VASCO DA GAMA 4×3 PALMEIRAS – Dia 20 de Dezembro de 2000

                  Três gols em nove minutos. Final de primeiro tempo. Desolação carioca. Gritos de “é campeão!” vindos das arquibancadas alviverdes paulistas. A noite do dia 20 de dezembro de 2000 era toda pura e prosa do Palmeiras, que atropelava o Vasco de Romário, Juninho(s), Euller e Hélton com acachapantes 3 a 0 em plena final de Copa Mercosul (espécie de Copa Sul-Americana da época). Os quase 30 mil torcedores palmeirenses se deliciavam com um segundo tempo inteiro pela frente e a certeza absoluta de ter apenas o trabalho de gritar “olé” a cada troca de passes de seu time e esperar o árbitro apitar o final do jogo para celebrar mais uma conquista daquele Palmeiras que não se cansava de ganhar. Porém, ninguém deu bola para o imponderável, para o Clube de Regatas Vasco da Gama e para um dos maiores centroavantes da história do futebol mundial (ou seria o maior?).

                  O segundo tempo começou e Romário fez um. Fez dois. Juninho Paulista, endiabrado e responsável direto pelos dois primeiros tentos do baixinho, marcou o gol de empate. Detalhe: o Vasco já tinha um jogador a menos – Júnior Baiano foi expulso. Nos acréscimos, eis que a bola sobra na área, limpinha, pronta para um leve toque do atacante que sempre a tratou tão bem: Romário. Palmeiras 3×4 Vasco. Em apenas um tempo, o Palmeiras havia feito três gols. Em apenas outro tempo, o Vasco acabava de fazer quatro. E de ganhar uma improvável, incrível e inédita Copa Mercosul. Ninguém acreditava. Ninguém piscava os olhos.

                 Ninguém jamais se esqueceria de tudo aquilo. No Rio de Janeiro, uma apoteose vascaína tomou conta da cidade, bem como do gramado do Palestra Itália, que foi palco de uma das viradas mais eletrizantes e incríveis da história do futebol brasileiro. Nunca mais um time gritou “é campeão!” antes de acabar o primeiro tempo. E nunca mais o vascaíno tirou da memória aquela partida, tida como uma das mais fantásticas já realizadas pelo clube em todos os tempos. É hora de relembrar.

                 A temporada estava terminando e Palmeiras e Vasco se agarravam como podiam na provável última chance de conquistar um título depois de alguns fracassos traumáticos. Do lado do Palmeiras, a equipe até que ganhou o Torneio Rio-SP (com uma goleada por 4 a 0 sobre o Vasco) e a Copa dos Campeões, mas perdeu o bicampeonato da Copa Libertadores, nos pênaltis, para o Boca Juniors-ARG de Córdoba, Samuel, Riquelme, Schelotto e Carlos Bianchi. Já o Vasco estava ainda mais frágil e abalado pelo fato de ter perdido três canecos: o Mundial de Clubes da FIFA, nos pênaltis, para o Corinthians, o Torneio Rio-SP para o Palmeiras e o Campeonato Carioca para o Flamengo.

                Com três vices, a torcida temia pelo pior caso o time cruzmaltino voltasse a fracassar na Mercosul. Nas campanhas dos times até a final, o Palmeiras eliminou Cruzeiro e Atlético Mineiro no mata-mata depois de se classificar em segundo no Grupo B, que tinha Independiente-ARG, Universidad Católica-CHI e Cruzeiro. Já o Vasco também se classificou em segundo, no Grupo E, que tinha Atlético Mineiro, Peñarol-URU e San Lorenzo-ARG, e eliminou Rosário Central-ARG e River Plate-ARG (com direito a goleada por 4 a 1 em Buenos Aires) antes de chegar à decisão.

