SANTOS 0x0 PORTUGUESA – Dia 26 de Agosto de 1973

                      Em 1973, tivemos um dos maiores erros de arbitragem do nosso futebol. Um erro que decidiu um título estadual, erro este que foi cometido pelo árbitro Armando Marques no jogo que decidia o título paulista entre Santos e Portuguesa de Desportos. Este jogo aconteceu dia 26 de agosto de 1973. Não foi um erro de um gol mal anulado ou então um gol em que foi feito em completo impedimento ou então um pênalti mal assinalado. Foi um erro de matemática, algo inédito na história do futebol mundial. Com isto, dois clubes foram declarados campeões por conta de um erro de arbitragem durante a disputa de pênaltis da partida final e também devido ao regulamento do campeonato.

                     A decisão entre time campeão do primeiro turno (Santos) e o time campeão do segundo turno (Portuguesa) terminou empatada em 0 a 0. Com o empate também na prorrogação, a decisão foi para os pênaltis. O árbitro Armando Marques errou na contagem e encerrou as cobranças quando o placar marcava 2 a 0 para o Santos, embora a Portuguesa ainda tivesse duas cobranças por efetuar. Havia, pois, a possibilidade do empate e a respectiva continuação das cobranças de forma alternada até se chegar ao verdadeiro vencedor.

                    Disputando aquele que afirmava ser seu último Campeonato Paulista, pois já anunciara que abandonaria os campos, Pelé estava disposto a conquistar um último título paulista e a ser artilheiro pela última vez. Na verdade, Pelé ainda disputaria parte do campeonato de 1974. O Santos e o próprio Pelé estavam longe da grande forma da década anterior. O próprio futebol já não era o mesmo. O campeonato foi paupérrimo em gols. Mesmo assim, Pelé alcançou seus objetivos. Em uma final inesperada. O palco desse espetáculo foi o Estádio Cicero Pompeu de Toledo, o Morumbi, que neste dia recebeu um público de 116.156 pagantes (recorde paulista na época), e que deu uma arrecadação de Cr$ 1.502.255,00.

                   Neste dia o técnico da equipe santista, José Macia, o popular Pepe, mandou a campo os seguintes jogadores; Cejas, Zé Carlos, Carlos Alberto, Vicente e Tucão; Clodoaldo, Léo e Jair da Costa (Brecha); Eusébio, Pelé e Edu. Já o técnico Oto Gloria, da Portuguesa de Desportos escalou a seguinte equipe; Zecão, Cardoso, Pescuma, Calegari e Isidoro; Badeco, Basílio e Xaxá; Eneas (Tatá), Cabinho e Wilsinho. O árbitro foi Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques.

TEMPO NORMAL E A PRORROGAÇÃO

                  A partida foi dominada pelo Santos, que tentava chegar com perigo, enquanto a Portuguesa se fechava, para continuar com a série invicta de nove jogos sem ser vazada. O Santos quase abriu o placar com o Rei Pelé, porém a trave não o deixou marcar. Isso porque, em duas cobranças de falta, tanto no primeiro como no segundo tempo, o Rei carimbou a trave. E por isso, o placar não foi inaugurado. Depois da etapa final, começou a prorrogação e nela ficou evidente que a Portuguesa apresentava uma melhor condição física. Tanto, que a Lusa teve uma grande chance de marcar com Basílio, que chutou, estando cara-a-cara com o goleiro do Peixe, Cejas, mas o arqueiro santista defendeu com a perna esquerda evitando o gol.

                 No tempo regulamentar, a equipe da Vila Belmiro deu show. Vislumbrando que aquela seria a última oportunidade de levar um caneco pela equipe que o consagrou, Pelé jogou como nos momentos áureos. Driblou, correu, brigou, mandou bolas na trave. Mas nada de gol. A valente Portuguesa se meteu lá atrás e conseguiu segurar o afã do adversário. Final dos 90 minutos e o placar permanecia inalterado. Veio então a prorrogação e naqueles 30 minutos que poderiam decidir o título paulista, era perceptível uma Lusa mais jovem tanto de idade como mais forte para aguentar mais tempo extra, tanto que em uma bola enfiada, quase marcou o gol da vitória, com grande chance de gol, mas como o quase não marca, os dois times foram à decisão de pênaltis. E aí aconteceu uma das mais célebres trapalhadas do futebol brasileiro. O protagonista? Armando Marques, considerado na época, o melhor árbitro do País.

PÊNALTIS

                 O primeiro a bater foi o lateral-esquerdo do Santos, Zé Carlos. O ala chutou à meia altura, de pé direito, no canto esquerdo do goleiro Zecão, mas o arqueiro da Lusa defendeu. Para a primeira cobrança da Portuguesa foi o lateral-esquerdo Isidoro. O jogador bateu no ângulo direito de Cejas, que defendeu de mão trocada. Tudo igual, zero a zero. Carlos Alberto foi para a segunda cobrança do Santos. O lateral-direito bateu no canto esquerdo do goleiro, que se esticou para o lado oposto. Fazendo 1 a 0. A Portuguesa desperdiçou a chance de empatar com o zagueiro Calegari. O defensor chutou fraco no canto direito e Cejas defendeu sem maiores problemas. O placar permanecia 1 a 0 para o Peixe.

                O terceiro cobrador do Santos foi Edu. O atacante chutou no meio e alto. E Zecão caiu para o lado direito. Fazendo 2 a 0. Wilsinho foi para a terceira cobrança, ele chutou com o pé esquerdo, mas acabou acertando o travessão. Depois das três cobranças, ainda faltavam mais duas e a Portuguesa não tinha balançado as redes. O placar estava 2 a 0 para o Santos. Mesmo havendo a chance matemática da Lusa o então árbitro Armando Marques cometeu um erro grave e histórico. O juiz encerrou as cobranças de pênalti, depois da bola na trave de Wilsinho, e segundo as contas do árbitro, o Santos era o Campeão Paulista de 1973.

