A FORÇA DO NATAL

                                  Esta é uma história verídica. Durante a Primeira Guerra Mundial uma situação inesperada ocorreu durante o Natal de 1914. Entre as trincheiras onde estavam combatendo soldados ingleses e alemães, ocorreu uma trégua não oficial decretada pelos próprios soldados. Finalmente parou de chover. A noite estava clara, com céu limpo, estrelado, como os soldados não viam há muito tempo. Ao contrário da chuva, porém, o frio seguia sem dar trégua. Normal nesta época do ano. O que não seria normal em outros anos era o fedor no ar. Cheiro de morte, que invadia as narinas e mexia com a cabeça dos vivos.

                                  Alemães e ingleses, inimigos separados por 80, 100 metros no máximo. Entre eles estava a “terra de ninguém”, assim chamada porque não se sobreviveria ali muito tempo. A guerra se arrastava havia quase um semestre. Os britânicos haviam perdido 160 mil homens até então. Alemanha e França, 300 mil cada. Para piorar, as condições nas trincheiras eram péssimas. O odor era insuportável, devido as latrinas descobertas e aos corpos em decomposição. Estirados pela terra de ninguém, cadáveres atraíam ratazanas aos milhares. Era um verdadeiro banquete. Com tanta carne, elas engordavam tanto que algumas eram confundidas com gatos. Pior que as ratazanas, só os piolhos.

                                  Milhões deles, nos cabelos, barbas, uniformes. Em toda parte. Quando chovia forte, a água batia na altura dos joelhos. Dormia-se em buracos escavados na parede e era comum acordar assustado no meio da noite, por causa das explosões ou de uma ratazana mordendo seu rosto. Durante o dia, quem levantasse a cabeça sobre o parapeito era um homem morto. Os franco-atiradores estavam sempre à espreita (no final da tarde, praticavam tiro ao alvo no inimigo e, quando acertavam, diziam que era um “beijo de boa-noite”). O soldado entrincheirado passava longos períodos sem ter o que fazer. Horas e horas de tédio sentado no inferno. Só restava esperar e olhar para o céu, onde não havia ratazanas nem cadáveres.

                                   Cadáveres de combatentes de ambos os lados compunham a paisagem com cercas de arame farpado, troncos de árvores queimados e crateras abertas pelas explosões de granadas. O barulho delas era ensurdecedor, mas num certo momento não se ouviu nada. Nenhuma explosão, nenhum tiro, nenhum recruta agonizante gritando por socorro ou chamando pela mãe. Nada. E de repente o silêncio é quebrado. Das trincheiras alemãs, ouve-se alguém cantando. Os companheiros faziam coro e logo havia dezenas, talvez centenas de vozes cantando no escuro.

                                   Atônitos, os ingleses escutam a melodia sem compreender o que diz a letra. Mas nem precisavam: mesmo quem jamais a tivesse escutado descobriria que a música falava de paz, que em português, foi batizada de “Noite Feliz”. Quando a música acaba, o silêncio retorna. Soldados cessaram fogo e deixaram as diferenças para trás. A paz não havia sido acertada nos gabinetes dos generais; ela surgiu ali mesmo nas trincheiras, de forma espontânea. Jamais acontecera algo igual antes. Era difícil imaginar o que estava por vir.

                                  Na noite do dia 24 de dezembro, uma visão deixou os britânicos intrigados: iluminadas por velas, pequenas árvores de Natal enfeitavam as trincheiras inimigas. A surpresa aumentou quando um tenente alemão gritou em inglês perfeito: “Senhores, minha vida está em suas mãos. Estou caminhando na direção de vocês. Algum oficial poderia me encontrar no meio do caminho?” Silêncio. Seria uma armadilha? Ele prosseguiu: “Estou sozinho e desarmado. Trinta de seus homens estão mortos perto das nossas trincheiras. Gostaria de providenciar o enterro”. Dezenas de armas estavam apontadas para ele. Mas, antes que disparassem, um sargento inglês, contrariando ordens, foi ao seu encontro. Após minutos de conversa, combinaram de se reunir no dia seguinte, às 9 horas da manhã.

