CRUZEIRO 6×2 SANTOS – Dia 30 de Novembro de 1966

              O jogo era válido pela Taça Brasil. De um lado o poderoso Santos F.C. que já era Bicampeão Mundial Interclubes e que tinha uma equipe simplesmente sensacional. Do outro uma equipe até então desconhecido do torcedor brasileiro. Mas naquela quarta-feira, 30 de novembro de 1966, o Cruzeiro começava a escrever contra o Santos a página mais importante de sua história. A página heroica de seu primeiro título nacional. Um título que escancarou as portas da sala de jantar do futebol brasileiro. É bem verdade que ao se tornar o primeiro campeão brasileiro em março de 1960, no Maracanã, o Bahia já havia iniciado a demolição da velha ordem. Mas foi com a vitória contundente do Cruzeiro sobre o Santos que o Eixo teve de se curvar, colocar ponto final em seu torneio Rio-São Paulo e, humildemente, passar a disputar títulos nacionais contra o resto do país.

SANTOS F.C.

               Vencedor de 11 dos 15 campeonatos paulistas disputados entre 56 e 69, 6 vezes campeão brasileiro nos Anos 60 (61, 62, 63, 64, 65 e 68), bicampeão sul-americano e mundial em 62 e63, o Santos foi o maior time do mundo entre o final dos anos 50 e o final dos 60. Quase todos os santistas que atuaram naquelas duas partidas finais da Taça Brasil, eram de Seleção Brasileira: Gilmar, Mauro Ramos de Oliveira, Zito e Pepe foram bicampeões em 58 e 62. Pelé, tricampeão, em 58, 62 e 70. Carlos Alberto Torres, campeão em 70. Havia ainda Toninho Guerreiro, que, vestindo as camisas do Santos e do São Paulo seria pentacampeão paulista, entre 67 e 71.

O GRANDE JOGO

                O jogo foi realizado no estádio do Mineirão, que neste dia recebeu um público pagante de 77.325 pessoas, o que proporcionou uma arrecadação de Cr$ 223.314.600,00. O árbitro da partida foi Armando Marques, que teve como auxiliar número um, Joaquim Gonçalves de Minas Gerais e como auxiliar número dois, Euclides Borges, também de Minas Gerais. Para esta partida o técnico Luiz Alonso Perez, o popular Lula,  mandou  a  campo  os  seguintes  jogadores; Gilmar, Carlos Alberto, Mauro Ramos de Oliveira, Oberdan e Zé Carlos; Zito e Lima; Dorval, Toninho Guerreiro, Pelé e Pepe. Do outro lado, o técnico Airton Moreira, do Cruzeiro, escalou a seguinte equipe; Raul, Pedro Paulo, Willian, Procópio e Neco; Wilson Piazza e Dirceu Lopes; Natal, Evaldo, Tostão e Hilton Oliveira.

PRIMEIRO TEMPO

               A história do primeiro tempo só pode ser contada por meio dos fantásticos – pela quantidade e qualidade – cinco gols da Academia Celeste. Tudo o mais que se disser, é dispensável. A 1 minuto, Evaldo recebeu passe de Tostão no meio de campo e percebeu Dirceu correndo em direção ao gol. O lançamento saiu preciso. Quando o meia se preparava para concluir, o lateral-esquerdo Zé Carlos, tentando desarmá-lo, marcou contra: 1 x 0.

               Aos 5 minutos, Dirceu Lopes recebeu de Evaldo e serviu a Natal. O ponteiro driblou o lateral Zé Carlos e chutou forte: 2 x 0. Aos 20 minutos, Oberdan saiu jogando, perdeu a bola para Dirceu Lopes, levou dois dribles e saiu de cena. Com a visão desimpedida, o camisa dez cruzeirense chutou violentamente de fora da área: 3 x 0. Aos 39 minutos , a defesa do Santos sofreu intenso bombardeio. De dentro da área, Hilton Oliveira chutou e Mauro salvou. No rebote, Evaldo disparou outra bomba, mas Oberdan impediu o gol. A terceira tentativa coube a Dirceu Lopes. Em vez de força, jeito: 4 x 0.

