CILINHO: um grande estrategista

                       Otacílio Pires de Camargo, mais conhecido como Cilinho, nasceu em Campinas no dia 9 de fevereiro de 1939. Foi um técnico do futebol brasileiro, responsável pela descoberta de vários talentos. Foi ele quem dirigiu o time do São Paulo que, na década de 1980, foi denominado “Menudos do Morumbi“, nome este devido à baixa idade do grupo e ao sucesso do grupo musical porto-riquenho Menudo, conquistando os Campeonatos Paulistas de 1985 e 1987 e montando a equipe campeã brasileira de 1986, dentro de um estilo de jogo veloz e ofensivo.

                      Começou a carreira como treinador aos 27 anos, na Ferroviária, de Araraquara. Três anos depois, teve a oportunidade de dirigir a Ponte Preta, em sua cidade-natal, e conquistou os primeiros destaques na profissão. Montou a base do time que seria campeão da Divisão de Acesso, hoje conhecida como Série A2, de 1969, e foi vice-campeão paulista em 1970.

                       Foram ao todo nove passagens pelo Moisés Lucarelli: 1965, 1967-68, 1968, 1970-72, 1974, 1979, 1983-84, 1987 (quando trabalhou, entre outros, com o meia Raí, então no início da carreira) e 1995. É, até hoje, quem mais dirigiu a Ponte na história: 345 partidas. Entre uma e outra passagem pela Ponte, Cilinho treinou Portuguesa, Sport, Comercial, XV de Jaú e Santos, entre outros.

PORTUGUESA DE DESPORTOS

                     A primeira chance de Cilinho em um clube grande foi na Portuguesa, que anunciou sua contratação em 23 de agosto de 1972. Dirigentes do clube foram até Campinas alguns dias antes, após a derrota para o Santos que custou o emprego de Wilson Francisco Alves, e conversaram com o técnico, que aceitou a oferta ali, mesmo. Wilson Francisco Alves só seria notificado três dias depois, porque comandaria o clube em um amistoso na quarta-feira.

                      Conhecido por muitas pessoas como “macumbeiro”, introdutor de alguns hábitos novos dentro do futebol (realização de conferências para jogadores nas concentrações, obrigando-os a ler livros para aumentar sua cultura), uma das primeiras atitudes de Cilinho ao chegar à Portuguesa deverá ser a colocação de uma tabuleta na porta do vestiário, com o lema “Nunca se realizou nada de grande sem muito entusiasmo”, escreveu o jornal O Estado de S. Paulo, para descrever o técnico. A primeira recomendação dele ao novo clube foi que apressasse as obras dos novos alojamentos, pois ele queria poder servir café da manhã aos jogadores no próprio clube.

                      Osvaldo Teixeira Duarte, presidente da Portuguesa, falou sobre suas expectativas: “Não poderia exigir muita coisa para o Campeonato Nacional, porque ele terá pouco tempo para dar uma estrutura ao time. Mas vou lhe pedir que faça um esforço e procure conseguir bons resultados no Nacional, porque a Portuguesa começa a ter algum sucesso. Tenho certeza de que não nos faltam jogadores e vou dar o máximo de apoio ao seu trabalho. Ele é um moço que sabe trabalhar com os jogadores, impondo-se pela argumentação, e é a pessoa que nós esperávamos.”

                       Após o primeiro treino, Cilinho deu seu diagnóstico sobre o time: “Não há versatilidade no futebol da equipe.” Em seguida, vaticinou seu prognóstico para o jogo contra o Corinthians, o último do clube no Campeonato Paulista: “Nós podemos ganhar, se houver muito empenho de todos os jogadores, mas será uma vitória estranha, porque o time está completamente desestruturado.” Mesmo “desestruturada”, a Portuguesa venceu por 1 a 0, gol de Basílio aos 33 minutos da primeira etapa.

                        Para esta partida Cilinho mandou a campo os seguintes jogadores; Joel Mendes, Humberto Monteiro, Marinho Peres, Calegari e Fogueira; Lorico e Samarone (Didi); Ratinho, Eneas (João Marques), Basílio e Wilsinho. Do outro lado, o técnico Duque escalou o Timão assim; Sidney, Zé Maria, Baldochi, Luiz Carlos e Pedrinho; Dirceu Alves (Adãozinho) e Rivelino; Vaguinho, Nelson Lopes (Paulo Borges), Lance e Aladim. Este jogo foi pelo segundo turno do Campeonato Paulista e foi realizado no estádio do Pacaembu no dia 27 de agosto de 1972. O árbitro da partida foi Dulcidio Wanderley Bochilia, que expulsou de campo, Rivelino e Basílio.

                       Às vésperas da estreia no Brasileiro, a diretoria da Lusa considerava que os pedidos de reforços do técnico estavam sendo atendidos: “Em pouco mais de dez dias, Cilinho já alcançou todas as condições favoráveis para armar um esquema de trabalho.” As contratações fizeram a frequência da torcida aumentar nos treinamentos do time. 

                       A partida de estreia, contudo, foi interrompida no intervalo, devido às fortes chuvas em Porto Alegre, local do confronto contra o Internacional. Sem abertura de contagem, a partida foi adiada e teria de ser jogada por inteiro novamente. Cilinho gostou do pouco que viu: “Fizemos uma excelente partida, apesar do campo inteiramente encharcado.”

                        Em março de 1973, na terceira rodada do Campeonato Paulista, a Portuguesa empatou com a Ferroviária, no Canindé, por 2 a 2, depois de estar vencendo por 2 a 0. O resultado aumentou a decepção pelo mau início no torneio (uma vitória, um empate e uma derrota em três jogos) e, após o jogo, parte da torcida pediu a demissão de Cilinho, na frente do acesso aos vestiários. 

