IPOJUCAN: um verdadeiro artista da bola

                 Ipojucan Lins de Araujo nasceu dia 3 de junho de 1926, na cidade de Maceió – AL. Era um meia atacante alto, esguio e magro e um craque acima da média. Seus malabarismos com a canhota encantavam os admiradores do futebol bem jogado. Era cheio de improvisos, toques refinados de pura genialidade e de notável habilidade. Jogou no Vasco de 1944 até 1954 e também na Portuguesa de Desportos, onde encerrou sua brilhante carreira. Também defendeu nossa seleção brasileira em oito oportunidades. Foi campeão Pan-Americano em 1952, realizado no Chile. Este foi o primeiro título internacional conquistado pela nossa seleção fora do Brasil. Com seus 1,90m de altura, era um terror para os zagueiros na hora dos escanteios e bolas alçadas na área, com isto marcou muitos gols de cabeça e ajudou o Vasco a conquistar vários títulos importantes, como o Campeonato Carioca de 1947, 1949 (invicto), 1950 e 1952.

VASCO DA GAMA

                Foi no bairro da Piedade que ele chamou a atenção de um dirigente do Ríver, que o convidou para jogar por lá. Mas ele não ficou muito tempo na equipe e logo se transferiu para o Canto do Rio. Seu destino, no entanto, tinha um endereço: o Vasco da Gama, onde se consagrou como um dos maiores artilheiros da equipe cruzmaltina, com 225 gols em 413 jogos, entre 1944 e 1954, tornando-se o quarto maior artilheiro da história do Vasco. Chegou em São Januário ainda menino para jogar no juvenil, com apenas 11 anos. Em 1945, ainda no juvenil, fez parte do invencível grupo vascaíno que ganhou o Campeonato Carioca. Foi uma das peças principais das conquistas estaduais de 1949 (o Vasco foi campeão invicto), 1950, 1952 e Torneio de Clubes Campeões Sul-Americanos em 1948.

               Ipojucan integrou o Expressinho Cruzmaltino desde 1946 e assumiu a posição de titular absoluto a partir de 1949. Atuou como médio e até centroavante, mas sua posição era na verdade meia-armador. Mesmo sendo muito alto, com 1,90m, tinha uma habilidade notável e uma técnica invejável, mas às vezes, ficava meio disperso em campo… Fazia parte do elenco campeão Sul-Americano em 1948, apesar de não ter viajado com a delegação. Esteve presente nas conquistas do Quadrangular Internacional do Rio, no Torneio de Santiago no Chile e no Rivadávia Correia Meyer.”

               Em 1949, o Vasco sagrou-se campeão carioca de forma invicta e com isto ficou sendo a base para nossa seleção no mundial de 1950. Em 49 o Vasco contou com a presença de Heleno de Freitas no comando do ataque. Se o time já havia assustado as defesas adversárias com goleadas históricas, nesse ano os goleiros perderiam a conta do número de vezes que buscariam a bola no fundo da rede. Foram 84 gols em apenas 20 jogos, um recorde. E mais um título invicto, ainda sob o comando de Flávio Costa.

               O rival Flamengo, que desde 1944 não ganhava do Vasco, voltou a sofrer com o Expresso. No jogo da final, os rubro-negros chegaram a fazer 2×0 no placar, em plena Gávea. Eufóricos, os flamenguistas davam como certa a vitória. No fim da partida, o placar anunciava 5×2 para os cruzmaltinos, para desespero do adversário. A equipe vascaína naquele ano era formada por; Barbosa, Augusto, Eli, Jorge e Sampaio; Danilo e Maneca; Heleno de Freitas, Ipojucan, Ademir de Menezes e Mário.

               Muitos diziam que Ipojucan sumia durante alguns jogos. Na final do campeonato estadual de 1950, isso literalmente aconteceu e ele levou uma dura do treinador vascaíno, o falecido Flávio Costa. Em uma entrevista à Folha de São Paulo em 1995, o ex-treinador, então com 88 anos, lembrou-se com detalhes daquele episódio que marcou a carreira do jogador. “O Ipojucan era um artista com a bola. Driblou a defesa toda do América e apenas levantou a bola para a mão do goleiro. Quis colocar e pegou mal.

