HELENO DE FREITAS: craque, gênio e muito polêmico

                    Heleno de Freitas nasceu em 12 de dezembro de 1920 em São João Nepomuceno, Minas Gerais.  O mineiro Heleno de Freitas foi um dos maiores ídolos do Botafogo e um dos melhores jogadores de todos os tempos do futebol brasileiro, mas nem assim ficou milionário e acabou morrendo em 1959, no dia 08 de novembro, abandonado na casa de saúde São Sebastião, em Barbacena-MG, onde estava internado desde 1954 devido a problemas mentais. Craque, gênio e polêmico. Além de jogador, também era formado em advocacia.

                  Sempre elegante dentro e fora dos gramados, o craque encantava tanto os amantes pelo futebol quanto às mulheres, que viviam suspirando por aquele verdadeiro habitué da noite carioca. Com gomalina nos cabelos e sempre impecavelmente vestido, sua presença nos salões da época só não fazia mais sucesso do que suas atuações no campo.  Já em 1927, aos sete anos de idade, Heleno jogava futebol em um time organizado no segundo quadro do infantil do Mangueira, em sua cidade natal. Aos onze perderia o pai, o que causou uma enorme reviravolta na vida de sua família, pois sua mãe achou por bem se transferir para o Rio de Janeiro em 1933, a fim de buscar novas soluções para a educação e futuro de seus oito filhos, partindo para uma cidade que lhes oferecia uma maior diversificação em termo de oportunidades.

                  Na fantasia, o folclórico Neném Prancha, misto de filósofo e técnico, punha-se atrás de um tabuleiro de laranjas como se fora vendedor no areal de Copacabana. E para cada garoto jogava uma fruta. Pela reação, separava o craque do cabeça-de-bagre. Heleno de Freitas, mineiro de 12 anos, amorteceu uma laranja na coxa, deixou-a cair no pé, fez embaixada, levou-a à cabeça, trouxe de volta ao pé, que deu ao controle do calcanhar.  Neném viu que descobrira o mais fino, e temperamental craque do País.

                  Logo o levou para fazer um teste no Botafogo, onde foi devidamente aprovado. Em 1935, aos 15 anos, fazia sua primeira partida oficial pelo glorioso alvinegro da estrela solitária. Porém os estudos e o trabalho não permitiram que sua assiduidade ao clube fosse a das mais regulares.  Essa irregularidade no comparecimento fez com que Heleno acabasse deixando o clube antes que pudesse se firmar. Porém em 1.938, alguns amigos resolveram leva-lo para tentar a sorte no Fluminense, o qual tinha uma grande equipe e poderia vir a oferecer mais possibilidades ao jogador.

                  Como o Botafogo ainda era amador e o Fluminense já era profissional, a Heleno foi permitido jogar durante algum tempo em ambos os clubes. Entretanto, a partir de 1940, decidiria se integrar definitivamente ao time alvinegro. Ainda em 1940, Heleno disputaria como titular o campeonato carioca. Uma competição em que o Botafogo lutou até o fim, perdendo as chances somente na última rodada. A perda do titulo, porém, não ofuscou o surgimento de um grande craque. Dali para frente, sem nunca perder a sua principal característica – a volúpia de ganhar, Heleno passou a ser considerado o mais clássico, o mais técnico e o mais elegante dos centroavantes do futebol carioca e brasileiro. De 1940 a 47, a carreira do jogador no Botafogo foi só ascensão. O jovem talentoso explodiu em 1942 ao ser artilheiro do campeonato carioca.  Ninguém mais discutia sua condição de craque, e aos poucos passou a ídolo indiscutível, a grande vedete da equipe.

                   Seu conceito ganhou dimensões nacionais, com o cartaz de Heleno crescendo em todo o país. Sua carreira chegou ao auge em 1945, quando, entre outras coisas, foi artilheiro e maior destaque do Sul-Americano realizado em Santiago, no Chile. Embora o Brasil não tivesse sido campeão, o craque ganhou fama e teve a honra de ter sido o mais badalado jogador num ataque que só tinha cobras: Zizinho, Tesourinha, Heleno de Freitas, Jair Rosa Pinto e Ademir.

                    Era um craque na mais pura acepção da palavra. Jogava um futebol altamente refinado. Seus passes sempre chegavam redondinhos, nos pés dos companheiros. Para ele, uma firula, um drible bem dado, uma bola no meio das pernas tinha muito mais valor do que um gol “de canela”, ou uma bola que entrava só por capricho. Porém, juntamente com sua consagração definitiva, começava também um drama. Nessa mesma época, a Sífilis, doença que mais tarde liquidaria não somente o jogador de futebol, como o cidadão Heleno, começava a minar seu sistema nervoso. Passava então a ser visto, pela torcida brasileira, como um jogador indisciplinado e mal comportado. O que nunca alguém chegou a compreender, a não ser muito mais tarde, em seus últimos dias de vida, que seu caso não era normal.