                          A diretoria não aguentou a pressão e demitiu o técnico, apesar do presidente da Lusa  garantir ter sido contra a decisão: “Eu estava apreciando o trabalho do Cilinho, que qualifico de extraordinário. Ele fez um trabalho de base e, ultimamente, estava, mesmo, comandando uma equipe que eu chamo de suporte para o futebol, representada por médicos, preparadores físicos e massagistas. Mas a torcida não entendeu assim e exigiu a sua saída.”

                         O presidente explicou porque a pressão da torcida foi tão determinante: “Depois do jogo contra a Ferroviária, centenas de torcedores ficaram em frente aos vestiários pedindo a queda de Cilinho e, por isso, creio que não poderíamos segurá-lo. Se o segurássemos, correríamos o risco de fazer do Canindé uma verdadeira praça de guerra e de perdermos o apoio desses associados. Na fase em que estamos não podemos perder o apoio de ninguém.”

XV DE J AÚ

                          Cilinho teve três passagens pelo XV de Jaú, sendo contratado em 1978, 1981 e 1996. As duas primeiras passagens só não foram uma única porque ele aceitou treinar a Ponte Preta em 1979. Na segunda passagem, ajudou a levar o clube, pela primeira vez, ao Campeonato Brasileiro, classificado devido à boa campanha no Campeonato Paulista de 1981. Nessa campanha, o técnico chegou a recusar um convite para treinar o São Paulo, que tinha demitido Carlos Alberto Silva. “Existem coisas mais importantes do que dinheiro e projeção”, explicou. “Particularmente, por uma questão de temperamento, sempre firmo os meus contratos verbalmente. É um problema de ética pessoal. Depois, o que considero de grande importância, respeito muito o aspecto ético e moral, em tudo aquilo que assumo. E eu tenho um compromisso nesse nível com os dirigentes do XV de Jaú. Pretendo cumpri-lo até o fim”. E assim o fez.

SÃO PAULO F.C.

                                O auge da carreira foi no São Paulo, onde chegou em 1984 e ajudou a construir o time que fez história no ano seguinte. Apelidado de “Menudos do Morumbi”, a geração de Silas, Pita, Muller, Careca e Sidney ganhou o Paulistão de 1985 e encantou o Brasil com um futebol ofensivo. No ano seguinte, já sem Cilinho, o Tricolor foi campeão brasileiro com Pepe. O treinador voltaria ao São Paulo para vencer mais um estadual, o de 1987.

                          O trabalho no São Paulo foi marcante a ponto de criar uma fama de Cilinho sempre trabalhar com jovens. Apesar do destaque na década de 1980, o técnico campineiro nunca teve a chance de dirigir a seleção brasileira, mesmo sendo cogitado para o cargo. A vida de Cilinho seguiu por outros caminhos.

                          Cilinho foi o principal responsável pela reformulação do elenco tricolor a partir de 1984. Jogadores experientes como Waldir Peres, Serginho Chulapa, Zé Sérgio, Humberto, Almir, Paulo César Capeta, Getúlio e Heriberto deixaram o clube do Morumbi. A substituição não foi por “medalhões”, mas sim por jogadores mais jovens.

                          Silas, Muller, Sidney, Márcio Araújo e Nelsinho ganharam oportunidades ou se firmaram como titulares. O fato mais curioso aconteceu quando Paulo Roberto Falcão foi contratado. Apesar de ter o status de ser o “Rei de Roma”, o meio-campista revelado pelo Internacional não conseguiu ter regalias com Cilinho, que chegou a colocá-lo no banco de reservas de Márcio Araújo.

                           Além de dar chances a jogadores criados dentro do próprio clube, Cilinho era um bom observador. Vários jogadores indicados pelo treinador também fizeram sucesso no Tricolor, entre eles o volante Bernardo (ex-Marília), o lateral-direito Zé Teodoro (ex-Goiás) e o ponta-direita Mário Tilico (ex-Náutico).

                          Cilinho também foi o técnico do time do São Paulo que venceu o Paulistão de 87. A equipe base tricolor, que bateu o Corinthians na final, era: Gilmar Rinaldi; Zé Teodoro, Adilson, Darío Pereyra e Nelsinho; Bernardo, Silas e Pita; Muller, Lê e Edivaldo.

                          Além do São Paulo, onde mais se destacou, Cilinho dirigiu outras importantes equipes do futebol brasileiro, entre elas a Ponte Preta, o Guarani (equipe onde chegou a atuar como jogador nos juvenis), o Corinthians, a Portuguesa e o América de São José do Rio Preto (SP).

                          Em 1989, comandou o Guarani, de onde saiu para ser vice-campeão paulista com o Corinthians, em 1991. Passou ainda por Portuguesa, Bragantino, XV de Jaú, São José e América-SP nos anos 90. Em 2011, voltou ao futebol para comandar o Rio Branco, mas a passagem pelo time de Americana durou poucos meses, até fevereiro de 2012, quando pediu demissão.

TRISTEZA

                          Otacílio Pires de Camargo, o nosso saudoso Cilinho, estava em situação delicada desde 2017. Depois de dois AVC- Acidente Vascular Cerebral, o ex-técnico chegou a ficar meses internado no Hospital da PUCC e estava realizando um tratamento especial, utilizando cadeira de rodas. Veio a falecer no dia 28 de novembro de 2019 por problemas cardíacos.

Cilinho mostrando o esquema tático para os Menudos do Morumbi (Muller, Silas, Pita, Sidney e Careca)

 

Postado em C

Deixe uma resposta