MÁRIO VIANNA: um dos árbitros mais polêmicos do nosso futebol

                Mário Gonçalves Vianna nasceu dia 6 de setembro de 1902, no Rio de Janeiro.  Gostava de frisar que Vianna era com dois N. Em campo, fazia de tudo: peitava, gritava, agredia até. Era seu jeito de se fazer respeitado por todos. Tinha 1.74 de altura e pesava 90 quilos de uma vitalidade que impressionava a todos que o conheceram. Mário Vianna foi de tudo um pouco: baleiro, engraxate, jornaleiro, empacotador de velas, fiscal da guarda civil, policia especial, juiz de futebol, técnico do Palmeiras, Portuguesa e São Cristóvão, e finalmente, comentarista de arbitragem na Rádio Globo.

                Sua excelente condição física foi adquirida na Policia Especial. E foi apitando peladas, que José Pereira Peixoto, um policial amigo, o convenceu a fazer um curso de árbitro para Liga Metropolitana onde ingressou como primeiro colocado de sua turma. Sua estréia oficial foi na partida de juvenis entre Girão de Niterói e São Cristóvão. Neste jogo ele definiu o estilo que trataria de aperfeiçoar ao longo de sua carreira até torná-la uma espécie de marca pessoal: expulsou Mato Grosso, zagueiro do seu querido São Cristóvão.

ÁRBITRO DE FUTEBOL 

               Desde então, começou a construir sua fama de juiz rigorosíssimo, destes que não perdem as rédeas da partida, mesmo nas situações mais adversas. Como naquele Botafogo e Flamengo em General Severiano. Mário Vianna expulsou jogadores do Flamengo, os torcedores não gostaram e começaram a atirar garrafas e pedras contra ele. E Mário não teve dúvidas: devolveu tudo para as arquibancadas. Mário Vianna nunca foi homem de meias medidas. Foi responsável pela única expulsão de Domingos da Guia em onze anos de carreira.

              Também teve uma passagem com Nilton Santos no clássico Botafogo e Vasco. Atendendo a uma denuncia do bandeirinha, expulsou Nilton Santos que era um gentleman, por ofender o auxiliar. Mário achou estranho o caso e, nos vestiários pressionou o bandeirinha que terminou confessando que tinha mentido. Ele ficou sem graça, foi ao vestiário do Botafogo e pediu desculpas a Nilton Santos.

              No antigo estádio do Madureira, em 1937, o Flamengo jogava com o time da casa. Mario Vianna expulsou dois jogadores do Madureira. E, como eles se recusaram a sair de campo, o juiz os colocou para correr até os vestiários, sob a ameaça de sua impressionante massa física. A torcida revoltada invadiu o campo e houve muita briga que as velhas arquibancadas de madeira foram inteiramente destruídas. Segundo Mario Vianna, o Madureira só tem um novo estádio por causa dele. Mario ajudou a quebrar tudo.

               No Sul-Americano de 1946, Mário Vianna apitou nove partidas. Argentina e Paraguai foi a mais difícil. Aos 16 minutos do primeiro tempo, o ponta direita Boyé, um dos mais famosos jogadores argentinos, deu um pontapé em Vilalba. Como sempre, Mário não pensou duas vezes: sem ligar para a torcida, expulsou o argentino. Salomão, capitão da seleção Argentina tentou argumentar de que o jogo estava só começando, o rapaz não fez aquilo por mal, etc. Mário Vianna se mantinha inflexível. Salomão apelou: – Olha, o estádio está lotado. Se Boyé sair, cai tudo.  E o Mario respondeu – Não sou engenheiro, sou arbitro de futebol.

               Logo após o Uruguai ter ganho a Copa de 50, em pleno Maracanã, marcaram um jogo entre brasileiros e uruguaios na categoria de universitários. O centromédio brasileiro Faria, distribuía pontapés a vontade. Mario Vianna não tolerava violência no campo, mas não perdeu a oportunidade da pequena vingança diante dos uruguaios. Falando baixinho, mas dedo em riste, aproximou-se de Faria e mandou que ele continuasse batendo firme nos uruguaios pois caso contrário… e aí, elevando a voz num berro que o estádio inteiro ouviu: “EU LHE BOTO PRA FORA ENTENDEU MOLEQUE”.

               Terminou um jogo em Madureira numa confusão daquelas. Brigas e reclamações de todo lado. Nos vestiários percebeu a presença de alguns policiais e perguntou; “O que vocês estão fazendo aqui? E eles responderam; “Lá fora tem uma multidão querendo pegá-lo, viemos protegê-lo”. E com aquela tranqüilidade Mário respondeu: “Pois então saiam lá fora e protejam a multidão, que Mário Vianna vai sair.

