AS EPIDEMIAS E O FUTEBOL BRASILEIRO

                    O futebol brasileiro ficou parado no começo do ano de 2020, tudo por causa da Coronavírus que começou lá na Ásia e chegou ao Brasil rapidamente, causando muito temor à toda população. E numa medida acertada, os dirigentes do nosso futebol suspenderam por tempo indeterminado todos os campeonatos, quer sejam estaduais ou nacionais. Mas essa não foi a primeira vez que o nosso futebol é paralisado por causa de uma epidemia, pois em 1918 já passamos por uma situação semelhante. 

                    O Campeonato Paulista de 1918 foi conturbado, desta vez por vários motivos. Primeiro pelo Palestra Itália que, julgando-se prejudicado pela arbitragem num de seus jogos, pediu desfiliação e obrigou a entidade a remanejar toda a tabela, o que provocou paralisação temporária do certame. O golpe maior veio no dia 20 de outubro, uma hora antes de serem iniciadas as partidas da rodada.

                      Com os estádios tomados pelos torcedores, agentes sanitários ali chegaram para impedir a realização dos jogos, exigindo que não se formasse concentração de público, por causa da “Gripe Espanhola”, que matou mais de 35.000 pessoas no Brasil e mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Por causa disso, a federação teve de alterar novamente a tabela do campeonato de 1918, que só foi terminar em janeiro de 1919, isto porque ocorreram ainda várias interrupções.

                      A “Gripe Espanhola” foi realmente assustadora e fez por merecer medidas como aquela acima referida. A federação, porem, não concordou com a forma precipitada como foi tratado o futebol, pois as autoridades sabiam com antecedência de sua programação e permitiram que os clubes tivessem as naturais despesas de locomoção, assim como a venda dos ingressos, para só então proibirem a realização dos jogos. O serviço de arrecadação devolveu o dinheiro ao público. Grande parte dele continuou nos estádios porque algumas equipes decidiram jogar amistosamente.

                        Outro fato que aborreceu os dirigentes foi que a fiscalização não agiu da mesma forma com circos, teatros, cinemas, de ambientes fechados e de maior risco. A epidemia foi de enorme periculosidade. O numero de pessoas que contraiam a “Gripe Espanhola” crescia assustadoramente. Em levantamento estatístico feito em três cidades (São Paulo, Santos e Campinas) no último trimestre de 1918, chegou-se a números alarmantes. O numero de enterros era enorme e a Prefeitura colocou um serviço gratuito para as pessoas de pouco recurso. O atendimento era na avenida Brigadeiro Luís Antônio, 69.

                        No tempo em que o campeonato ficou interrompido, os clubes ofereceram suas dependências, como por exemplo, o Palestra Itália, cedeu sua sede da rua Libero Badaró para a Cruz Vermelha, instalando ali 30 leitos e fazendo a doação de 500 mil reis mensais, enquanto estivessem em funcionamento. Logo depois era o Paulistano que instalava 150 leitos em sua sede, ao mesmo tempo que seus associados faziam doações. Empresas fundaram a “Comissão de Socorro” para levantar provimentos de cozinha e obtenção de uma ambulância. Enfim, houve um engajamento de toda a sociedade na luta contra o mal.

                       Ao reiniciar o campeonato, para não expor os atletas a desgastes que poderiam leva-los a contrair a gripe, a federação determinou que os jogos teriam redução de dez minutos em sua duração, até nova instrução. Assim eles seriam disputados em dois tempos de 35 minutos, com descanso de 10 minutos. O período da “Gripe Espanhola” aconteceu na segunda quinzena de outubro, quando ela, indiretamente, provocou a morte de um dos renomados valores do nosso futebol, Belfort Duarte, que jogou muitos anos no Mackenzie e havia se tornado fundador do América F.C. do Rio de Janeiro. Belfort era tratado contra a gripe numa estância de Itatiaia, próxima a estação de Campo Belo, onde morreu assassinado.

                        A “Gripe Espanhola” chegou até a abalar o relacionamento entre a Federação Paulista e a CBD, que forçou o cancelamento de um Campeonato Sul-Americano, para o qual a CBD já havia convocado os jogadores, dentre eles Friedenreich, Amilcar e Neco. Cumprindo suas normas para com os atletas que não  eram do Rio de Janeiro, a CBD enviou um conto de reis a cada um, para as despesas do transporte, hospedagem, etc.

                         Como não foi possível a realização desse torneio, a entidade reclamou a devolução do dinheiro. Os três jogadores paulistas alegaram que já havia gasto tudo. A CBD informou o fato a Federação Paulista, mas agiu de uma forma nada cortes, o que levou a entidade de São Paulo a responder nos mesmos termos.

                         Estava criado mais um atrito entre o futebol paulista e o futebol carioca. A CBD suspendeu Friedenreich, Amilcar e Neco por um ano e ainda ameaçou a Federação Paulista de desfiliação. Felizmente, o caso acabou em nada. O campeão paulista de 1918 foi o Paulistano com 13 vitórias, nenhum empate e três derrotas. Marcou 68 gols e sofreu 14. O artilheiro foi Friedenreich do Paulistano com 25 gols, em 16 jogos que disputou.

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