                    No ano anterior, havia entrado em cartaz, nos cinemas de todo o país um filme que tomaria conta da cidade: “Gilda”. A grande atriz Rita Hayworth desempenhava com talento e muita sensualidade o papel-título, o de uma mulher temperamental e voluntariosa. A semelhança de gênios entre a personagem e o craque alvinegro foi devidamente notado pelos naturalmente maliciosos cariocas.  Com esse apelido a mão, tornava-se ainda mais fácil para as torcidas adversárias mexerem com o genioso Heleno. Essas provocações minavam cada vez mais os nervos do artilheiro.

                    Heleno é até hoje o quarto grande artilheiro botafoguense de todos os tempos, com 204 gols em 233 jogos. Além do Botafogo, clube que defendeu de 1945 a 1948 e 1950, o centroavante atuou pelo Vasco (1949), Boca Juniors, da Argentina, América do Rio, Atlético Barranquilla e Santos F. C. 

                     Na interessante história deste marcante jogador teve um pequeno capítulo em Santos, quando Heleno foi contratado para jogar pelo Peixe. Para se ter uma ideia, o filme estrelado por Rodrigo Santoro, contando a história do atleta, não cita este fato, mas nós iremos contar agora.

                    O ano era 1951, alguns meses depois da Copa do Mundo. Heleno de Freitas vinha de uma temporada de atuações abaixo da média na Liga Pirata da Colômbia. Na verdade, o jogador já vinha desgostoso com o futebol desde quando foi preterido pelo técnico Flávio Costa para a disputa do Mundial. Vale ressaltar que ambos viviam em constante atrito no Vasco da Gama. Mesmo com os 19 gols em 24 jogos, o treinador do Time da Colina e Seleção Brasileira nunca engoliu o centroavante.

                     O Santos daquele ano era uma equipe sólida, mas que precisava de alguém que pudesse resolver as partidas no comando do ataque. Foi aí que o Orlando Monteiro Neto, à época diretor do clube, resolveu contratar o polêmico craque para tentar o tão sonhado título paulista, que não vinha desde 1935.

                      Heleno veio com toda pompa e sua fama já corria pelas ruas da cidade. Também recém-chegado ao clube na época, o zagueiro Chico Formiga foi um dos poucos que fizeram amizade com o craque. “Muito educado, simpático e sempre bem vestido, ele nem parecia com aquele cara que entrava em campo: sempre nervoso, com problemas”, afirmou o ex-zagueiro e técnico sobre o então companheiro de Peixe em entrevista concedida antes de falecer a Milton Neves.

                       Porém, nos poucos dias em Santos, as confusões se tornaram corriqueiras. “Certa vez, combinamos de ir até uma casa de câmbio para ele trocar o dinheiro que havia recebido na Colômbia. Perguntei se sabia ir de bonde e ele me respondeu ‘Heleno de Freitas não anda de bonde, vamos de táxi’ e eu não tive reação. Chegando lá, não quiseram trocar o dinheiro, pois aquela moeda quase não circulava na cidade: foi o estopim para mais uma briga”, explica Formiga.

                      Por causa destas confusões, mesmo em poucos dias, já era mal visto por grande parte da cidade. Para piorar, o centroavante conseguiu criar confusão com a comissão técnica. “Durante um dos raros treinos dele conosco, o Heleno despertou a fúria do Aymoré Moreira, nosso treinador, que expulsou ele do campo”, disse o saudoso Formiga. Porém, ele não saiu de campo. Teve que ser carregado para fora da Vila Belmiro.

                      Aquela foi a última vez que o atacante pisou no gramado da Vila Belmiro e nunca fez um jogo oficial. O mesmo dirigente que o contratou acabou demitindo-o, selando a curtíssima passagem do polêmico Heleno pela cidade de Santos.

                       Na sua brilhante e agitada trajetória, também marcada por diversas expulsões e confusões em campo, Heleno conquistou apenas um título: o Carioca de 1949. Pela seleção brasileira marcou 15 gols e ao todo, na carreira, fez 265.

                    Heleno que teve o mundo a seus pés, morreu de maneira inglória, internado pela família, esquecido num sanatório de Barbacena-MG, em 1959. Se, no filme, dizia-se que nunca houve uma mulher como Gilda, pode-se também afirmar que, no futebol, o grande Heleno de Freitas também foi único.

Da esquerda p/direita: Ademir de Menezes, Jair Rosa Pinto, Heleno de Freitas, Zizinho e Tesourinha
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