JURANDIR: campeão paulista pelo São Paulo F.C. em 1970

                Jurandir de Freitas nasceu dia 12 de novembro de 1940, na cidade de Marília – SP. Era um jogador grande e ágil. Tinha uma elasticidade parecida com a dos grandalhões do basquete norte-americano. Marcou época no São Paulo F.C.  tanto como quarto zagueiro, formando dupla com Bellini e como zagueiro central, jogando ao lado do grande Roberto Dias.  Participou do mundial de 1962, no Chile, onde atuou nas duas posições. Gostava de dar entrevistas provocando os adversários, o que o fazia bastante procurado pelos repórteres. Orgulhava-se por jamais ter faltado ou chegado atrasado a um treino, enfim, era uma pessoa muito querida por todos, pois com seu jeito simples e humilde, ele cativava a todos. Dentro de campo jogava o feijão com arroz, não inventava e não gostava de fazer firula com a bola nos pés, dava logo um chutão para a frente, pois ele dizia que futebol é coisa séria.

INÍCIO DE CARREIRA 

               Quando menino era engraxate, depois cresceu, virou pedreiro e nas horas de folga mecânico. Nos finais de semana jogava futebol. Jogou no Corinthians de Marília e no São Bento de Sorocaba. Foi convocado para a seleção brasileira que iria disputar o sul-americano no Peru e voltou campeão. Com isto os dirigentes do São Paulo resolveram contratá-lo na semana seguinte.

MOMENTOS DE GLÓRIA 

               Fez sua estréia com a camisa do Tricolor dia 15 de fevereiro de 1962 e a sua última partida aconteceu no dia 31 de julho de 1972, nesse período disputou 395 partidas e sagrou-se campeão paulista em 1970 e 1971. O técnico Aymoré Moreira o convocou para disputar a Copa de 1962 no Chile, onde foi reserva do Mauro Ramos de Oliveira.  Depois que saiu do São Paulo, ainda jogou no Comercial de Campo Grande, após receber passe livre do Tricolor. Depois, devido as contusões encerrou a carreira de jogador profissional, uma profissão de sacrifícios, concentração, viagens com trajeto preestabelecido, aeroporto, hotel e estádio, passe preso, sem direito a escolha do local do trabalho, contratos onde o clube pode tudo e o atleta não pode nada, pagamento de INSS sem direito a aposentadoria especial, contusões maltratadas, injeções analgésicas que acabam com o físico de qualquer um. E, no fim da carreira, nenhum prêmio, nenhuma profissão, nenhum dinheiro, um triste destino para a maioria. Realmente é uma profissão ingrata para a maioria, todo mundo sabe. Mas ver na miséria um cara que foi ídolo, jogador de seleção, isso choca e surpreende.

TRISTEZA

               É com muita tristeza que relato o depoimento de um jogador que foi bicampeão paulista e chegou a disputar 18 partidas pela seleção brasileira, inclusive uma Copa do Mundo.  Em 1974, aos 33 anos, Jurandir era casado com dona Emerlinda, pai de Jurandir Junior de 10 anos, Roseli Aparecida de 9 anos, Joelson Benedito de 7 anos e Jadir de 5 anos,  quando teve que vender seu caminhão Alfa, modelo 68, a última coisa que lhe restava para ganhar a vida. Sem meniscos, procurava, sem muita esperança um clube ou outro emprego qualquer, para pagar as dividas que o futebol lhe deixou. Com muito esforço, completou o curso secundário e queria cursar a Faculdade de Educação Física, para ter uma profissão que durasse a vida inteira, mas antes tinha que arrumar o leite das crianças.  

               Realmente uma história muito triste, a qual ele mesmo contou. “Faço questão de contar a triste história de um jogador, para que a meninada de hoje não se iluda com uma profissão que dá dinheiro e conforto a uma minoria e desgraça a vida da maioria. Faço questão de contar porque eu sofri muito. Sem ter um pai para ajudar nos contratos, sem ter um amigo de verdade, e principalmente por ser um cara humilde me encontro nessa situação (1974). Minha vida não tem nada parecida com a de Pelé, Rivelino, Paulo César, é isso sim, a vida da quase totalidade dos jogadores de futebol do Brasil”.

               Em uma casa de quarto e sala, em Taboão da Serra, município vizinho a São Paulo, em meio a troféus e faixas que não combinam com o ambiente, Jurandir mostra um pequeno vidro com o último menisco que lhe tiraram. “É o último troféu que o futebol me deixou”.  A amargura traz lágrimas aos olhos de Jurandir e um tom de desabafo á sua voz. “Fui ídolo numa época difícil. O São Paulo estava construindo o estádio do Morumbi e pouco ligava para os jogadores. Eu, Dias, Suli, Paraná e outros jogadores, aguentávamos o time nas costas. O resto do time era até engraçado. A cada jogo aparecia um cara contratado a preço de banana. O torcedor não aguentava, e nem a gente.

               Foram oito anos de dificuldades, com um time sem ataque e sem reservas. Jogador titular não tinha direito a folga. As crianças nasceram sem a presença do pai. O São Paulo precisava de mim e eu dele para comprar o leite da meninada. Pior foi quando meu filho pegou uma arma para brincar e ela disparou. O garoto foi levado às pressas para o Hospital e a primeira preocupação dos dirigentes do São Paulo foi me proibir de dar declarações. Eles achavam que a imprensa iria explorar o assunto e meu futebol não iria ser o mesmo. Lógico que fiquei muito abalado. Mas muito mais por não poder visitar meu filho em estado de coma. A bola não podia parar”.