A CONFUSÃO

                 Com o apito final e a decisão polêmica de Armando Marques, os santistas se abraçaram, os repórteres invadiram o gramado do Morumbi. Os então campeões santistas colocaram as faixas de campeão e ergueram a taça, e até deram a volta olímpica. Porém, a final ainda não tinha acabado. De acordo com o regulamento, para determinar o Campeão Paulista deveriam ser batidos cinco pênaltis para cada time, e só três haviam sido cobrados. Após a decisão, o árbitro Armando Marques reconheceu o seu equívoco ao ser questionado pelos dirigentes da Federação Paulista. Armando Marques pensou na possibilidade do retorno dos dois times a campo, para terminarem as cobranças de pênaltis.

                 No entanto, a Lusa não concordou com esta decisão e os jogadores da equipe se trocaram rapidamente e deixaram o estádio do Morumbi. Os dirigentes da Portuguesa solicitaram uma partida-extra e que a final fosse anulada. Já os santistas queriam bater os dois pênaltis que restavam. Após muita discussão, os cartolas de ambos os times resolveram em comum acordo, que o título fosse dividido entre eles.

                Algum tempo depois, ao preencher a súmula, Armando Marques percebeu o erro. “Estão falando em erro de direito, mas não houve nada disso”, explicou o árbitro no dia seguinte. “O que houve mesmo foi erro de Mobral. Agora, comigo erraram dezenas de milhares de pessoas que viram o jogo. Não apareceu ninguém, mas ninguém para me dizer nada. Só depois de quinze minutos vieram me alertar.” Ele mandou chamar os atletas da Portuguesa e do Santos para completarem as cobranças, mas já era tarde: embora os jogadores do Santos tenham se apressado para voltar ao campo, Armando foi informado de que os jogadores da Portuguesa já tinham deixado o estádio.

DOIS CAMPEÕES

               Após muitos protestos da Portuguesa, ainda no domingo a Federação Paulista de Futebol declarou os dois clubes como campeões paulistas de 1973 depois de apenas treze minutos de reunião entre federação  e clubes.  No dia seguinte, uma comissão de  dirigentes santistas foi à sede da federação exigir que a decisão fosse modificada, mas o presidente da federação, José Ermírio de Morais, pressionou, avisando que a FPF estava disposta a eximir os clubes de qualquer responsabilidade pela divisão do título e conseguiu um acordo. O comunicado foi explícito nesse ponto: “A decisão tomada no estádio Cícero Pompeu de Toledo, sem a interferência das associações interessadas, proclama dois campeões.” A CBD também validou a decisão.

              Esse rápido acordo tornou inúteis quaisquer outras deliberações a respeito do que deveria ser feito. De acordo com regras da Fifa, o que poderia ocorrer seria uma nova disputa de pênaltis ou a cobrança apenas das quatro penalidades que ficaram faltando. Ambas as equipes foram declaradas campeãs paulistas de 1973, “pois não houve um terceiro prejudicado”. Quando perguntaram-lhe se a torcida não teria sido prejudicada, a resposta do assessor jurídico da federação foi irônica: “Que nada. A torcida até que viu futebol demais pelo preço que pagou.” Foi o décimo terceiro título paulista do Santos e o terceiro da Portuguesa.

A ESPERTEZA DE OTO GLORIA

               O famoso erro do juiz Armando Marques na contagem dos pênaltis na final do Paulistão de 1973, poderia ter sido corrigido não fosse a pressa dos jogadores da Portuguesa em deixar o estádio do Morumbi, sob a ordem do técnico Oto Glória, o mesmo que dirigiu a Seleção de Portugal que eliminou a nossa seleção na Copa de 66 na Inglaterra ao nos derrotar por 3 a 1. O jogo e a prorrogação entre Santos e Portuguesa naquele dia terminaram em 0x0, que acabou levando a decisão para os pênaltis. O lateral Zé Carlos desperdiçou a cobrança pelo Santos, mas Carlos Alberto e Edu converteram. Pela Lusa erraram Isidoro, Calegari e Wilsinho. Caberia a Pelé, cobrar o próximo, que seria o gol do título. Mas o árbitro se atrapalhou todo e declarou o Santos campeão antes cobrança do Rei.

               Enquanto os santistas comemoravam o título, os da Portuguesa, orientados pelo esperto técnico Oto Glória, deixaram o campo rapidinho, sem banho mesmo. Quando Armando Marques percebeu a besteira que havia feito, procurou os jogadores da Lusa no vestiário, só que eles tinham ido embora, alguns só de cueca, reza a lenda. Sem data para um novo jogo, a Federação Paulista decidiu o título paulista de 1973, ou seja, declarou os dois clubes campeões daquele ano. Naquele dia 26 de agosto de 1973, aconteceu o que nem os deuses do futebol poderiam prever, a conquista de um título por dois times. Neste campeonato tivemos 133 jogos, foram marcados 260 gols e o artilheiro foi Pelé com 11 gols.

SANTOS FUTEBOL CLUBE – 1973      –     Cejas, Vicente, Carlos Alberto, Marinho, Clodoaldo e Turcão      –     Agachados: Manoel Maria, Brecha, Eusébio, Pelé e Edu
PORTUGUESA DE DESPORTOS – 1973      –     Em pé: Pescuma, Zecão, Badeco, Isidoro, Calegari e Cardoso      –     Agachados: Xaxá, Eneas, Cabinho, Basílio e Wilsinho

Deixe uma resposta