AS VAIAS QUE SE TRANSFORMARAM EM APLAUSOS

Era 13 de maio de 1959. O Maracanã com mais de 160 mil torcedores reservava a maior vaia de todos os tempos. O público estava ansioso com a primeira apresentação da Seleção Brasileira no país depois da conquista de seu primeiro título mundial. E ainda era preciso tirar a invencibilidade da Inglaterra. A injustiça perante olhares brasileiros, a inconformada ausência do “Anjo de Pernas Tortas”, promoveria um palco de vaias que se transformariam em aplausos e notícia de capa de jornal no dia seguinte. Começava ali a lenda do vilão que virou mocinho, Júlio Botelho conhecido como Julinho, o substituto de nada mais nada menos que Mané Garrincha no amistoso entre Brasil e Inglaterra. Ao entrar no gramado e ser anunciado pelo locutor como o titular, Julinho recebeu vaia de toda torcida presente no estádio (protesto que estava sendo preparado há uma semana).

                    Se não fosse talvez um tropeço nas escadas que davam acesso ao gramado, tirando-lhe a atenção do que estava ocorrendo, Julinho teria desistido ali mesmo. A sua própria nação, seu berço de ouro, a torcida brasileira o recebia com muitas vaias, não era para ser ele o titular e sim Garrincha, o maior driblador da história do futebol. Julinho não poderia ficar em pé olhando para a gigantesca onda formada no Maracanã que reprovava sua entrada. Nem parecia Brasil x Inglaterra. De fato, era Julinho x Maracanã. Julinho precisava calar a torcida, fazer exatamente aquilo que seu companheiro Nilton Santos lhe disse: “Vai lá e faz eles engolirem essa vaia”. Talvez tivesse fechado os olhos e feito o pedido “Daí-me forças”. Julinho se sentiu forte, era o momento de deixar o Maracanã em silêncio. Neste dia o técnico Vicente Feola mandou a campo os seguintes jogadores; Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando (Formiga) e Nilton Santos; Dino Sani e Didi; Julinho Botelho, Henrique Frade, Pelé e Canhoteiro.

                    Ironia ou não, 5 minutos foi o bastante para Julinho, o vilão da noite, ser reverenciado como rei. Goooollllll!!!! O locutor e a torcida gritavam em pulos e não acreditando na injustiça cometida. Sim, era o primeiro gol do amistoso. Uma jogada de ponta direita, Julinho aproveitou e marcou o primeiro para o Brasil. Para a torcida, milagre do futebol tinha nome e se chamava Julinho. 10 minutos depois, o craque fez o passe do gol para Henrique marcar o segundo na vitória brasileira sobre a Inglaterra. Júlio 2 x 0 Maracanã. O Jornal Inglês, na manhã seguinte ao fato, estampava em suas páginas a seguinte manchete “O Brasil agora tem dois Garrinchas”.  Como já era esperada, a humildade em pessoa e jogador que era, falou mais alto “o povo apenas queria ver Garrincha jogar’’, respondeu Julinho sem se queixar das impiedosas vaias.

                    A pergunta final seria por que os brasileiros haviam “perdido a memória” e não recordavam quem era Julinho? Por que Julinho precisou relembrar o futebol que tinha nos pés e provar que estava preparado para ser titular no lugar de Garrincha? Realmente ele não poderia ter sido esquecido. Esse brilhante jogador que nasceu no dia 29 de julho de 1929 surgiu no Juventus em 1951, jogou na Portuguesa de Desportos de 1951 a 1955, mais tarde transferiu-se para Fiorentina, se tornou ídolo na Toscana até hoje, onde jogou de 1955 a 1959. Com saudades de casa, do seu verdadeiro país, Julinho voltou ao Brasil para jogar pelo Palmeiras a tempo de ser campeão paulista em 1959, batendo o Santos de Pelé. Ficou no alviverde até o encerramento de sua carreira, em 1967. No Palmeiras atingiu as marcas de 268 partidas e 81 gols.

                    Às vésperas do Mundial de 1962, o grande ponta comunicou ao técnico Aimoré Moreira que não tinha condições de participar da Copa do Chile. As dores no joelho antecipariam o fim da carreira. “Vá assim mesmo. Tua simples presença incentiva o grupo”, insistiu Aimoré. Ao que Julinho respondeu “Não posso prejudicar a seleção. Leve o menino Jair da Costa”, retrucou. Pela seleção brasileira, Julinho disputou 31 partidas e marcou 13 gols. Conquistou o Campeonato Pan-americano em 1952, o vice-campeonato sul-americano em 1953, disputou a Copa de 54, sendo eleito melhor jogador do torneio, e venceu a Copa Rocca de 1960. Ele foi sem dúvida um dos maiores pontas da história do futebol brasileiro. Em sua única aparição em Copa do Mundo, em 1954, foi considerado pela imprensa mundial daquela época um dos melhores jogadores da Copa. Em 1966 foi premiado como o melhor jogador  da história da Fiorentina. Como esquecê-lo? Julinho não foi apenas um homem de bigode e um tipo sério. Foi o injustiçado do campo de futebol. Embora seja lembrado por esse dia, ele deve ser lembrado como um ícone do futebol brasileiro. Vítima de ataque cardíaco, nosso herói morreu aos 73 anos em 2003. Mas ao longo de seus dias deixou claro que não esqueceu esse momento histórico vivido no Maracanã. Em umas das entrevistas, Julinho Botelho revelou; “Sempre escuto aquelas vaias. Cheguei a ter medo no vestiário. Chorei. No Hino, mal conseguia ver porque as lágrimas me deixavam cego”.

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