               Jurandir entende que os dirigentes precisam das vitórias, dependem delas para aparecer nas manchetes. Com toda vontade de aparecer, eles esquecem que o jogador é humano. Para exemplificar, Jurandir mostra uma foto que ele aparece com o joelho inchado. – “Eu não sentia dores porque as injeções não deixavam. De injeção em injeção, estou sem jogar com passe livre que o São Paulo me deu não como prêmio, mas para se livrar de mais um salário na folha de pagamento. Me dei mal com isso.

               Em outra época ficaria rico, mas agora quem quer um jogador quebrado com passe livre na mão?  Bem que o São Paulo poderia esperar mais um pouco, para que me recuperasse da última operação. Assim eu tinha um salário para sobreviver. Agora o clube não tem nenhuma obrigação comigo. Dirigentes me prometeram um emprego no São Paulo e nunca cumpriram. Promessas que nunca foram cumpridas desde meu primeiro contrato com o clube em 1962. Assinei por CR$ 230,00 mensais por dois anos. Mas depois fui convocado para a seleção brasileira e voltei do Chile campeão do mundo. Pedi um reajuste e espero até hoje. Aliás, na seleção foi a mesma coisa.

               Prometeram mundos e fundos, mas o que ganhei mesmo foi uma geladeira, uma máquina de costura, 980 dólares que eu troquei com o Poy e um Gordini. O carro vendi no dia seguinte à um diretor do São Paulo por CR$ 800,00, para comprar um terreno na Vila Sônia. Na época, afirmava-se que os jogadores ganharam o diabo, ficaram milionários só com a vitória no Chile. Tudo mentira. São essas mentiram que fazem o público pensar que o jogador de futebol é milionário. Que eu conheço, só Pelé e uns pouco mais ficaram ricos com o futebol”.

               E o terreno na Vila Sônia?   “Comprei o terreno mas não tinha dinheiro para construir. O São Paulo me ajudou, pagou a construção, em troca tive que fazer um novo contrato por dois anos nas bases que o clube propunha. Um contrato ridículo para um campeão do mundo. Outros contratos vieram, mas a desculpa era sempre a mesma – Não temos dinheiro para gastar com jogador, queremos dar um estádio ao torcedor.   Em 1970 o Morumbi foi parcialmente inaugurado e o São Paulo contratou grandes jogadores como Gerson, Pedro Rocha, Toninho Guerreiro, Forlan e outros. Pensei que tudo ia mudar, pois o estádio estava pronto e o time bi campeão.

              Era a hora de fazer um bom contrato. Foi mais uma ilusão. O São Paulo começou a perder jogos incríveis e me acusaram de fazer corpo mole só porque eu ganhava muito menos do que os novos contratados. Para quem jogou quase doze anos sem ganhar muito e só por amor a camisa, a acusação tão injusta só podia magoar. Dediquei quase toda minha vida ao São Paulo e nem jogo de despedida mereci”.

               Repudiado pelo São Paulo, Jurandir foi tentar vida nova no Marília, pensando encontrar muitos amigos na cidade de sua infância. Tinha lá duas casas lotéricas e uma lanchonete, deixada aos cuidados do irmão com um sócio. – “Eles não souberam cuidar direito dos negócios e tudo foi por água abaixo. Quando cheguei lá, só encontrei dívidas. Fui obrigado a vender minha casa da Vila Sônia para pagar a conta. Passei um ano no Marília e fui emprestado ao Comercial do Mato Grosso que ia disputar uma vaga no campeonato brasileiro de 1973.

               Lá no Mato Grosso eu fui sepultado como jogador de futebol, vítima de dirigentes desonestos. No último jogo do torneio de classificação, estourei o joelho. Queria operar em São Paulo, mas os cartolas não deixaram e operaram lá mesmo. Era preciso tirar os dois meniscos, mas o médico só tirou um para que eu pudesse voltar mais rápido aos treinos. Depois fiquei sabendo que não tinha nem contrato legal com o clube, porque eles não registraram na CBD. E que o seguro feito quando fui para lá havia caducado por falta de pagamento. Sem dinheiro, sem seguro, voltei à São Paulo sem condições de fazer a operação.

               Meu passe ainda pertencia ao São Paulo e, por isso, o clube me operou o outro menisco, mas não permitiu que eu convivesse com os profissionais. Fui treinar no campinho dos juvenis. Um dia tentei entrar nos treinos dos profissionais e fui barrado no portão. Veja só, um jogador que lutou doze anos pelo clube, um campeão do mundo, barrado na porta. Aí veio o passe livre, uma esmola fora de hora, quando eu ainda não estava recuperado da operação. Eu não quero esmola. Quero respeito”. Jurandir faleceu dia 6 de março de 1996, aos 55 anos.

Em pé: Edílson, Celso, Dias, Lourival, Jurandir e Picasso     –     Agachados: Miruca, Terto, Teia, Nenê e Paraná

Em pé: Bellini, Dias, Tenente, Renato, Suly e Jurandir     –    Agachados: Valdir Birigui, Zé Roberto, Prado, Laúca e Paraná
Em pé: Renato, Edmilson, Dias, Lourival, Jurandir e Picasso     –    Agachados: Walter, Adilson, Djair, Nenê e Paraná
Em pé: Bellini, Jurandir, Riberto, Leal, Suly e Deleu     –    Agachados: Cecílio Martinez, Baiano, Benê, Cido e Canhoteiro
Em pé: Ilzo Neri, Jurandir, Bellini, Dias, Suly e Deleu – Agachados: Faustino, Cecílio Martinez, Benê, Pagão e Sabino
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