MÃO DE ONÇA: goleiro que sofreu o gol mais bonito de Pelé

                  Durval de Moraes nasceu dia 2 de junho de 1931, na cidade de Itu – SP. Ficou famoso depois que sofreu o gol mais bonito que Pelé marcou em toda sua carreira. No meio futebolístico era conhecido por “Mão de Onça”. Com quem ele conversa é obrigado a contar a mesma história, mesmo já tendo passado mais de meio século, pois tudo aconteceu dia 2 de agosto de 1959, um dia que entrou para a história do futebol, quando Pelé marcou o gol que ainda hoje é lembrado e comentado. Pelé marcou 1.281 gols em toda sua carreira, mas poucos são lembrados pelo povo brasileiro e este que Mão de Onça sofreu é um deles.

                  Hoje o ex-goleiro está viúvo e aposentado. Atualmente reside em São Paulo, onde dedica praticamente seu tempo todo pregando em igrejas do movimento religioso Testemunha de Jeová. Segundo sua família, sua maior alegria é passar o bem com base nos ensinamentos da Bíblia. Mas não deixou de gostar de futebol e fica muito orgulhoso quando alguém o reconhece e lhe pede para contar sobre aquele gol de Pelé.

JUVENTUS

                  Mão de Onça começou sua carreira aos 15 anos de idade no amador do Primavera F.C., da cidade de Indaiatuba, interior de São Paulo. Depois ingressou no antigo Clube Atlético Ituano, que não é o Ituano que sagrou-se campeão paulista de 2014. Após breve passagem por São Paulo e Atlético Mineiro, encontrou o seu porto seguro no Clube Atlético Juventus, da Moóca, onde jogou por muitos anos e ainda hoje é muito querido pela torcida juventina.

                  Aos 28 anos Mão de Onça era o goleiro titular do Juventus. Dia 24 de maio de 1959 teve início o Campeonato Paulista. Santos e Palmeiras eram os favoritos ao título, pois montaram equipes extraordinárias. Dos 22 jogadores, 13 já haviam vestido a camisa da seleção brasileira. Quem teve a felicidade de ver aqueles monstros sagrados jogarem, pode dizer que é um privilegiado, pois eram jogadores de alto nível, coisa que nos dias de hoje não vemos mais. Quanto ao Juventus, era uma equipe modesta, porem com jogadores de qualidade, no entanto ficou em 10º lugar na competição.

                  Fez sua estreia perdendo para a Ferroviária por 3 a 0, depois se redimiu e venceu o Taubaté por 4 a 0. Até que chegou o dia 2 de agosto de 1959, e a tabela do Campeonato Paulista, marcava para este dia o jogo entre C. A. Juventus X Santos F. C. na Rua Javari, pela sétima rodada do primeiro turno. Era um domingo a tarde e o jogo começou às quinze horas, porque o estádio da Rua Javari nunca teve iluminação própria e lá os jogos precisavam terminar antes que escurecesse. Com a presença de Pelé em campo, já era esperado um grande público, o que se confirmou.

                  O técnico santista Luiz Alonso Peres, o popular Lula, mandou a campo neste dia os seguintes jogadores: Manga, Ramiro, Pavão, Mourão e Formiga; Zito e Jair da Rosa Pinto; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Enquanto que o técnico do Moleque Travesso, o ex-craque Bauer, escalou os seguintes jogadores: Mão de Onça, Julinho, Homero, Pando e Clovis; Lima e Cássio; Lanzoninho, Zeola, Buzzone e Rodrigues.

                 O Peixe já vencia o Moleque Travesso por 3 a 0, mas a torcida juventina insistia em pegar no pé do camisa 10 santista, tentando, inibi-lo com vaias e palavrões. Realmente Pelé naquele dia não estava jogando bem, fazia uma partida lenta, apesar de já ter feito dois gols até aquele momento. A torcida então começou a provocá-lo com vários xingamentos e gozações. De repente, Pelé olha para a torcida do Juventus e faz um sinal como quem pede para esperar, foi como despertar uma fera, logo depois saiu o magnífico gol, aquela obra de arte que somente um Rei é capaz de fazer.

