RAMOS DELGADO: um argentino que virou santista

               José Manuel Ramos Delgado nasceu dia 26 de agosto de 1935, na província de Quilmes, em Buenos Aires – Argentina.  Nós brasileiros adoramos ter raiva de argentinos quando o assunto é futebol, porém para as pessoas que verdadeiramente amam e acompanham o futebol, esta questão é deixada de lado quando falamos de craques. Por mais que o tema seja polêmico, todo conhecedor do esporte reconhece que Maradona, Alfredo Di Stéfano, Figueroa e outros, foram jogadores extraordinários e que figuram entre os melhores do mundo de todos os tempos em suas posições. Pois bem, eis que em 1967 surge em Santos, Ramos Delgado, para ocupar a vaga deixada por outro Ramos, nada mais nada menos que Mauro Ramos de Oliveira. Aqueles que acompanhavam o futebol internacional sabiam que o Santos estava contratando  um  dos  maiores  zagueiros  da  época,  pois  a  esta altura,  Ramos Delgado já  havia disputado duas  Copas do Mundo  pela Argentina, em 1958 e 1962, além de ter participado das eliminatórias para a Copa de 1966, a qual não participou por estar contundido.

              Ainda garoto, havia chamado a atenção dos grandes clubes portenhos na metade da década de 50, quando despontou nas divisões de base do modesto Lanús, na Argentina, chegando ao profissional em 1956. Dois anos depois, aos 23 anos de idade, disputou a Copa da Suécia. Quando retornava para a Argentina, foi negociado com o River Plate, clube do seu coração. Por lá ele jogou durante sete anos, até 1965. No ano seguinte foi jogar no Banfield, outro clube argentino, onde permaneceu até 1967. Seria seu último ano antes da consagração em gramados brasileiros, pois neste mesmo ano, foi contratado pelo Santos F.C. Neste ano a equipe do Santos era assim formada; Cláudio, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel Camargo e Rildo; Clodoaldo e Bougleux; Wilson, Toninho Guerreiro, Pelé e Edu.

               Ao chegar ao Peixe, com a responsabilidade de convencer a exigente torcida de um clube que já possuía a chancela de bicampeão mundial, o experiente jogador (então com 32 anos) talvez não imaginasse que se tornaria um dos maiores zagueiros da história do clube. Mais que isso: um exemplo profissional intimamente ligado ao Santos, à cidade, e que desempenharia, em várias épocas, funções diferentes no clube que o consagraria. A torcida santista, com receio de que o time sentisse a saída do lendário Mauro Ramos de Oliveira (cuja aposentadoria se aproximava nos idos de 1966), logo se tranquilizou ao notar a presença de um novo “xerife” em campo. Ramos Delgado se notabilizou pela incrível capacidade de aliar a tradicional garra argentina a uma qualidade técnica indiscutível, mistura que lhe valeu o posto de titular do Peixe durante sete anos, além da braçadeira de capitão da equipe por todo o período.

               E já no seu primeiro ano na Vila Belmiro, sagrou-se campeão paulista ao vencer o São Paulo por 2 a 1. Nos dois anos seguintes, a dose se repetiu, ajudando Pelé e Cia. a conquistarem o Tricampeonato Paulista.  Logo nos primeiros jogos pelo time da Vila, Ramos Delgado mostrou todo seu futebol. Zagueiro forte e viril, ao melhor estilo argentino, associado a uma técnica, elegância e futebol refinado, logo conquistou a torcida santista. Líder nato pela postura e técnica, foi capitão do Santos durante sete anos que esteve na equipe, período que ganhou quatro títulos estaduais, um Torneio Roberto Gomes Pedrosa, uma Taça Cidade de São Paulo em 1970, além de uma interminável coleção de taças internacionais pelo alvinegro praiano.

               Sem falar na oportunidade única de jogar ao lado de astros mundiais, como Pelé, Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Coutinho, Lima, Pepe, Edu, Zito e Gilmar. E de conseguir, com seu jeito de ser, o respeito e a admiração de todos eles. Em 1972 teve a honra de participar de uma seleção que havia jogadores de toda parte do mundo. Após o título paulista de 1973 (aquele “dividido” com a Lusa, após erro grosseiro do árbitro Armando Marques), Ramos Delgado, já aos 39 anos, sentia que seu ciclo como atleta se aproximava do fim. Reconhecido internacionalmente, com participações em Mundiais e títulos importantes no currículo, além de trajetórias históricas em grandes clubes (sobretudo, Santos e River Plate), o guerreiro argentino se despediu da Vila Belmiro.

               Ramos Delgado jogou 364 partidas com a camisa do Santos e nesse período marcou um gol apenas. Sendo que nos anos de 1968 e 1969, foi o jogador do elenco santista que mais participou de jogos. Jogaria mais um ano na Portuguesa Santista, antes de anunciar a aposentadoria. Em pouco tempo, no entanto, perceberia que seu “adeus” ao Santos fora, na verdade, um carinhoso e grato “até breve”. Após parar a carreira como jogador, Ramos Delgado passou a ocupar cargos administrativos no Santos, iniciando pelos times de base e chegou ao cargo de Gerente de futebol sendo um tipo de faz tudo na Vila, depois foi morar em Buenos Aires.