COPA DO MUNDO DE 1954

               Mário Vianna teve a honra de apitar uma Copa do Mundo. Foi no ano de 1954, quando a Copa foi disputada da Suíça. E mesmo numa Copa, não mudou seu modo de apitar. Houve um jogador que, talvez por ser estrangeiro e desconhecer a fama de valentão de Mário Vianna, teve a infeliz ideia de desafiá-lo. Foi durante o jogo em que a Suíça venceu a Itália por 2 a 1. Inconformado com uma marcação do brasileiro, Boniperti partiu para cima do juiz aos empurrões. Mário Vianna aplicou-lhe um direto no queixo. Mandou que o carregassem para os vestiários e, ironicamente, disse para o massagista – “Se ele tiver condições, pode voltar para o segundo tempo”. Boniperti voltou bem mansinho. Ainda nesta Copa de 1954, no jogo Brasil 2×4 Hungria, chamou o juiz Mr. Ellis e os dirigentes da FIFA, de ‘camarilha de ladrões’. Aí, os ingleses protestaram e Mário Vianna foi expulso do quadro de árbitros. Nunca mais apitou uma Copa, mas em compensação virou celebridade nacional pelos comentários na rádio Globo ao lado do narrador Waldir Amaral.

COMENTARISTA

               Quando já era comentarista de arbitragem na Rádio Globo, quase perdeu o emprego por duas vezes. Na primeira, disse que o juiz Abraham Klein, além de judeu era ladrão. Os patrocinadores do programa eram, como Klein, judeus. Na outra vez, quando o programa era patrocinado pelo cigarro Corcel, Mario entrevistando Cafuringa perguntou se ele fumava, e a resposta foi positiva. De imediato Mário falou para ele parar, pois o cigarro é prejudicial à saúde. O apresentador tentou avisar ao Mario que o programa era patrocinado por uma fabrica de cigarro. Foi ai que o ex-arbitro deu a volta por cima. “Todo cigarro tem veneno, Cafuringa, menos o Corcel, que tem uma dose mínima de nicotina”.

FOLCLÓRICO

               Como todo personagem folclórico, Mário Vianna também tinha o seu lado místico. Era espírita da linha Alan Kardec, rezava ao se deitar e ao se levantar. Alguns casos são conhecidos. Na Copa de 1970, era companheiro de quarto de Luis Mendes. Certa manhã ao se levantar, virou-se para o companheiro e disse – “Mendes, liga para tua casa porque seu irmão desencarnou”. Apavorado, Luis Mendes pegou o telefone, ligou para casa e ficou sabendo que seu irmão havia falecido naquela madrugada. Waldir Amaral conta que certa vez estava embarcando com Mário para São Paulo. E Mário advertiu – “Waldir esse avião vai pifar. Vamos esperar outro vôo”. – Que nada, Mário, deixe de besteiras – retrucou Waldir Amaral. Os dois embarcaram e quando o avião ia decolar, o motor enguiçou e o piloto foi obrigado a dar um cavalo de pau para não cair na baía da Guanabara. Muitos que também viveram a época de Mario Vianna, afirmam que nessas histórias sempre existem um pouco de exagero. Com exagero ou não, as histórias são realmente deliciosas.

TREINADOR

               Repentinamente, em 1957, abandonou o apito e foi ser técnico justamente do Palmeiras; o time estava em má fase e a escolha de Mário Vianna causou polêmica, e muito mais polêmica viria pela frente. Nos 14 jogos que dirigiu, o time conseguiu, além de acumular 8 derrotas, protagonizar cenas hilárias em todos os jogos. Desde a declaração que entregava uma camisa ao Formiga outra ao Mazzola e jogava as demais para cima, quem pegasse que jogasse; até a mais famosa e que de certa forma mostrou que era, como dizia, vidente. Foi no dia 17 de novembro de 1957, num jogo em que o Corinthians venceu o Palmeiras por 1 a 0, gol de Zague. Neste jogo o árbitro prejudicou demais o Palmeiras. Expulsou o zagueiro Mucio pouco depois da metade do primeiro tempo.

              Jogo estava empatado e o time palmeirense resistiu até os três minutos finais do segundo tempo quando o adversário desempatou em visível impedimento. Todo mundo estranhou que ao final do jogo Mário Vianna não tentasse agredir o árbitro. A atitude cordata destoava de seus hábitos. Mário encaminhou-se aos vestiários, parou pouco antes do túnel, ajoelhou-se no gramado e bradou: “Deus há de fazer com que esse time fique vinte anos sem ser campeão”.  Errou: Foram 22 anos e 8 meses.

             Mário Vianna foi um homem de muitas histórias. Histórias colhidas ao longo de 38 anos de Policia Especial, 25 de árbitro e 22 de comentarista. Inteligência não era seu forte. Foi da Polícia Especial, milícia criada pelo Getúlio Vargas que incorporou sujeitos que tinham músculos em número maior que neurônios. Mário faleceu no Rio de Janeiro no dia 16 de outubro de 1989, aos 87 anos de idade, deixando a todos muita saudade, principalmente de suas fantásticas e deliciosas histórias.

Puskas, Mário Vianna e Evaristo de Macedo
Mário Vianna como comentarista esportivo

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