                                  No dia seguinte, 25 de dezembro, ao longo de toda a frente ocidental, soldados armados apenas com pás escalaram suas trincheiras e encontraram os inimigos no meio da terra de ninguém. Era hora de enterrar os companheiros, mostrar respeito por eles, ainda que a morte ali fosse um acontecimento banal. Um capelão escocês organizou um funeral coletivo para mais de 100 vítimas. Os corpos foram divididos por nacionalidade, mas a separação acabou aí: na hora de cavar, todos se ajudaram. O capelão abriu a cerimônia recitando o salmo 23. “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”. Depois, um soldado alemão, ex-seminarista, repetiu tudo em seu idioma. No fim, acompanhado pelos soldados dos dois países, ele rezou o Pai Nosso. Outros enterros semelhantes foram realizados naquele dia, mas aquele foi o maior de todos.

                                 Aquela situação por si só já era inusitada: alemães e ingleses cavando e rezando juntos. Mas o que se viu depois foi um desfile de cenas surreais. Um inglês cortava os cabelos de qualquer um, aliado ou inimigo, em troca de alguns cigarros. Homens que na véspera tentavam se matar agora trocavam presentes sob a forma de lembranças, cigarros e alimentos como carne, vinho, conhaque, pão preto, biscoitos, presunto e até mesmo barris de cerveja. Eles mostraram fotografias da família e entes queridos que estavam em casa. Uma luta de boxe entre um inglês e um alemão foi interrompida antes que os dois se matassem, afinal, aquele momento era de confraternização e de muita paz. E assim os dois terminaram se abraçando.

                                 Porém, o melhor estava por vir. Foram organizadas animadas partidas de futebol. Muitos soldados jogaram bola nos campos de batalha. “Bola” em muitos casos era força de expressão; podia ser apenas um monte de palha amarrado com arame, ou uma lata de conserva vazia. E, no lugar de traves, capacetes, tocos de madeira ou o que estivesse à mão. O jogo foi só pelo prazer da brincadeira, ninguém prestou atenção no resultado. Mas houve também partidas “sérias”, com direito a juiz e a troca de campo depois do intervalo. Numa delas, que se tornou lendária, os alemães derrotaram os ingleses por 3 a 2. A vitória suada foi cercada de polêmica: o terceiro gol alemão teria sido marcado em posição irregular (o atacante estava impedido) e a partida só foi encerrada depois que a bola – esta de verdade, feita de couro – furou ao cair no arame farpado.

                                 Os soldados ingleses e alemães descobriam ter mais em comum entre si que com seus superiores, que estavam instalados confortavelmente bem longe da frente de batalha. O medo da morte e a saudade de casa eram compartilhados por todos. Naquele tempo, Hitler ainda não apitava nada. Entretanto, os homens que davam as cartas também não estavam nem um pouco felizes. Dos quartéis-generais, os senhores da guerra mandaram ordens contra qualquer tipo de confraternização. Quem desrespeitasse se arriscava a ir à corte marcial. A ameaça fez os soldados voltarem para as trincheiras. Durante os dias seguintes, muitos ainda se recusavam a matar os adversários. Para manter as aparências, continuavam atirando, mas sempre longe do alvo.

                                  Assim foi a Trégua de Natal de 1914. Em alguns lugares, ela continuou por mais de um dia. Mas quando generais souberam do acontecido, garantiram que isso nunca ocorreria novamente. E, apesar de tentativas esporádicas em anos posteriores, ela nunca se repetiu. Papa Bento XV, em 7 de dezembro de 1914, pediu uma trégua oficial entre os governos em guerra, pedindo “que as armas possam cair em silêncio, ao menos na noite em que os anjos cantam”. O apelo foi recusado pelas autoridades, no entanto, naquele Natal os soldados mostraram que não tinham realmente aprendido a odiar uns aos outros. Muitos deles viam-se como peões em um jogo que não entendiam, lutando contra um inimigo por razões que não eram imediatamente óbvias.

                                   Naquele Natal de 1914, soldados alemães e ingleses mostraram ao mundo que somos todos irmãos e que a Paz é possível, pois os anjos do Senhor já haviam cantado quando nasceu o Menino Jesus, “Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens de boa vontade”. Porque Paz não é apenas a ausência de guerra entre os países. Paz é buscar a serenidade dentro de cada um de nós para vivermos com alegria os bons momentos. É ter esperança e fé para enfrentarmos as dificuldades e assim podermos criar um clima de harmonia e bem-estar na família e na comunidade. Lembrando sempre que onde há Paz, há amor e onde houver amor Deus está presente e onde há Deus, nada faltará.

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