               O Ipojucan colocou a mão na cabeça, atordoado. O jogo estava 1 a 1 naquele momento e assim terminou a primeira etapa. Os jogadores, então, voltaram ao campo. Eu fiquei para tomar um cafezinho. Na boca do túnel do Maracanã, vi que o Ipojucan não queria voltar. Mandei o Augusto, capitão do time, avisar o juiz que o Ipojucan voltaria depois. Naquele tempo se proibia substituição. Pensei que o Ipojucan quisesse vomitar, coisa assim. Mas vi que ele estava deitado no chão do vestiário. E eu, disputando o campeonato.

               O que o técnico poderia fazer? Dei duas bolachas nele. “O seu filho de uma… E Ipojucan voltou na marra. Saí atrás e ele correu pelo corredor. O corredor vai dar no campo. O Ipojucan entrou no campo. Depois, por todo o segundo tempo, ele ficou me olhando. Ipojucan deu o passe para o Ademir fazer o gol e ganhamos o campeonato”, concluiu.

               Também o craque Vavá, ex-centroavante do Vasco e bicampeão mundial com a seleção brasileira em 1958 e 62, levou consigo boas recordações do companheiro, que, com seus toques leves, curtos e sutis, sempre ajudava na consagração dos craques de ataque. Vavá, falecido em 2001, nunca se esqueceu de que foi Ipojucan quem o ajudou a se firmar no time vascaino em 1953, quando vinha das categorias de base. Na ocasião, o Vasco venceu o Bangu por 4 a 1, com um dos gols de Vavá. “Eu era juvenil, fã daqueles jogadores. Jogar com eles foi muito importante na minha vida, para minha carreira.

                No gol da vitória, Ipojucan deu um passe daqueles que só ele sabia dar e me deixou na cara do gol. Mal chegou ao pé dele, a bola já estava à minha frente. Chutei no embalo e marquei. Foi um jogo duro, o Bangu tinha um bom time e valorizou ainda mais nossa vitória”, recordou-se Vavá. Ipojucan não era o principal artilheiro do Vasco, mas fazia seus gols… No Campeonato Carioca de 1949 marcou 12 gols, em 1950 voltou a marcar 12 gols e em 1952 marcou 8 gols.

PORTUGUESA DE DESPORTOS

                Depois de conquistar cinco títulos pelo Vasco da Gama, Ipojucan foi jogar na Portuguesa. Chegou ao Canindé no final de 1954 e seu primeiro clássico com a camisa da Lusa foi contra o Corinthians no dia 9 de janeiro de 1955 pelo segundo turno do Campeonato Paulista. Neste dia a Portuguesa jogou com; Lindolfo, Djalma Santos, Nena, Ceci e Floriano; Brandãozinho e Edmur; Julinho Botelho, Osvaldinho, Ipojucan e Ortega. O técnico era Zezé Procópio. Já o técnico Osvaldo Brandão mandou a campo os seguintes jogadores; Gilmar, Olavo, Homero, Goiano e Alan; Roberto Belangero e Rafael; Cláudio, Luizinho, Baltazar e Nonô.

                O jogo terminou com a vitória corintiana por 1 a 0, gol de Rafael aos 9 minutos do segundo tempo. Vale lembrar que menos de um mês depois, o Corinthians sagrava-se campeão paulista daquele ano. Ainda neste ano de 55, mais precisamente no dia 14 de abril, Portuguesa e Corinthians fizeram um jogo sensacional pelo Torneio Rio-São Paulo, onde tivemos 10 gols, sendo 5 para cada lado.

                Ipojucan gostava da noite, e isso ajudou a encurtar sua carreira de puro talento. Talvez sua carreira fosse mais bem-sucedida, se levasse a sério a sua condição de atleta, pois adorava uma noitada, pelo menos, no seu tempo de solteiro. Da época do Expressinho do Vasco da Gama, teve um jogo em que o Ipojucan, depois de fazer um gol no Castilho (Fluminense), abriu os braços no meio de campo e caiu na gargalhada. Ele era assim mesmo, irreverente. Se tivesse mais cabeça, teria ido mais longe no futebol porque era um grande craque. Encerrou a carreira na Portuguesa de Desportos e chegou a vestir a camisa da Seleção Brasileira oito vezes. Na ocasião, ganhou até a concessão de uma casa lotérica do então presidente da República, general Ernesto Geisel.

