da relação com o grupo que ele também ajudou a projetar. Logicamente, ele saiu do Santos e o Santos jogando como jogava, quase todo o dia, os jogadores perderam o contato com Vasconcelos.

               Solidão entregue ao vício, porém, fruto de uma escolha errada. Jogando no Santos, no auge dele, ele já vivia bêbado. Em muitas ocasiões, várias vezes, os jogadores do Santos foram buscá-lo em uma boate ou deitado em um banco de praça, ainda jogando bola pelo Santos. Não houve por parte dos jogadores do Santos um relacionamento mais íntimo, mais amigo com o Vasconcelos. Muitos o criticavam muito pela postura. Ele era uma figura discutida em Santos pelo fato de ser alcoólatra e aqueles jogadores mais sérios acabaram se afastando e por isso acabou basicamente como mendigo.

               Na tradução da bola, a bem da verdade. Valter Vasconcelos acabou como mais um exemplo de atleta jogado à sarjeta. Naquela época não existiam drogas como maconha e cocaína. O problema principal era o álcool. Na verdade, ele saiu de Santos, deu uma perambulada por aí, foi jogar em Pernambuco. Terminou a vida dele em Santos. Morreu muito novo. Terminou a vida pobre, alcoólatra e vivendo de favores das pessoas amigas. Mas aqueles poucos amigos que ele tinha foram absolutamente impotentes para controlar o vicio da bebida dele, jogando fora toda a trajetória brilhante que teve como jogador de futebol.

              Lamentavelmente, terminou a vida de forma melancólica, muito pobre, sem dinheiro. Foi, a bem da verdade, a antítese da história do jogador que acidentalmente ajudou a revelar Pelé, mas que, diante dos próprios erros, acabou como por se tornar a sombra invertida de um Rei. Não houve nenhum tipo de relação entre eles. O Pelé entrou no time principal do Santos e o Vasconcelos ficou afastado. Não havia um relacionamento bom do Vasconcelos com o grupo de jogadores do Santos, no qual Pelé fazia parte.

              A bebida, mediante a derrota pelo álcool, fez com que Valter Vasconcelos mantivesse o status de 15º maior artilheiro da história do Santos com 111 gols associado a uma carreira polêmica. Ele era um dos poucos jogadores que morava na Vila Belmiro naquela época. Estava sempre na Vila. Ficava ali próximo ao portão de entrada onde tinha uma pedra muito grande. Ele ficava sentado ali antes e depois dos treinos com um chapéu de palha na cabeça e uma camisa na flanela batendo papo com os torcedores. Era muito querido. Foi muito importante para a subida meteórica que o Santos teve. Se não tivesse quebrado a perna, talvez Pelé demorasse um pouco mais para ser revelado no Santos e chegado a Seleção Brasileira.

               Craque, boêmio, gênio, inconsequente, lendário e artilheiro. As noitadas renderam-lhe mais do que uma coletânea de detenções. Fama, sucesso e álcool tornaram-se a combinação fatal de sua carreira. Bagaço, como era carinhosamente chamado pelos seus companheiros devido ao hábito de chupar laranja antes dos treinos, fez 181 jogos com a camisa do Santos, marcando 111 gols. Vasconcelos faleceu dia 22 de janeiro de 1983, em Brusque, Santa Catarina e lá foi sepultado, no bairro Dom Joaquim. O ex-meia também atuou pelo Náutico do Recife e Apucarana (PR), no início dos anos 60.

               Dia 31 de maio de 1953, quando o Santos goleou a Portuguesa por 6 a 1, o 6º gol do Santos e o 3º de Vasconcelos foi “uma espetacular bicicleta”. Em 1958 Vasconcelos foi emprestado ao Palmeiras, voltou e foi emprestado ao Jabaquara em 1959, voltou novamente em 1960 quando o Santos contratou Mauro que ao realizar seu primeiro treino enfrentou Vasconcelos que treinou entre os reservas, este seria seu último treino com a camisa santista, pois foi vendido ao Náutico onde viria a ser campeão pernambucano. Esta é mais uma história de um jogador que teve um final de vida muito triste, tudo por causa da bebida, o mais terrível adversário que Vasconcelos enfrentou em toda sua vida.

Seleção Paulista, em 1955   –   Em pé: Djalma Santos, Alfredo Ramos, Roberto Belangero, Mauro Ramos de Oliveira, Gilmar e Bauer    –    Agachados: Maurinho, Ipojucan, Álvaro, Vasconcelos, Tite e o massagista Mário Américo

Em pé: Urubatão, Formiga, Ramiro, Manga, Hélvio e Zito     –     Agachados: Pagão, Negri, Álvaro, Vasconcelos e Del Vecchio
Em pé: Ivan, Zito, Formiga, Urubatão, Manga e Hélvio   –    Agachados: Del Vecchio, Valter, Álvaro, Vasconcelos e Tite
Em pé: Ramiro, Hélvio, Manga, Urubatão, Zito e Ivan   –    Agachados: Alfredinho, Jair Rosa Pinto, Álvaro, Vasconcelos e Tite
Da esquerda para a direita: Barbosinha, Hélio Canjica, Wilson Francisco Alves, Formiga, Urubatão, Ramiro, Ivan, Pepe, Álvaro, Vasconcelos e Tite
Em pé: Getúlio, Manga, Urubatão, Rodrigues, Ramiro e Fioti   –    Agachados: Alfredinho, Álvaro, Pagão, Vasconcelos e Dorval

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