SÃO PAULO 4×1 SANTOS – Dia 15 de Agosto de 1963

                Era o dia 15 de agosto de 1963, quando Santos e São Paulo protagonizaram um espetáculo que até os dias de hoje é muito comentado, pois neste dia aconteceu algo inusitado, ou seja, o Santos fugiu de campo. O jogo era válido pelo Campeonato Paulista de 1963, o árbitro da partida era o até então desconhecido Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques e o estádio era o velho Pacaembu, que neste dia recebeu um grande público, com uma arrecadação de CR$ 19.950.000,00.

               Era o Campeonato Paulista de 1963, Santos e Palmeiras já abriam vantagem na tabela de classificação do torneio. O São Paulo fazia um campeonato morno, ocupando o meio da tabela. Mas chegou o dia de enfrentar o Santos. Os santistas esperavam uma goleada, em 1963 o time da baixada já era tricampeão paulista, bicampeão da Taça Brasil, campeão do Torneio Rio-São Paulo, da Libertadores da América e do Mundial Interclubes.

               Havia no clube do Morumbi, guardado na memória, a lembrança viva do último jogo entre os dois times no dia 7 de março daquele mesmo ano pelo Rio-São Paulo, quando o Santos venceu o São Paulo por 6×2, a maior goleada imposta pelo rival em toda história do clássico. Para este jogo válido pelo Paulistão de 1963, estava previsto para o Pacaembu, numa quinta-feira à tarde. A data e o horário, incomuns para um clássico dessa proporção, não afugentou o público. Pelo contrário. Sessenta mil pagantes se acotovelaram no estádio municipal para presenciar o espetáculo. Os santistas, confiantes, querendo uma goleada ainda maior. Os são-paulinos, temerosos, esperando que o time pelos menos honrasse a camisa, independentemente do placar final, foram para a batalha.

               Em 1963, o Santos era um dos melhores times do mundo, dono de um plantel que dava inveja aos outros times, ganhar dessa equipe era motivo de satisfação. Nessa época as excursões ao exterior era fonte de maior receita, e não era raro a equipe santista entrar com o campeonato já em andamento. Mas aquele fatídico 15 de agosto ficaria marcado na história do futebol como o “jogo dos fujões” e até hoje é lembrado por muitos são-paulinos e que muitos santistas gostariam de esquecer.

              A equipe Tricolor era muito boa e contava com Pagão que durante muitos anos havia jogado na equipe de Vila Belmiro e guardava certa mágoa da equipe praiana por ter sido preterido. O “canela de vidro” apelido maldoso que a imprensa da época lhe deu, prometia “arrebentar” nesse jogo. Na época o regulamento não previa substituição e se um jogador se machucasse, a equipe ficava com 10 elementos. Para este jogo o técnico santista Luiz Alonso Perez, o Lula,  mandou à campo os seguintes jogadores;  Gilmar; Aparecido, Mauro, Geraldino e Dalmo; Zito e Lima; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Realmente um time que impunha respeito a qualquer adversário. Do outro lado, o técnico Osvaldo Brandão escalou a seguinte equipe; Suly, Deleu, Jurandir, Bellini e Ilzo Neri; Roberto Dias e Benê; Faustino, Cecílio Martinez, Pagão e Sabino.

