PITICO: um craque irreverente

                  Ronaldo Barsotti de Freitas nasceu dia 6 de março de 1949, na cidade de Santos (SP).  O futebol forja mitos de toda natureza. Uns se notabilizam pela técnica, outros pela raça e, ainda, alguns pela irreverência. Ronaldo Barsotti de Freitas, o Pitico, entrou no rol dos craques irreverentes, desde o início de sua agitada carreira.

                  Apesar de sua boa técnica e visão de jogo, Pitico teve uma dificuldade que, paradoxalmente, muitos gostariam de enfrentar: os primeiros passos com o jogador foram dados no Santos Futebol Clube, em 1967, quando o “Peixe” era o melhor time do planeta, sob a batuta de Pelé.
Aos 17 anos, a jovem promessa foi emprestada ao Pouso Alegre, equipe mineira, pela qual ganhou o primeiro título: Campeão Mineiro da Primeira Divisão. Em 1970, com meio time santista na Seleção, ganhou a primeira chance como titular num time que tinha feras como Ramos Delgado, Djalma Dias (um amigo especial), Rildo, Léo, Manoel Maria e outros.

                 Começava a surgir o bom futebol e a irreverência de Pitico. O técnico santista, Antonio Fernandes, não experientes Joel Camargo e Djalma Dias, grandes craques e amigos, mas inveterados boêmios. “Você tem que andar com o Douglas, o Picolé…”, dizia o técnico,sem obter sucesso.
Por estar a equipe repleta de craques e para que o menino ganhasse experiência, o Santos o emprestou ao Madureira, ao Cruzeiro de Porto Alegre e ao Atlas do México, de onde retomaria em 1971. Referindo-se ao extinto Cruzeiro, Pitico adverte: “Não me contratem para jogar e nem me convidem para ser padrinho de casamento. Joguei no Cruzeiro e no Saad e eles fecharam as portas. Os casais que apadrinhei estão todos separados”. É que, apesar de brincalhão, ele não curte festas e eventos sociais.

                Em 1971, Pitico foi titular e o Santos chegou às semifinais do Brasileirão com esse timaço: Cejas, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Oberdan e Rildo; Pitico, Léo e Mazinho; Davi, Pelé e Edu. Em 1973, outro grande momento, quando entrou em muitas partidas e participou do último título paulista de Pelé, aquele que Armando Marques deu para Santos e Portuguesa. Na época, o técnico era Pepe que, demonstrando um carinho especial, costumava chamá-lo de “filho”. Pitico recusara boas propostas financeiras para jogar em outros centros, pois queria ficar no Santos, seu time de coração.

                Um dia, quando chegou para treinar, foi surpreendido com uma notícia: havia sido trocado pelo ponta Mazinho, do América de São José do Rio Preto. “Meu filho, você vai para o América”, disse Pepe. Indignado, Pitico respondeu: “Meu filho? Isso lá é coisa de pai ? Isso é coisa de padrasto”. Revoltado, fez corpo mole no América, o que lhe custou caro.. Ficou uma temporada sem poder jogar e só teve o passe liberado em 1975, indo para a Portuguesa Santista,onde fez um excelente campeonato. Depois, convidado por Pelé, esteve no Cosmos de Nova lorque, de onde viria para o Saad de São Caetano e, em 1977, para a Inter de Limeira, onde sua vida mudaria.

               O fim de carreira, um anjo e a vocação: Campeão pela Inter, na Divisão de Acesso, Pitico partiu para o Bangu, onde fez sua última partida como atleta profissional, contra o Mengo, no Maracanã. A partida de despedida poderia ser considerada cômica, se não fosse trágica. “Eu e o lateral Belizário fomos escolhidos para o exame antidoping, depois de perdermos por três a zero. “O Castor estava furioso, entrou no vestiário, foi quebrando os vidrinhos onde iríamos urinar e gritando com o pessoal da Federação: Vocês ainda têm coragem de gastar dinheiro com exames ? Se esses caras tomaram alguma coisa foi calmante! não estimulante”.

