AS PRIMEIRAS TRANSMISSÕES ESPORTIVAS PELO RÁDIO BRASILEIRO

                  Acredito que no dia 22 de janeiro de 1927 em uma tarde de inverno em Londres no Highbury Stadium, o primeiro narrador da história, Teddy Wakelan não imaginava que estava dando início a uma das mais emocionantes profissões. Ele transmitiu o jogo Arsenal 1×1 Sheffield United pela rádio estatal inglesa BBC. Curiosamente, como os ouvintes não tinham ainda noção de espaço do campo quando estavam ouvindo, já que aquela transmissão era pioneira, Wakelan e seu comentarista C. A. Lewis tiveram a ideia de formular em um papel um campo de futebol dividido em 8 setores numerados. A equipe de esportes da BBC imprimiu vários folhetos com o esquema e os distribuíram à população. Ela foi usada para facilitar a localização dos jogadores e da bola em campo quando fossem passar a informação aos ouvintes. Ex: “Buchan está com a bola dominada pelo setor 5 do campo de jogo…”.

                O rádio no Brasil surgiu em 1922, portanto a 100 anos atrás. Nove anos depois tivemos a primeira transmissão esportiva. O locutor foi Nicolau Tuma, o pioneiro em transmissões esportivas de futebol no rádio. Portanto é impossível falar sobre os melhores radialistas do Brasil e não lembrar de Nicolau Tuma. O “Speaker Metralhadora”, assim considerado um dos locutores mais rápidos para narração de todos os tempos! Tuma teve um apelido digno de sua característica, uma vez que era capaz de alcançar 250 palavras por minuto. Nicolau faleceu dia 11 de fevereiro de 2006.

                Na primeira transmissão esportiva no Brasil, no jogo que foi um marco histórico para o rádio brasileiro, jogaram as seleções de São Paulo e Paraná, no Campo da Chácara da Floresta, no bairro Ponte Grande, em São Paulo. O jogo terminou com a vitória da Seleção Paulista por 6×4. Este jogo aconteceu no dia 19 de julho de 1931 e teve como árbitro o Sr. Virgílio Fredrighi, do Rio de Janeiro. Os gols da seleção paulista foram anotados por Luizinho (3), Heitor (2) e Siriri, enquanto que os gols da seleção paranaense foram anotados por Gabardino (2) e Levorato (2).

                Nicolau Tuma foi o criador da narração de futebol como é conhecida atualmente: a ‘’narração em cima do lance’’ Para se entender as dificuldades dessa narração, basta saber que, antes do jogo, Tuma foi até o vestiário dos jogadores para anotar as características físicas de cada jogador e assim poder identificá-los na hora da narração já que naquela época ainda não se usavam os números nas camisas.

                 As transmissões de Nicolau Tuma ganharam tantos ouvintes que, em 1937, ele foi proibido de entrar no estádio para narrar um jogo entre Palestra e DCB porque temia-se perder público. Transmitiu o jogo de cima de uma escada de 14 metros, fora do estádio. O rádio desde as primeiras transmissões sempre levou muito mais emoção para o torcedor e continua sendo assim. Em 1934 foi criada a Rádio Difusora, apelidada de “Som de Cristal”. De lá, surgiu o termo “radialista”, inventado por Nicolau Tuma

                Em uma entrevista, Tuma comentou que num congresso de rádio no Rio de Janeiro, usou o termo ‘’radialista’’. Ninguém entendeu e ele explicou sua teoria para a nova palavra: explicou dizendo que radi viria de rádio e alista de idealista, o que segundo Tuma, “retratava bem o profissional do rádio”. A partir de então, o termo se popularizou no país todo e é usado até os dias de hoje. A narração de Tuma, embora muito importante historicamente, não foi feita para todo o Brasil.