PRIMEIRO TEMPO

               Santos e São Paulo vinham apresentando um jogo equilibrado privilegiando as jogadas ofensivas. Mas naquele dia Pelé vinha se estranhando com o árbitro Armando Marques devido à eficiente marcação de Dias que irritava o “Rei”. Aos 5 minutos, Faustino recebe de Cecílio Martinez, penetra da direita para o meio, passa por dois zagueiros, se aproxima da entrada da área e chuta rasteiro, no canto de Gilmar, uma pintura: 1×0 São Paulo. O Santos que possuía um grande time não se entregou e foi em busca do empate. Ferido, o Santos foi para cima e Pelé, referência absoluta dos praianos, era incansavelmente marcado pelo pequenino Dias. O Rei não aguentava tamanha “perseguição”. O gol de empate santista veio aos 21 minutos, após cruzamento de Dorval, Pelé sobe mais alto que a zaga e empata de cabeça, 1×1. O jogo estava muito equilibrado e Pelé continuava muito irritado com o árbitro Armando Marques. Aos 37 minutos, Pagão inicia uma linda e envolvente tabela com Benê, que, livre diante do goleiro, toca para as redes, 2×1. Três minutos depois, o ponta esquerda Sabino, um ata­cante que tinha vindo em 1961 da In­ter­na­ci­onal de Be­be­douro, onde era conhecido pelo ape­lido de Pelé de Be­be­douro recebe um passe de Cecílio Martinez e aumenta o placar para 3 a 1. Aliás, Sabino era na época apelidado de Pelé II, pela grande semelhança (física) com o Rei.

               Logo após o gol tricolor, começa a confusão: é que o árbitro Armando Marques havia validado o gol do São Paulo mesmo com o bandeirinha tendo assinalado impedimento. Coin­ci­dência ou não, duas se­manas antes o Santos tinha feito um pro­testo na Fe­de­ração Pau­lista, ale­gando que Ar­man­dinho es­taria sendo tendencioso. Os santistas o cercam e protestam contra a validação do gol. Pelé que já estava bastante irritado com o árbitro, foi reclamar alegando irregularidade no gol são-paulino. Armando Marques o advertiu, mas Pelé continuou reclamando.

              E foi aí que o árbitro o expulsou de campo alegando agressões verbais. Foi aquele alvoroço no campo, todos os jogadores do Santos partiram para cima do árbitro. O cen­tro­a­vante san­tista Cou­tinho re­solveu peitar o ár­bitro: “Satisfeito, ‘Flor­zinha’?” Foi ex­pulso no ato. “Eu o chamei pelo nome e falei: ‘Pode ir em­bora, seu Ho­nório.’”, disse Ar­mando em en­tre­vista à Re­vista Ofi­cial do São Paulo em 2010. Pelé, ges­ti­cu­lando bas­tante, também foi re­clamar. Na mesma en­tre­vista, Ar­mando também lembra o que disse para o Rei: “Edson, o se­nhor está ex­pulso. Retire-se.” Na época o car­tão ver­melho e o ama­relo ainda não ti­nham sido in­ven­tados, e o juiz apenas si­na­li­zava as expulsões. Com a situação controlada, foram jogados os minutos que faltavam e o árbitro apitou o final do primeiro tempo com a vitória parcial do Tricolor por 3 a 1.

               Na saída de campo, Pelé estava indignado: “Quero que um avião caia sobre minha cabeça e de meus familiares se eu fiz alguma coisa!”, esbravejava. Não adiantaram as desculpas, o Santos teria que voltar para o segundo tempo com apenas nove jogadores. No intervalo, Oswaldo Brandão, técnico do São Paulo, sentenciou: “Este jogo não vai acabar. O Dr. Nélson Consentino (médico do Santos) já me disse que vão melar o jogo”. E foi o que aconteceu. Com a vantagem de 3×1 no marcador, 11 contra 9 em campo e com mais 45 minutos de tempo pela frente, a chance de o São Paulo aplicar uma estrondosa goleada no Santos era enorme. Não uma sova qualquer, de 5 ou 6, mas um massacre de 8 ou 9, que poderia virar manchete no mundo todo, justamente no momento em que o Peixe começava a se destacar internacionalmente. Seria um escândalo !

               No intervalo, nas arquibancadas e sociais do Pacaembu, o comentário geral era de que o Santos não voltaria para o segundo tempo, com receio do vexame que certamente viria, o Santos iria melar aquela partida. Apreensão entre os torcedores: o Santos retornaria a campo ou não? Sim, eles voltaram, porém com oito e não nove jogadores, pois o lateral Aparecido, que tinha estreado naquela noite, misteriosamente “contundiu-se no vestiário”, e naquela época não eram permitidas substituições. O jogo recomeçou, mas a farsa já estava montada.