               Com a palavra o autor da obra prima: “Meu forte sempre foi o corte de fora da área. Como tinha muita velocidade e, naquela época, o futebol era mais solto, qualquer bola que eu apanhasse no meio de campo era um perigo para o adversário. Naquele lance, recebi a bola na entrada da área. Dei um corte no zagueiro, passei a bola do pé direito para o esquerdo e bati. Ela fez uma curva e enganou o Gilmar, que ficou agarrado na trave. Foi um golaço”. Aos 41 minutos, Dirceu driblou Mauro dentro da área e foi derrubado por Oberdan. Pênalti. Tostão fez inacreditáveis 5 x 0. No final do primeiro tempo, a caminho do vestiário, Pelé ouve o couro provocador da torcida mineira: “Cadê Pelé? Cadê Pelé?”. O Rei acenou para a torcida com a mão espalmada. Cinco gols? Não, cinco vezes campeão brasileiro, ele explicou. A verdade, contudo, é que, naquela noite, marcado individualmente por Wilson Piazza, Pelé não viu a cor da bola.

SEGUNDO TEMPO

               O Cruzeiro voltou relaxado pensando em barganhar o jogo: tocaria a bola e o adversário se contentaria em evitar mais gols. Mas, ao invés de aceitar o fato consumado da derrota, o Santos foi à luta pensando em remontar o placar.  Nos vestiários, seus jogadores ouviram poucas e boas do treinador Lula: “É preciso parar esta linha de qualquer forma, se não parar no grito tem que ser no tapa, na botina, não pode é continuar desta forma. Eles estão fazendo a nossa área de avenida”. Deu certo. Aos 6 e aos 10 minutos, Toninho Guerreiro marcou: 5 x 2. A torcida cruzeirense assustou-se. Pelé tinha fama de, quando provocado, superar-se e virar resultados tidos como definitivos. Mas Tostão, Dirceu Lopes e Wilson Piazza retomaram o controle do jogo. Tocando bola com rapidez, o Cruzeiro voltou a colocar o Santos na roda. E a pá de cal sobre o pentacampeão brasileiro foi atirada aos 27 minutos. Evaldo recebeu passe de Tostão, driblou Oberdan e chutou forte, Gilmar deu rebote. Dirceu apareceu do nada para tocar para as redes: 6 x 2.

               O árbitro carioca Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques era uma celebridade. E, como tal, também resolveu deixar sua marca no jogo que o Brasil inteiro assistiu pela televisão. Aos 30 minutos, nervoso, incapaz de se livrar da marcação pessoal, Pelé chutou Piazza. Formou-se o bolinho. Procópio pediu explicações e ouviu um palavrão. Armandinho – era como a torcida se referia ao árbitro – expulsou os dois. Daí em diante, os times limitaram-se a exibir sua técnica refinada sob aplausos ininterruptos da torcida. Era preciso economizar energias para o jogo decisivo, uma semana depois, no Estádio Municipal do Pacaembu.

APÓS O JOGO

               Nicolau Moran, diretor, e Athiê Jorge Cury, presidente do Santos, num gesto de cortesia, mandaram a Taça Brasil para vestiário do Cruzeiro. Queriam que ela ficasse em Minas até a segunda partida. Supersticioso, como bom mineiro, o presidente do Cruzeiro, Sr. Felício Brandi, não deixou ninguém chegar perto do troféu. Deu uma espiada de longe e mandou devolvê-la aos paulistas: “Tá bom, é muito bonita, mas, agora que já a conhecemos podem levá-la de volta; semana que vem, vamos buscá-la em São Paulo”.  No outro vestiário, o presidente do Santos dava entrevistas: “Em São Paulo, nossa vingança será terrível!”