                 Na época, a Conmebol parece que ficou com inveja da sempre incrível (?) organização (??) do futebol brasileiro e decidiu que o saldo de gols não seria critério de desempate. Com isso, se uma equipe vencesse um jogo por 5 a 0, e na segunda partida o derrotado da primeira vencesse por apenas 1 a 0, haveria um terceiro jogo. Genial não é? Pois é… No primeiro jogo da final, o Vasco derrotou o Palmeiras em São Januário por 2 a 0, gols de Juninho Pernambucano e Romário. Na volta, em SP, o Palmeiras fez 1 a 0 e forçou o terceiro jogo, que também seria no Palestra Itália pelo fato de o Verdão ter melhor campanha. A partida seria aberta e sem favoritos, com o Palmeiras entrosado e ao lado de sua apaixonada torcida e o Vasco melhor no papel, mas imprevisível com a bola rolando.

                 Um ponto que dava certa vantagem aos paulistas era o turbulento ambiente fora de campo dos cariocas, que tinham trocado de técnico a quatro dias da decisão, quando Oswaldo de Oliveira foi demitido e deu lugar a Joel Santana, que teria que fazer as mais complexas e geniais táticas com sua prancheta se quisesse ser campeão logo em seu primeiro jogo no comando do time. Na noite da final, muita festa no Palestra Itália lotado, expectativa de um bom jogo e apostas totalmente equilibradas. Cravar um campeão era difícil. Um placar, mais ainda.

                Para este jogo o técnico Joel Santana escalou a seguinte equipe; Hélton; Clébson, Odvan, Júnior Baiano e Jorginho Paulista; Jorginho (Paulo Miranda), Nasa (Viola), Juninho Pernambucano e Juninho Paulista; Euller (Mauro Galvão) e Romário. Do outro lado o técnico Marco Aurélio mandou a capo os seguintes jogadores; Sérgio; Arce, Gilmar, Galeano e Tiago Silva; Fernando, Magrão, Taddei e Flávio; Juninho e Tuta (Basílio). 

               Jogando em casa, inflamado por sua torcida e contando os minutos para encerrar uma desgastante e interminável temporada com mais de 90 jogos disputados, o Palmeiras entrou disposto a derrotar o Vasco logo no começo do jogo, com investidas pelos lados, chutes de fora da área e perigosas cobranças de falta. Mas a bola teimava em não entrar, seja pela falta de pontaria, seja pelo ótimo goleiro Hélton. Depois de tanto martelar, o time alviverde chegou ao primeiro gol apenas aos 37´quando Júnior Baiano colocou a mão na bola após uma cobrança de escanteio dentro da área vascaína: pênalti. Na cobrança, o especialista Arce, que não desperdiçou: 1 a 0. Festa no Palestra.

              O gol daria mais tranquilidade para a segunda etapa, mas parece que aquele balançar de redes deixou os cruzmaltinos tontos. Na saída para o recomeço do jogo, o Palmeiras já roubou a bola, Magrão saiu em disparada e tocou para Tuta. O atacante chutou, o goleiro Hélton fez uma defesaça, mas no rebote Magrão cabeceou para fazer o segundo gol: 2 a 0. Alucinante! Em menos de dois minutos, dois gols. A torcida era puro delírio. O Vasco puro desespero. Aos 45´, a bola é mal rebatida pela zaga do Vasco, que sobra para Juninho. O meia alviverde avança, despista a marcação e toca na medida para Tuta. Gol: 3 a 0. Mais carnaval no Palestra Itália.

              A torcida começa, em uníssono, a gritar “é campeão!”. E ela estava mais do que certa. Era surreal pensar em uma virada do Vasco. O time estava simplesmente irreconhecível, apático, tonto, acabado. Júnior Baiano era um desastre na zaga. O meio de campo não criava. Romário apenas assistia a tudo lá na frente. Joel Santana olhava para a prancheta, mas não via nenhum bonequinho ou rabisco capaz de reverter tudo aquilo. O que fazer? Se fechar e evitar uma goleada ainda maior? Arriscar com um atacante e ir para o tudo ou nada? Melhor a segunda opção.

              Em busca do impossível, Joel Santana sacou Nasa e colocou o atacante Viola para dar mais força ofensiva ao Vasco. Agora eram os dois Juninhos, Euller, Romário e Viola para tentar alguma coisa na zaga palmeirense. Um pelotão de frente de respeito. E essa turma toda tratou de jogar bola para começar a construir uma história simplesmente épica. O Vasco parecia não estar perdendo por 3 a 0 e virtualmente vice-campeão, mas em busca do gol que poderia abrir o placar do jogo. O time jogava de maneira consistente, concentrado e sem cometer os erros do primeiro tempo. Já o Palmeiras mostrava estar sob o transe da vitória parcial, da zona de conforto que tanto acomete times que pensam em já estar com a vitória, ou um título, em suas mãos. Erro crasso.