MALABARISTA

               Segundo o craque Nilton Santos, Ipojucan foi o único a merecer comparação com Pelé, em matéria de intimidade com a bola. Mas não era só com a bola. Nilton Santos contou que, na concentração da Seleção Brasileira, ele e Ipojucan jogavam sinuca e o giz quebrou na hora em que marcava seus pontos no quadro. O próprio Nilton aparou o giz com os pés, fez uma embaixada, passando-o para Ipojucan, que deu início a uma série de malabarismos usando os dois pés, o calcanhar, a cabeça, o ombro, todas as partes do corpo onde o objeto caía. Tudo isso, durante intermináveis minutos. Se Ipojucan jogasse no tempo em que a TV já gravasse em videoteipe, seu futebol mereceria uma câmera exclusiva para acompanhá-lo em campo e gravar para a posteridade, alguns dos momentos mais maravilhosos da arte de jogar futebol.

               Segundo o também falecido Servílio de Jesus Filho, o grande Servílio da Lusa, do Palmeiras e da Seleção Brasileira de 66, ninguém fazia com a bola o que Ipojucan conseguia. “Ele foi meu técnico nos juniores da Portuguesa e mesmo tendo conhecido e jogado com o gênio Ademir da Guia, digo sem medo de errar que Ipojucan foi o jogador mais hábil que vi na vida. E olha que ele já era aposentado, quando nos ensinava a tocar na bola”, frisava Servilio.

               O alagoano Ipojucan Lins de Araújo, grande meia-armador do Vasco da Gama e da Portuguesa, morreu de complicações renais em São Paulo, no dia 19 de junho de 1978, com apenas 52 anos de idade e deixou dois filhos. A primogênita Rita de Cássia Lins Araújo lembra que o pai era um jogador apaixonado e fiel aos clubes que servia. Ele tinha amor à camisa e assinava contrato até em branco, diz orgulhosa. Ela conta que seu pai, que sofria de forte insuficiência renal, ganhou uma sobrevida de dez anos graças à doação de rim para transplante, operação inédita naquela época.

Seleção Paulista de 1955   –    Em pé: Djalma Santos, Alfredo Ramos, Roberto Belangero, Mauro Ramos de Oliveira, Gilmar e Bauer    –    Agachados: Maurinho, Ipojucan, Álvaro, Vasconcelos, Tite e o massagista Mário Américo
1951   –   Em pé: Barbosa, Eli, Bellini, Aldemar, Wilson e Jorge    –    Agachados: Friaça, Ipojucan, Ademir Meneses, Alvinho, Jansen e o massagista Mario Américo
Em pé: Djalma Santos, Brandãozinho, Cabeção, Nena, Hermínio e Ceci   –    Agachados: Zé Carlos, Zé Amaro, Ipojucan, Edmur e Lierte
Em pé: Mirim, Ernani, Haroldo, Jorge, Danilo Alvim e Augusto    –     Agachados: Sabará, Maneca, Ipojucan, Pinga, Chico e o massagista Mário Américo
1955   –   Em pé: Djalma Santos, Cabeção, Floriano, Nena, Brandãozinho e Zinho    –     Agachados: Julinho Botelho, Airton, Ipojucan, Edmur, Ortega e o massagista Mário Américo
Em pé: Mirim, Ernani, Haroldo, Jorge, Danilo e Augusto    –    Agachados: Sabará, Maneca, Ipojucan, Pinga e Chico
Em pé: Lindolfo, Djalma Santos, Ceci, Nena, Floriano e Brandãozinho   –    Agachados: Julinho Botelho, Zé Amaro, Ipojucan, Osvaldinho, Ortega e o massagista Mário Américo
Em pé: O segundo em pé é o goleiro Cabeção, seguido por Hermínio. O último é Zinho   –    Agachados: Amaral, Ipojucan, Ferreira, Edmur e Simão

 

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