SEGUNDO TEMPO

               Ao retornarem ao gramado para a segunda etapa, o Santos que já havia perdido Pelé e Coutinho por expulsão e o lateral Aparecido por contusão, o Peixe voltou a campo com apenas 8 jogadores. Armando Marques apita o início do segundo tempo. Logo aos 4 minutos de jogo, começou então o “cai-cai”. Pepe tem uma trivial trombada com o zagueiro Bellini e se joga no chão, mortalmente ferido. O médico santista o atende e diz que não tem mais condições de continuar jogando. Santos com 7 jogadores, ou seja, o mínimo permitido numa partida de futebol. E assim a fuga ia se caracterizando.

               Para coroar sua atuação naquele dia, aos 7 minutos, Dias domina uma bola pela direita, vê Pagão correndo pelo meio e dá um magistral lançamento a Pagão que fazia sua estreia na equipe Tricolor após deixar o Santos. Pagão recebe a bola e chuta contra as redes praianas, 4×1. Agora não tinha jeito, era o indecente cai-cai ou a derrota estratosférica. Assim que o árbitro apitou o reinício da partida, o ponta direita Dorval, também desabou em campo. Novamente entrou em campo o médico santista e mais uma vez disse que o jogador não tinha condição de continuar a partida. Como a regra é clara, segundo o ex-árbitro Arnaldo Cézar Coelho, a partida teve que ser encerrada aos 11 minutos da etapa complementar por falta de jogadores da equipe santista, que naquele momento contava com apenas 6 homens em campo.  Com isto, o Santos evitava uma goleada histórica, mas não o vexame de fugir de campo. A manchete do jornal A Gazeta Esportiva do dia seguinte foi “Santos fugiu do campo!”.

               O Santos foi bem sucedido no seu intento, não levaram a estrepitante surra que tanto temiam. Escolheram pela perda da dignidade, e isso custou caro: quatro dias depois, Pelé, pela primeira e única vez na sua carreira, anunciou, abatido, que estava pensando seriamente em deixar o País, e que qualquer proposta do exterior seria avaliada. Os santistas ficaram tão abalados com a derrota que terminaram o Paulistão na modesta terceira colocação, oito pontos atrás do seu algoz tricolor.

               A tarde de 15 de agosto de 1963, uma quinta-feira, acabou entrando para a eternidade, principalmente pela façanha dos 11 heróis tricolores diante da máquina de jogar bola, chamada Santos, de Pelé & Cia. Talvez o melhor de todos os tempos. E esse Santos, que era o atual campeão mundial de clubes (que viria a ser bi naquele mesmo ano), dava como favas contadas o clássico diante do fraco São Paulo. A equipe santista era notável. Contava com craques do nível do goleiro Gilmar (bicampeão do mundo pela Seleção), do zagueiro Mauro Ramos (ex-São Paulo e também bi pelo Brasil), do volante Zito (outro bi-mundial) e dos atacantes Coutinho, Pelé e Pepe, que dispensam maiores comentários. Já o São Paulo era um time modesto, mas contava com atletas de um quilate de Pagão, Bellini (capitão da Copa de 58) e Roberto Dias, um dos maiores zagueiros da nossa história. E assim foi mais um jogo que entrou para a história do nosso futebol.

 

SANTOS FUTEBOL CLUBE – 1963      –     Em pé: Carlos Alberto, Geraldino, Zito, Orlando, Gilmar e Mauro      –     Agachados: Peixiinho, Lima, Coutinho, Pelé e Pépe
SÃO PAULO F.C. EM 1963  –  Em pé: Ilzo Neri, Jurandir, Bellini, Roberto Dias, Suly e Deleu    –    Agachados: Faustino, Cecílio Martinez, Benê, Pagão e Sabino

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