              Mas não demorou quase nada para que Ramos Delgado voltasse ao palco em que conquistara praticamente todos os títulos da carreira. O primeiro retorno à Vila Belmiro aconteceu em 1976, apenas dois anos após a ida para a Briosa, e o novo cargo do ex-zagueiro era a direção das categorias de base do Peixe. Entre 1977 e 1978, Delgado foi “promovido” ao departamento de futebol profissional, mas a experiência como dirigente foi curta: o ex-craque optou pela carreira de treinador e aceitou convite do Belgrano, de Córdoba (Argentina).

              Foi também treinador de várias equipes do futebol argentino, entre 1978 e 1994, como River Plate, Gimnasia Y Esgrima, Estudiantes, Talleres, Quilmes, Platense, além do Universitário de Lima (Peru). Também foi diretor de futebol do Belgrano e do Santos, entre 1976 e 1978. Mas como o bom filho à casa retorna, em 1994, Ramos voltou a trabalhar no Santos. A íntima relação entre Ramos Delgado e Santos trouxe o ex-zagueiro, de novo, para a Vila Belmiro – e, desta vez, por meio de uma honrosa indicação de Pelé, seu ex-companheiro de equipe.

             Em 1994, em meio ao mandato de Samir Abdul-Hack na presidência do clube santista, o Rei do Futebol exercia grande influência política no Peixe (pela afinidade com o grupo que conduziu Samir ao poder). Pelé sugeriu ao então presidente do Santos que trouxesse Delgado de volta ao clube, para comandar todo o departamento amador e cuidar da “garotada” das categorias de base. Um ano depois, em março de 1995, o ex-zagueiro assumia o cargo. Com total autonomia e comandando a integração entre todos os setores do futebol amador do clube, Ramos Delgado deu início ao trabalho que, hoje, faz o Peixe colher frutos.

            Quando chegou à supervisão das categorias de base, o Santos encontrava dificuldades em revelar talentos; após sua passagem pelo cargo, o caminho para o sucesso atual foi trilhado – e, se hoje o torcedor brasileiro comemora o surgimento de Diego e Robinho, isso se deve, em grande parte, ao trabalho exercido por Ramos Delgado. Com a derrota de Samir Abdul-Hack, em 2000, Marcelo Teixeira assumiu a presidência do Santos. O grupo político ligado a Pelé, responsável pela volta de Ramos Delgado em 1995, perdeu força e o ex-zagueiro foi demitido do cargo de supervisor após cinco anos de atividades.

             Ramos Delgado, o “El Negro”, morou durante anos com sua esposa Telma, no bairro do Gonzaga, em Santos.  Com ela, teve três filhas (Marisa, a única legitimamente argentina, além de Ivana e Vanessa, ambas nascidas no Brasil). Autêntico “cidadão santista”, Ramos Delgado sempre teve a mesma garra que o marcou quando atleta. O moleque sonhador de Quilmes, província de Buenos Aires, se transformou num simpático senhor do Gonzaga. O fanático torcedor do River foi, também, um ilustre apaixonado pelo time de Pelé. E que sabe, até por experiência própria, que, a qualquer momento, poderia ser “convocado” para retornar ao clube que o velho e bondoso coração argentino aprendeu a amar.

            Em minha opinião, Ramos Delgado figura certamente entre os melhores zagueiros que vi ou assisti jogarem. Lembro-me de um jogo da seleção paulista em 1968 que tinha na zaga nada mais nada menos que: Carlos Alberto, Ramos Delgado, Roberto Dias e Rildo. Que zaga, provavelmente uma das melhores que pude ver em toda minha vida. E só para matar a saudade, o goleiro era Leão.  O meio de campo era formado por Dudu, Ademir da Guia e Rivelino e no ataque tinha Ivair, Pelé e Edu. Não que eu seja saudosista, mas quem viu estes jogadores desfilarem pelos gramados, tem vontade de chorar ao ver os jogadores de hoje.  Ramos Delgado alem de tudo foi um grande profissional, não apenas um craque, e mostrou que mesmo naquela época, com disciplina e dedicação, um atleta poderia competir em alto rendimento tático e técnico até seus 39 quase 40 anos.

              Jogou pela Seleção Argentina durante 11 anos, sempre como titular absoluto. Entre 1954 e 1957, atuou pela seleção juvenil. Já como profissional, disputou as Copas do Mundo de 1958, na Suécia, e 1962, no Chile, além das eliminatórias sul-americanas para a Copa de 1966, na Inglaterra. Nesse período ajudou os hermanos a conquistar a Copa das Nações em 1964. Com suas características marcantes, força, garra e determinação, Ramos Delgado era o “xerife” do Santos, que lhe rendeu a braçadeira de capitão durante sete anos. Ramos Delgado faleceu dia 3 de dezembro de 2010.

Em pé: Carlos Alberto, Ramos Delgado, Clodoaldo, Geraldino, Cláudio e Joel    –   Agachados: Jorginho, Lima, Toninho Guerreiro, Douglas e Edu
Em pé: Carlos Alberto, Cláudio, Ramos Delgado, Clodoaldo, Joel e Rildo    –    Agachados: Toninho Guerreiro, Lima, Douglas, Pelé e Edu
Em pé: Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias, Cláudio, Clodoaldo e Rildo     –    Agachados: Toninho Guerreiro, Negreiros, Edu, Pelé e Abel
Em pé: Carlos Alberto,Ramos Delgado, Marçal, Clodoaldo, Cláudio e Rildo    –   Agachados: Edu, Lima, Toninho Guerreiro, Pelé e Abel

 

    

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