              E imperdoável para os deuses do futebol. Aos 14´, pênalti duvidoso para o Vasco sofrido por Juninho Paulista, que enervava os zagueiros alviverdes com sua velocidade. Na cobrança, Romário. Dizem que é nas decisões que os craques crescem. E com o baixinho não foi diferente. Gol: 1 a 3. Romário não comemorou. Ele simplesmente foi até o fundo do gol e pegou a bola para o recomeço. Ele queria mais. Muito mais. Dez minutos depois, Juninho invade a área palmeirense e leva um carrinho. Pênalti. O Palestra Itália começa a emudecer. Romário cobra de novo. E faz de novo: 2 a 3. O herói da Copa de 1994 vai até o gol e pega a bola para um novo recomeço. Viola, com sua ginga e malícia, dava outra pegada ao ataque do Vasco naquele segundo tempo. O jogo que antes parecia definido estava indefinido. Ou não.

              Aos 32´, o zagueiro Júnior Baiano, que já havia feito suas lambanças no primeiro tempo, aprontou de novo, fez uma falta dura em cima de Flávio (de carrinho…) e levou o cartão vermelho. Noite esquecível para o zagueirão. E mais drama para o Vasco. Já era difícil marcar o gol de empate e a virada, mas sem um zagueiro seria mais ainda. O experiente Mauro Galvão entraria no time carioca para recompor a zaga e dar sobrevida ao time da Colina. Mas não antes da explosão vascaína. Aos 40´, o time carioca troca passes na intermediária palmeirense, Euller lança na área, Romário não ajeita, mas a bola sobra para Juninho Paulista, que chuta embaixo de Sérgio: 3 a 3. O pequenino meia vibrou como nunca, como vibrou a pequenina torcida vascaína, que conseguiu se fazer ouvir no Palestra Itália sob os gritos de “o Vasco é o time da virada!”.

              Os palmeirenses eram medo puro. Os vascaínos, determinação em liquidar o jogo de uma vez sem precisar disputar uma indigesta decisão por pênaltis. Aos 45´, em um lance na lateral, Juninho Pernambucano se inflou diante da torcida e pediu apoio, vibração, força. Os apaixonados vascaínos atenderam ao pedido do craque e começaram a gritar alto, bem alto, abafando aquele mundo alviverde no Palestra Itália. Tudo conspirava a favor do Vasco. Mas faltavam apenas três minutos para o fim do jogo. Exatamente os acréscimos.

             Aos 48´, faltando segundos para o apito final, Viola, o talismã, arrancou pela esquerda, a bola rebateu e sobrou para Juninho Paulista. O baixinho poderia fazer o gol de uma vitória épica, mas a bola explodiu no zagueiro palmeirense. Só que ela sobrou… Para outro baixinho… Romário. Chute. Gol. Da vitória. Da virada. Do Vasco. 4 a 3. Dessa vez, o camisa 11 comemorou. Polêmico, claro, pedindo silêncio para os palmeirenses. Mas ele nem precisava se dar o trabalho. A massa alviverde já estava abalada muito antes. O Palmeiras deu a saída, a bola rolou mais um pouquinho, mas o árbitro apitou o final: Clube de Regatas Vasco da Gama, campeão da Copa Mercosul de 2000. Epicamente. Memoravelmente. Sensacionalmente.

             O clube carioca escrevia naquela noite uma de suas páginas mais incríveis e mágicas de sua rica história, bem como do futebol brasileiro e, porque não, mundial. Virar um jogo 0x3 para 4×3 não é algo que vemos todo dia. Em uma final, então, menos ainda. Da maneira como o Vasco virou, apenas uma vez. Naquele dia 20 de dezembro de 2000, o dia em que o Vasco confirmou como nunca seu lema: “o Vasco é o time da virada!”. E discorda pra ver…

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