A INVENCIBILIDADE MAIS LONGA DO NOSSO FUTEBOL

                            Para quem não sabe, o Recreativo Maria Zélia, foi um dos mais importantes times de futebol da várzea paulistana. Para se ter uma ideia, já jogou neste time; Nardo, Colombo, Roberto Belangero e Luizinho Pequeno Polegar. Todos eles jogavam juntos em 1944 até que fizeram um jogo contra o Corinthians e como venceram por 4×0, o presidente corintiano levou todos eles para o Parque São Jorge, onde fizeram uma brilhante carreira no time alvinegro. Quem também surgiu do Maria Zélia foi o elegante meia-esquerda Rafael, que jogaria no time principal corintiano a partir de 1953. No ano seguinte, Rafael, Roberto Belangero e Luizinho foram campeões do IV Centenário pelo Timão.

                            Mas voltemos a falar do Maria Zélia. Estávamos no ano de 1967 e o time não perdia desde 1962, estava com uma invencibilidade de 289 partidas, faltavam onze para completar trezentas. Uma festa começava a ser preparada, visando a comemoração das trezentas partidas invictas, fato, acho, inédito, no futebol. Era um domingo, Maria Zélia recebeu a visita do Clube Atlético Carrão, um simpático clube e que já teve como centroavante Cláudio, que depois jogou no São Paulo e que naquela oportunidade jogava no Fluminense.

                             Como Cláudio estava de folga aquela semana, veio passar alguns dias em São Paulo e aproveitou para rever seus velhos amigos da várzea. Foi aí que fizeram um convite para ir assistir o jogo que fariam contra o Maria Zélia, o que ele topou de cara. Chegando lá no campo, Cláudio encontrou um velho amigo que jogava no Maria Zélia. Papo vai, papo vem, este amigo perguntou se ele iria jogar pelo time do Carrão e ele disse que não, com medo de se machucar. Mas este seu amigo o incentivou a jogar, dizendo que a defesa do Maria Zélia só tinha jogadores técnicos e não gostavam de praticar o jogo violento. Com tanta insistência, Cláudio que era um fominha de bola, conversou com o pessoal do Carrão e acabou jogando aquela partida.

                               Começou o jogo e logo aos 5 minutos Maria Zélia abriu o marcador. Mas a festa durou pouco, pois aos 10 o Carrão empatou e assim terminou a primeira etapa. Iniciado o segundo tempo, jogo bem disputado, Nilton de Almeida assinalou o segundo tento do Maria Zélia, era outro craque de bola, não se compreende, até hoje, como não vingou num grande clube, conhecia mesmo, do jogo da bola, sabia lidar com a redonda, notável craque. Outro grande craque era o goleiro Marcílio do Maria Zélia, no entanto, numa infelicidade, ao arremessar a bola para frente com as mãos esta foi na direção do meia esquerda do Carrão que, ao amortecer no peito, dominou e jogou-a por cobertura, com muita categoria, empate 2×2. Coisas que acontecem no futebol.

                                Jogo continuava bem disputado. Faltando, aproximadamente, dez minutos para terminar, o lateral esquerdo do Maria Zélia ao tentar fintar o ponteiro do Carrão, perdeu a bola e cometeu falta, lance difícil de acontecer, mas aconteceu. Cobrada a falta, bola lançada para a área do Maria Zélia, Cláudio, centroavante do Carrão, aquele que jogou pela insistência do amigo, saltando com o goleiro Marcílio, resvala de cabeça e a bola vai mansamente para o fundo do gol, Carrão 3×2.

                               Começava a grande preocupação na gente do Maria Zélia. Jogo difícil, bem disputado, placar desfavorável, tempo passando. Time do Maria Zélia foi valente, lutou bravamente até o final. Faltando, aproximadamente, cinco minutos para o término da partida, houve uma falta favorável ao Maria Zélia, em cima da risca da área, quase dentro, lance que poderia, perfeitamente, principalmente na várzea, time com grande série invicta, final de jogo, ser marcada penalidade máxima. Mas não foi o que aconteceu, o árbitro foi justo mesmo sendo ameaçado pela torcida, marcou falta e não pênalti. Aumentava a tensão na notável Praça de Esportes do Maria Zélia, a primeira, na nossa gloriosa várzea, a ter campo de futebol iluminado em São Paulo. Campo este que foi utilizado por Mazzaropi no filme “O Corintiano”.

                               O tempo ia passando, se esgotando. Esgotado o tempo regulamentar, houve os acréscimos normais, até que José Cornelli, que fazia parte da Diretoria do Maria Zélia, trilou o seu apito, encerrando a partida, Clube Atlético Carrão 3 x 2 Recreativo Maria Zélia. Triste domingo para a Vila Maria Zélia, para o bairro do Belenzinho, Maria Zélia perdia sua longa invencibilidade, duzentas e oitenta e nove partidas invictas, faltavam onze para completar trezentas. Clube Atlético Carrão, o autor da grande proeza. A própria turma do Carrão não acreditava no que via. Até seus jogadores e torcedores ficaram tristes na hora. Foram embora, despedindo-se do pessoal do Maria Zélia como numa despedida de pêsames num enterro à família enlutada. Mas, fazer o que? Aconteceu, coisas do futebol, obra do destino que entrou para as histórias do nosso futebol.

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