                Dispensado do time carioca, Pitico tentou o Marcílio Dias, de Santa Catarina, mas sentiu que deveria parar. Foi nesse momento, ao encerrar uma carreira conturbada, que nasceu o homem Ronaldo Barsotti de Freitas. Hoje, Pitico é um homem tranquilo, embora mantenha o bom humor e a sagacidade. Fazendo amigos, relembrando histórias e acrescentando estórias ao seu folclore, Pitico consegue ser, ao mesmo tempo, um ídolo e um amigo dos limeirenses. “Aqui não se pode pisar na bola; a cidade é séria e meio fechada. Mas,sendo honesto e trabalhador, se torna fácil conviver”, diz Pitico.
Falante e carismático, o ex-jogador encontrou sua vocação, no ramo de vendas, onde sempre foi um sucesso entre os compradores das 60 cidades que visitava frequentemente. Aparentemente, não há uma fórmula que explique seu bom desempenho, a não ser a simpatia e a naturalidade. O gerente da empresa, Otávio Brigatto, afirma: “É fantástico! O Pitico consegue vender capim a quem não tem cavalo”

HISTÓRIAS DE PITICO

                01 – Pitico era um jogador irreverente e folclórico, que até hoje tem suas passagens no clube de Vila Belmiro lembradas por ex-atletas e associados que com ele conviveram no clube. Uma dessas histórias é a de que por ocasião da renovação do seu contrato com o Alvinegro, Pitico pegou um papel e escreveu um enorme nº 8 (oito milhões de cruzeiros, o valor que pretendia receber) e passou para o representante santista Katutoshi Ono, o dirigente olhou e rabiscou o nº 3, maior ainda. O jogador com cara de poucos amigos, analisou a contraproposta e argumentou: “Tá bom, aceito! Afinal, não vamos brigar por causa de uma diferença de 5 milhões de cruzeiros, não é mesmo?”

               02 – Dia normal de treino no Santos da década de 70. O meia Pitíco passa a semana inteira resmungando de dores nas costas. Na sexta-feira, cansado de ouvir o craque reclamar, Beraldo massagista do “peixe” chama Pitíco, que vinha chegando para o treino.

– Pitíco, vem cá! Isso é espinhela caída, vou dar um jeito em você.

              Ainda na calçada, próximo à Vila Belmiro, Beraldo pede para o craque virar de costas, abraça-o por trás e dá um tranco seco. Quem estava por perto escutou o forte estalo.

– Agora você vai se sentir melhor.

– Melhor nada, você quebrou foi meu ray-ban que estava no bolso da camisa.

             03 – Não havia muito tempo para treinar, pois era um jogo atrás do outro. Em uma partida contra o também poderoso Bayern de Munique, no vestiário após a falação normal com todos os jogadores, o técnico Antoninho chamou o jogador Pitico num canto e ordenou: “Pitico, hoje você vai entrar com a camisa 5 e ter uma função muito importante. Vai dar o primeiro combate no ataque alemão. Quando a nossa defesa estiver com a bola, você recua para ajudar a zaga, depois encosta no Pelé e desce com ele para o ataque ajudando o Rei a ter facilidade para chutar em gol, mas não esqueça de colar no número 5 deles, que é fera e aonde ele for você vai junto, entendeu?”.  

                   Pitico ficou pensativo, olhou para o treinador e com calma comentou: “Professor, eu tenho que dar o primeiro combate nessa alemãozada, recuar prá ajudar a defesa, encostar no Pelé para ajudá-lo a chutar pro gol e grudar no Beckenbauer, onde ele for? Olha, desculpe seu Antoninho, mas o senhor está louco. Tudo isso por 5 mil de salário? Pô, manda o Negrão fazer tudo isso, ele ganha 100 mil.”

VIDA TRANQUILA

                   Atualmente, Pitico, o Ronaldo Barsotti de Freitas, ex-jogador do Santos nos anos 70, mora em um apartamento na região central de Limeira (a 151 km de São Paulo). Como hobby, além das tradicionais peladas, ele costuma jogar partidas de tênis num dos clubes da alta sociedade da cidade interiorana. Atua ainda como conselheiro do clube praiano.

Inter de Limeira em 1987  –  Em pé: Vininho, Luiz Moraes, Pitico, Lopes, Alexandre Pimenta e Carlinhos Biagiolli   –    Agachados: Juarez, Tião Marino, Carlinhos, Ademir Mello e Marquinhos
Em pé: Joel Mendes, Leo Oliveira, Ramos Delgado, Djalma Dias, Turcão e Rildo   –    Agachados: Manoel Maria, Pitico, Picolé, Djalma Duarte e Abel
Em pé: Picolé, Edevar, Pitico, Abel, Marçal, Marcos Fonseca, Orlando Lelé, Douglas e Beraldo   –    Agachados: Ramos Delgado, Turcão, Lima, Léo Oliveira, Rildo e Djalma Duarte
América de S.J.R.P.   –  Em pé: Marco, Pitico, Cleto, Jair, Dobreu e Paulinho   –    Agachados: Zuza, Turcão, Wilson Luis, Didi e Paraná

1978 –  Ano que a Inter subiu para a Primeira Divisão do Futebol Paulista   –   Pitico é o quarto em pé da esquerda para a direita
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