O GOL MAIS BONITO DE PELÉ

                 Já eram transcorridos 36 minutos da etapa final, quando Pelé recebe a bola da ponta direita passada por Dorval. Na entrada da área ele se livra da marcação de Julinho jogando a bola sobre ele e corre para pegá-la mais a frente, fazendo uma jogada que ficou conhecida como “chapéu”. Pelé prossegue com ela, em seguida vem Homero a quem dá outro chapéu e segue com a pelota na direção de Clóvis a quem também dá outro chapéu, até ficar frente à frente com o goleiro Mão de Onça, que também leva um chapéu e só tem tempo de olhar pra trás e ver Pelé com absoluta tranquilidade, esperar a descida da bola para com uma cabeçada, segura e bem calculada, enviá-la ao fundo das redes. Foi de tal forma sensacional o gol, que os jogadores do Juventus foram cumprimentar o atacante santista.

                Em seguida vieram os aplausos da torcida juventina, porque todos perceberam que algo extraordinário havia acontecido. Era um gol fora do comum, uma verdadeira obra de arte que nunca mais se repetiria. Segundo a própria avaliação de Pelé, este foi o gol mais bonito de toda sua carreira. Foi uma sequência de quatro chapéus sem deixar a bola cair. O goleiro foi o último a ser chapelado. Pelé não esquece a cena em que logo após marcar o gol, partiu para cima da torcida do Juventus dando soco no ar e xingando os caras dizendo “vaiem agora seus f.d.p.”  E assim nasceu o famoso “soco no ar”, uma marca registrada de Pelé nas comemorações de seus gols.

                 O fato teve um lado até engraçado. Tinha chovido bastante de manhã e havia uma poça d’água na pequena área. O goleiro Mão de Onça pegou só barro. Ele ficou com a cara sobre a lama. E a torcida?, pensam que fizeram algum quebra quebra como fazem hoje, não, o estádio inteiro, amigos e inimigos de pé, aplaudiram e gritaram o nome de Pelé por quase 10 minutos, só digo que quando Messi conseguir fazer isso, ele vai estar chegando perto de Pelé.

                 O goleiro Mão de Onça descreveu o lance “Eu gritei para o Julinho: “Olha o Cão, atenção!”. Eu chamava o Pelé de Cão… Pensei que o Julinho ia cortar de cabeça, mas o Pelé matou no peito, tirou a bola, já o encobriu… Depois foram os outros. Fiquei por último… Quando eu levantei, com a bola lá dentro, o Rei comemorando, aquela gritaria toda no estádio, o Clóvis estava debaixo do gol. Se jogou lá, tentando tirar a bola. Olhei para ele e disse: “Pô, como é que pode esse cara meter um gol assim, dessa maneira?” Ele me respondeu: “Esse aí é o diabo em forma de gente!”.

                 O Julinho ainda falou: “A bola estava no meu peito. Quando vi, sumiu!”  Segundo o goleiro Mão de Onça, um fato curioso aconteceu: enquanto discutiam sobre o gol, o ponta do Juventus, Rodrigues, que estava deslocado como lateral-esquerdo, voltou gritando para toda a defesa. “Este é o gol mais bonito que já vi! Por que vocês estão tão brabos? Têm é que abraçar o Pelé. Então, vai lá você abraçar” – respondeu o goleiro, ainda inconformado com o lance genial. Para piorar a situação, Mão de Onça estava todo sujo de lama. Havia uma poça ali na área por causa das chuvas daquela manhã.

                O arqueiro contava com ela como aliada para parar a bola… “Naquela fração de segundo, pensei em mil e uma coisas. Ameaço que vou e não vou? Bola de poça d´água não pula… Minha ansiedade foi senti-la na água. Mas não chegou. Ele a tirou antes e me deu o chapéu. Pelé pensava muito rápido. E fui para a água, com barro e tudo” – completou Mão de Onça. Com ou sem barro, Mão de Onça, único daquela defesa do Juventus ainda vivo, foi um dos goleiros que mais sofreram com o Rei.

