PAULISTÃO de 1954

                 Dia 6 de fevereiro de 1955, Corinthians e Palmeiras decidiram um título que entrou para a história. Era a decisão do título do IV Centenário, um título que todos os clubes paulista sonhavam em conquista-lo, pois sabiam que ficaria marcado na história do clube. E foi na penúltima rodada do Campeonato Paulista de 1954, que tudo ficou definido, quando Corinthians e Palmeiras empataram em 1 a 1. Como ao alvinegro bastava um simples empate, após os 90 minutos de jogo, tudo ficou consumado; S. C. Corinthians Paulista foi proclamado o Campeão do IV Centenário.

UMA SEMANA ANTES

               Na semana que antecedeu a decisão, o Corinthians perdeu para o Santos por 4×1 na Vila Belmiro. Se tivesse ganho, teria conquistado o titulo com antecedência. Por isso, já na terça feira os jogadores corintianos, solteiros e casados, foram se concentrar no Horto Florestal. Alguns reclamaram. Depois entenderam que o objetivo de todos era conquistar o campeonato. Por isso, valia a pena qualquer sacrifício.  Nessa concentração, junto a um bosque de árvores frondosas, os atletas teriam a calma necessária para enfrentar uma decisão, longe da pressão dos torcedores. Para não tumultuar o ambiente, o técnico Osvaldo Brandão, proibiu que os jogadores lessem jornais ou ouvissem rádio. Em compensação, todos poderiam jogar baralho. Alguns filmes de faroeste seriam exibidos para os jogadores. Duas dúvidas tinha para a escalação do Corinthians, Idário e Goiano estavam contundidos, mas a garra e a vontade de jogarem superava tudo.

               Aymoré Moreira, técnico do Palmeiras, começou a semana com um problema. Valdemar Fiume, o experiente volante estava machucado e não tinha presença certa no clássico. Gérsio ou Tocafundo poderiam ser seu substituto. Aymoré preferiu aguardar até momentos antes da partida. O arbitro foi indicado de comum acordo. Esteban Marino, um uruguaio de maneiras delicadas, foi o escolhido. Na penúltima rodada do campeonato, o Corinthians estava na liderança com três pontos na frente do segundo colocado, que era justamente o Palmeiras. (Vale lembrar que naquela época, uma vitória valia 2 pontos), por isso mesmo, o Corinthians jogava pelo empate.

6 de FEVEREIRO de 1955

                O dia amanheceu ensolarado, desde cedo o movimento nas ruas era intenso. Carros e ônibus passavam lotados em direção ao Pacaembu, pois às 4 da tarde, Corinthians e Palmeiras iriam decidir o Campeonato Paulista e o vencedor seria o Campeão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, um título cobiçado por todos. Teve muita gente que dormiu na porta do Pacaembu para conseguir um lugar no dia do jogo. Às 13 horas, os jogadores do Corinthians deixaram a concentração e foram para o Pacaembu em carros do diretor Albino Lotito, do presidente Trindade e no Ford 53 do ponta direita Cláudio. O time estava escalado com Gilmar, Homero e Alan; Idário, Goiano e Roberto Belangero; Cláudio, Luizinho, Baltazar, Rafael e Simão. Um time individualmente tão bom quanto o Palmeiras, mas com muito mais raça. Nessas alturas, o estádio já estava lotado. Em menor número, a torcida do Palmeiras, ocupava um terço da lotação do Pacaembu e vibrava vendo seu time vencer o Corinthians por 3×1 no jogo de aspirantes. Os altos falantes anunciava o time do Palmeiras. Laércio, Manuelito e Cacão; Nilo, Valdemar Fiume e Dema; Liminha, Humberto, Nei, Jair da Rosa Pinto e Rodrigues. Para a maioria da imprensa paulista, um time que jogava certinho por seu estilo técnico.

               O estádio inteiro, a princípio com espanto e incredulidade, depois com vaias e aplausos, xingamentos e foguetes, viu entrar pelo túnel da esquerda a equipe do Palmeiras com estranhas e inexplicáveis camisas azuis. Para o presidente do Palmeiras, nem estranha nem inexplicáveis. O clube tinha inscrito na Federação Paulista duas camisas. A tradicional verde e o segundo padrão, azul. Para aquele jogo, a diretoria resolveu usar o azul. No entanto, depois ficou sabendo a verdadeira história daquelas camisas azuis. É que o presidente do Palmeiras estava atendendo uma ordem de um pai-de-santo, que também disse ao presidente do alviverde, Sr. Paschoal Byron Juliano gessar a perna esquerda e carregar uma bengala branca, com a qual benzeria o técnico Aymoré Moreira, dando dois toques em cada ombro, para deixá-lo com o corpo fechado. Por outro lado, nos vestiários corintianos, segundo seus jogadores, o presidente Alfredo Ignácio Trindade segurava um rosário nas mãos e andava de um lado para outro. Era um jogo muito aguardado.