                A primeira narração feita para todo o país foi de Gagliano Neto, em 1938, sete anos após a primeira narração esportiva. Gagliano narrou uma partida de futebol na Copa do Mundo daquele ano, ocorrida na França. A narração para todo o país se deu através da união de duas emissoras de São Paulo e duas do Rio de Janeiro. Os brasileiros puderam acompanhar pela primeira vez a transmissão ao vivo, pelo rádio, das partidas da seleção. Em São Paulo, milhares de pessoas aglomeravam-se nas proximidades do Viaduto do Chá para ouvir Gagliano Netto narrar os jogos. E a festa foi completa no dia 5 de junho de 1938, quando o Brasil derrotou a Polônia por 6×5, com três gols de Leônidas da Silva, dois de Perácio e um de Romeu. Vale lembrar que o terceiro gol marcado por Leônidas, ele estava descalço, pois estava amarrando as chuteiras, quando a bola sobrou para ele, que imediatamente chutou para as redes polonesa.

                   Bares, restaurantes, casas, ou qualquer lugar que tivesse um rádio transformava-se num ponto de encontro para que as pessoas se reunissem. Os fenômenos da popularização do futebol e do rádio caminhavam juntos e alimentavam um ao outro, criando uma forte identidade cultural brasileira. De lá para cá, o rádio revelou seguidas gerações de locutores, na sua maioria formados no interior do país. Nomes que desfilaram pela ondas do rádio brasileiro ao longo das últimas cinco décadas, despertando paixões nos ouvintes como se fossem os próprios ídolos do futebol.              

                   Para se manter bem informado sobre futebol no Brasil, o torcedor sabe que o veículo que melhor cobre, difunde e promove este esporte é o rádio. No Rio de Janeiro, as Rádios Nacional, Globo e Tupi. Em São Paulo, a Bandeirantes, a Jovem Pan – antiga Panamericana – e a Record. Em Belo Horizonte, a Rádio Itatiaia. Em Porto Alegre, as Rádios Farroupilha, Gaúcha e Guaíba. Em Recife, a Rádio Jornal do Comercio, em Curitiba, a Clube Paranaense e aqui em Limeira a Rádio Educadora, que sempre possuiu uma das melhores equipes esportivas do rádio brasileiro. Estas emissoras registraram sua marca na história do rádio esportivo brasileiro.

                  No Paraná, em Curitiba, a primeira transmissão esportiva foi feita em 1934 durante o clássico “Atletiba’’, em 2 de setembro de 1934 no “Estádio da Baixada” (campo do Atlético Paranaense), pela Rádio Clube (PRB2). A emissora ficou sendo a terceira do Brasil a fazer transmissão esportiva. Os locutores deste dia marcante foram Jacinto Cunha e Jofre Cabral. Eles se revezavam na transmissão do jogo. O estádio rubro-negro não tinha a estrutura necessária para essa novidade da comunicação. Portanto, o “jeitinho brasileiro” era necessário para que o equipamento técnico permitisse uma transmissão externa que durou mais de duas horas. Cunha e Cabral precisaram improvisar sobre um palanque para ter uma visão ampla do campo da partida e, assim, identificarem os jogadores e suas jogadas. Para quem não estava pessoalmente no jogo ou não tinha rádio para assistir em casa, o jogo foi transmitido também por auto falantes espalhados pela cidade de Curitiba, tendo a maior concentração de pessoas ouvindo na Praça Tiradentes, Centro da capital .

                   Para realizar as transmissões de futebol no rádio, muitas adaptações foram necessárias. O grito do gol, por exemplo, no início, tinha o problema de ser abafado pelos gritos e manifestações dos torcedores nas arquibancadas. Uma das primeiras formas de narrar o gol de maneira que fosse ouvido por quem escutava rádio foi inventada pelo compositor Ari Barroso, em 1938, quando era locutor esportivo. Ele comprou uma gaitinha e tocava cada vez que um time fazia um gol. Outros narradores foram inventando outras formas de narrar o gol e mesmo outras passagens do futebol. Até 1940, as narrações eram improvisadas, incluindo galinheiros e telhados vizinhos aos gramados como locais de transmissão.