               Na época, aquele dinheiro do bicho fez falta para Mão de Onça, que jogou até os 37 anos. Hoje, o ex-goleiro vive da aposentadoria depois de ter trabalhado numa firma de dedetização e como servente de pedreiro na USP. Com três casas alugadas em Itu, vive no Grajaú, em São Paulo. Quando está com “a grande família espiritual”, nas Testemunhas de Jeová, Durval de Moraes vira e mexe é alvo das gozações dos mais jovens quando fala sobre os duelos com o Rei Pelé. Tudo com o maior respeito. “É bom sempre ser lembrado. Os santistas na Congregação brincam muito, e conto para eles as histórias. Acho engraçado hoje quando comparam alguns jogadores com o Pelé. As pessoas falam essas coisas porque nunca jogaram contra ele. Você já viu alguém fazer tabela com a canela do adversário?”

                Viúvo de 87 anos, pai de nove filhos, avô de 17 netos, bisavô de 10 bisnetos. Em 2012 foi homenageado pela Câmara Municipal de Itú. Seu filho Oscar foi quem compareceu à cerimônia de entrega do Diploma e Medalha Zumbi dos Palmares, oferecido anualmente na semana da Consciência Negra. O pai, hoje com 82 anos, está com problemas de saúde e impossibilitado de receber qualquer tipo de honraria pessoalmente. Durante a cerimônia Oscar falou sobre a reação do pai ao ser informado sobre a homenagem que receberia, analisou a posição do negro no Brasil atual e comentou o lance que tornou o pai famoso nacional e mundialmente.

                 Depois Oscar ainda falou que hoje seu pai é Testemunha de Jeová e quase não conversa sobre futebol, mas quando lhe perguntam sobre o gol que sofreu de Pelé, ele sempre diz “Quanto você pagaria para estar na rua Javari naquele 2 de agosto de 1959 e ver o mais bonito entre os 1.281 gols da carreira de Pelé? A obra mais linda do maior jogador de todos os tempos. Imagine então o prazer de ter jogado aquele jogo e ver o gol acontecendo ali, debaixo do seu nariz”.

               E quando Oscar começou a falar de seu pai, se emocionou e disse “com ele aprendi e continuo aprendendo os grandes ensinamentos da vida. Com ele aprendi que carinho respeito e dedicação se conquistam através de suas atitudes e respeito, principalmente das pessoas mais velhas, independentemente de sua opção religiosa e seus antepassados, pois para Jesus nosso Senhor maior, o importante na vida é rever suas atitudes, e seguir em frente com um novo propósito de vida. Respeito e consideração se conquista, não se cobra, afinal não saberemos o que nossos filhos irão cobrar da gente no futuro”. Ao fazer esta humilde homenagem ao ex-goleiro Mão de Onça, aproveito para homenagear a todos os goleiros do Brasil.

1959   –   Em pé: Riogo, Milton Buzzeto, Lima, Pando, Homero e Mão de Onça    –    Agachados: Amaral, Zeola, Orlando, Cássio e Torres
1959    –   Em pé: Diógenes, Riogo, Pando, Lima, Clóvis Nori, Mão de Onça e Elias Pássaro    –    Agachados: Amaral, Zeola, Orlando, Cássio e Torres
Em pé: Homero, Julinho, Mão de Onça, Clóvis Nori, Pando, Lima e Elias Pássaro   –    Agachados: Lanzoninho, Zeola, Buzzone, Cássio e Rodrigues Tatu
Em pé: Riogo, Clóvis Nori, Mão de Onça, Lima, Homero, Pando e Elias Pássaro   –    Agachados: Zeola, Palico, Buzzone, Cássio e Lanzoninho
Em pé: Nenê, Virgílio, Mão de Onça, Clóvis, Carlos e Sídnei    –    Agachados: Gijo, Alencar, Bira, Felício e Waldir
Conclusão do gol mais bonito da carreira de Pelé
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