PRIMEIRO TEMPO

               Nos primeiros minutos do jogo mais de cinqüenta mil corintianos estavam em silêncio. Gilmar fez duas grandes defesas. Jair e Humberto perderam dois gols considerados feitos. Ventava muito no estádio e a vantagem era do Corinthians que tinha o vento a seu favor. Com isso, melhorou seu futebol e passou a empurrar o Palmeiras para seu campo. E foi ainda aos 9 minutos do primeiro tempo que surgiu o gol do Corinthians. Cláudio cruzou a meia altura para a área do Palmeiras entre Waldemar Fiume e o goleiro Laércio. Rápido, o pequeno Luizinho entrou no meio dos dois e cabeceou para abrir a contagem. Antes de entrar, a bola ainda bateu na trave. O grito de gol de Luizinho foi afogado pelos corpos dos companheiros que começaram a pular em cima do artilheiro. Corinthians, Corinthians, berrava em êxtase a torcida enlouquecida, o velho Pacaembu virou uma loucura. Com aquela gana de vitória os corintianos não iriam permitir que os palmeirenses virassem o jogo. Bastava segurar Jair da Rosa Pinto, de quem nasciam todas as jogadas do Palmeiras. Goiano, com seu estilo característico, se encarregou disso. O Corinthians cuidou mais da defesa. Luizinho e Rafael recuaram um pouco. Cláudio ajudava a defesa e apenas Baltazar e Simão ficaram na frente. O primeiro tempo terminou com 1×0 para o Corinthians, sendo que Gilmar já era o melhor em campo, fazendo defesas sensacionais.

SEGUNDO TEMPO

               No segundo tempo, logo aos cinco minutos, Homero cometeu uma falta em Liminha perto da linha de fundo. Jair chutou com violência. A bola desviou em Idário, tirou Gilmar da jogada, e Nei se aproveitou e fez o gol palmeirense. Era o gol de empate e o jogo fica ainda mais nervoso. Apesar da pressão, o Corinthians se defendia com garra e muita raça. Gilmar se confirmava como o grande nome do jogo. Nei, Jair e Humberto bem que tentaram, mas Idário, Roberto e Goiano se defendiam como podiam. No final do jogo, Roberto Belangero lançou Rafael que ficou diante do goleiro do Palmeiras e perdeu a oportunidade. Logo depois, Humberto ainda teve a chance de fazer o segundo gol palmeirense, quando chegou na marca do pênalti, vê o canto e chuta. Gilmar defende a bola e não dá mais tempo para nada, o árbitro Esteban Marino apita o final da partida. Corinthians Campeão do IV Centenário.

A GRANDE FESTA

                 A torcida corintiana invadiu o gramado e carregou os jogadores, que tiveram seus uniformes rasgados e todos saíram de campo chorando. Como aqueles torcedores conseguiram não se sabe. Mas, em poucos instantes, dezenas, centenas, milhares de torcedores invadiram o gramado para comemorar o campeonato conquistado. O técnico Osvaldo Brandão, de terno e gravata, era carregado pela torcida. Empolgado, o presidente Alfredo Inácio Trindade, que chegou a passar mal, anunciava o prêmio pela conquista do campeonato: CR$ 150,00. Era muito dinheiro. Os “cobras” da equipe, Gilmar, Baltazar, Luizinho e Cláudio, ganhavam CR$ 23,00 por mês, enquanto o jovem Alan recebia apenas CR$ 9,00, e pagava de aluguel CR$ 4,00.

                A torcida corintiana é uma massa, uma religião, é uma torcida que você não explica como essa gente vibra com um time como o Corinthians. E foi aquela festa, desfile em carro de bombeiros pela cidade, só porque o Corinthians havia ganhado o campeonato. Daí foi uma loucura, porque, como todos sabem, o Corinthians é uma coisa impressionante. Era gente enchendo a cara e os donos de bares enchendo os cofres. São Paulo viveu uma noite de loucura com a torcida corintiana comemorando o titulo. Naquele domingo São Paulo se embriagou.

               Para fechar com chave de ouro esta conquista, no domingo seguinte o Corinthians enfrentou o São Paulo pela última rodada do campeonato. Embora fosse apenas para cumprir tabela, os jogadores corintianos entraram em campo com muita garra e determinação, sendo assim venceram a partida por 3 a 1, gols de Nonô, Luizinho e Cláudio, enquanto que para o Tricolor, marcou Negri de pênalti.

CURIOSIDADES

               O Campeonato Paulista de 1954, teve seu início dia 14 de agosto, com o Corinthians vencendo o Ypiranga por 1 a 0, gol de Luizinho. Por isso, o campeonato foi terminar somente em fevereiro de 1955. Disputaram 14 equipes e a campanha do Corinthians foi a seguinte: 26 jogos, 18 vitórias, 6 empates e 2 derrotas. Marcou 55 gols e sofreu 25. O artilheiro do Corinthians foi Luizinho com 14 gols. Durante todo o campeonato foram marcados 652 gols, sendo que o artilheiro foi Humberto, do Palmeiras com 36 gols. Este jogo entre Corinthians e Palmeiras foi o de nº 121 de toda a história entre os dois clubes e este foi também  o décimo quinto título estadual do Corinthians.

             Hoje se perguntarem para qualquer torcedor corintiano ou palmeirense qual foi a escalação das equipes que jogaram no último domingo, certamente não lembrarão, mas aquele jogo de mais de 50 anos atrás com certeza saberão, principalmente o torcedor corintiano, que jamais esquecerá aquele 6 de fevereiro de 1955.

CORINTHIANS CAMPEÃO PAULISTA DE 1954      –      Da esquerda p/direita: Gilmar, Rafael, Goiano, Homero, Idário, Alan, Nonô, Roberto Belangero, Simão, Luizinho, Cláudio e o técnico Oswaldo Brandão

               

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