                  Ari Barroso era um torcedor confesso do Flamengo, torcia descaradamente a favor do rubro-negro nas transmissões que eram feitas pelo rádio. Quando o Flamengo era atacado, ele dizia mensagens do tipo: “Ih, lá vem os inimigos. Eu não quero nem olhar.”, se recusando claramente a narrar o gol do adversário. Quando o embate era realizado entre equipes que não fossem o Flamengo, sempre que saía um gol, primeiro ele narrava, e depois tocava uma gaita. Muitas vezes ele narrava o jogo bem próximo a linha lateral e muitas vezes entrava em campo para passar algumas instruções táticas aos jogadores do Flamengo. Certa vez, por ser torcedor fanático do Flamengo, foi proibido de entrar no estádio do Vasco para narrar o jogo do Cruz de Malta contra o Mengão, então ele subiu no telhado de uma casa vizinha e de lá narrou o jogo. Coisas de Ari Barroso.

                   O grito de gol prolongado, que se ouve hoje em todas as rádios do Brasil, teve sua origem em meados da década de 40, criado por Rebello Júnior. Seu “Goooooool!!!” foi primeiro uma marca registrada do locutor, que depois se difundiu para a transmissão de jogos de futebol entre todos os narradores. Mas Rebello Júnior ficou conhecido como “o homem do gol inconfundível”. A disputa por audiência era grande e os locutores precisavam se esforçar para se destacarem uns dos outros. O uso de expressões como “pimba” para definir o chute a gol e “balançou o réu da noiva”, para o momento do gol marcaram a carreira de Raul Longras, que se tornou famoso pelo uso delas. Mas o pioneirismo do uso de expressões desse tipo talvez seja de Ailton Flores, o “Canarinho”, da Rádio Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro.

                   No dia 1º de abril de 1949, o locutor esportivo Geraldo José de Almeida, da Rádio Record, irradia um jogo inteirinho do São Paulo, que contava com Leônidas e Bauer e estava excursionando pela Europa. Final da partida e um resultado que chocou os torcedores: o São Paulo havia perdido por 7 X 0. Só no dia seguinte a Rádio Record anuncia que tudo não passou de uma farsa. Era uma pegadinha do dia da mentira. Chegava então os anos 50 e no mundo das comunicações, a década de 50 é marcada pelo aparecimento da televisão, que se torna a principal concorrência do rádio, obrigando-o a se transformar para se adaptar ás novas condições.

                     Nesse período ocorre uma migração do rádio para a televisão, não só de profissionais como do estilo de programação. Assim, programas de auditório e novelas começam a ocupar a programação televisiva. Com o espaço deixado e o crescente interesse do público, a programação esportiva vai ganhando terreno dentro da rádio. Foi na década de 60, que surgiu o comentarista esportivo e o primeiro que teve esta função foi Washington Rodrigues, o Apolinho, pela Rádio Guanabara do Rio de Janeiro.

                    Uma das coisas mais criativas do nosso Rádio, é a narração esportiva. Grandes vozes, estilos imbatíveis. Quem ouve, e muita gente não abre mão de ouvir um jogo pelo Rádio, sabe da emoção de se acompanhar uma jogada de seu time na voz de seu narrador predileto. O narrador esportivo é um “vendedor de ilusões”. Cabe ao narrador esportivo descrever o que ocorre num jogo de futebol, com precisão, e, detalhes. Ao contrário dos locutores esportivos que estão mais preocupados com vinhetas, abraços, piadas, reverberações exageradas, pornografia e poesias.

                     O rádio brasileiro teve e ainda tem grandes locutores esportivos, cada um com a sua maneira impar de contagiar a torcida, mexer com o imaginário, fazer um lance ser mais bonito do que realmente é, despertar paixões, estilos inconfundíveis. Por tudo isso, fica aqui o nosso agradecimento a todos os narradores esportivos pelas emoções que passaram e ainda passam à nós através de suas transmissões, são momentos que jamais sairão de nossa memória, pois mesmo não estando lá no estádio, nos sentíamos presente, tal é a perfeição da narrativa. Nossos sinceros agradecimentos a todos os locutores esportivos que ainda estão entre nós e àqueles que já partiram.

NICOLAU TUMA – Locutor que transmitiu o primeiro jogo pelo rádio no Brasil
GAGLIANO NETO – O primeiro locutor a transmitir um jogo para todo o Brasil
ARI BARROSO – Um locutor apaixonado pelo Flamengo
REBELLO JUNIOR – O criador do Gol prolongado – Goooooool
RAUL LONGRAS – O criador do Pimba que era usado para definir o chute a gol

 

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