EM RESUMO:

               Quarenta e cinco minutos. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco gols. Uma devastação. Um time branco totalmente dilacerado por uma máquina azul de jogar bola. Um estádio à beira da loucura e ao mesmo tempo incrédulo com tamanha supremacia. O esquadrão mais temido do planeta transformado em time comum. O maior jogador da história era um simples coadjuvante. Um Rei deposto por Reis de Minas. Raul, Procópio, Piazza,  Tostão,  Dirceu Lopes,  Evaldo  e  Natal  eram  apenas  alguns  dos novos soberanos do futebol brasileiro a partir daquela noite de 30 de novembro de 1966, o dia em que  o  Cruzeiro  Esporte Clube fez a sua mais exuberante e sensacional partida de futebol em todos os tempos. Contra o temido Santos de Pelé, Gilmar, Zito, Pepe, Carlos Alberto e Mauro, o esquadrão cruzeirense aplicou 6 a 2 naquela primeira final da Taça Brasil, sendo 5 a 0 no primeiro tempo. Quem viu e viveu aquela apoteose azul jamais esqueceu e contou para todo mundo, do amigo mais próximo à vovó, do colega de bar até o cachorro: meu time goleou o Santos de Pelé.

SEGUNDO JOGO

               Uma semana depois, dia 7 de dezembro de 1966, no velho Pacaembu, muitos acreditavam que o feito do Mineirão havia sido um caso à parte, algo extraordinário. Debaixo de muita chuva e precisando fazer gols, o Santos foi com tudo para cima dos mineiros e abriu 2 a 0. Todos acreditavam que o time paulista devolveria a derrota do primeiro jogo, tanto é que no intervalo o presidente do Santos, Athiê Jorge Cury, foi ao vestiário do Cruzeiro para acertar a data do terceiro jogo! O presidente do time mineiro expulsou Athiê e o mandatário da Federação Paulista de Futebol, Mendonça Falcão, aos berros, e usou o ato para aumentar o brio dos jogadores. Deu certo. Piazza passou a marcar Pelé como se não houvesse amanhã, Tostão e Dirceu trataram de usar todas as suas armas técnicas possíveis e o Cruzeiro deu show, vencendo por 3 a 2 e conquistando a Taça Brasil. A torcida do time começaria a crescer de maneira profunda e o país inteiro aplaudia aqueles jovens craques cheios de talento, habilidade e genialidade. Ali, naquela conquista, o Cruzeiro mudava para sempre a ordem do cenário futebolístico nacional, que passaria a olhar também para Minas Gerais e não só para Rio e SP. A importância do título foi tão grande que o Torneio Rio-SP de 1967 passaria a incluir, também, as equipes de Minas Gerais e de outros estados, dando origem ao Torneio Roberto Gomes Pedrosa. O que um 6 a 2 não faz…

               A equipe paulista bem que tentou, mas não conseguiu conter o ímpeto do Cruzeiro na partida de volta, no Pacaembu, e perdeu o hexacampeonato da Taça Brasil para os mineiros. Por anos, aqueles 6 a 2 atordoaram a cabeça de muitos torcedores, além de Pelé seguir com alucinações de Piazza em seu encalço, só cessando durante a Copa do Mundo de 1970, quando o craque cruzeirense vestia a mesma camisa que Pelé: a amarelinha do tricampeonato mundial.

CRUZEIRO ESPORTE CLUBE – 1966      –     Em Pé: Neco, Pedro Paulo, William, Procópio, Piazza e Raul      –     Agachados: Natal, Tostão, Evaldo, Dirceu Lopes e Hilton Oliveira
1966 – Em Pé: Wilson, Ramos Delgado, Joel, Clodoaldo, Cláudio e Turcão      –      Agachados: Manoel Maria, Lima, Werneck, Pelé e Pépe

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